ENTREVISTA COM ANTÔNIO NILZO DUARTE GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: ENTREVISTA @@@



POST-SCRIPTUM:
Fosse ainda vivo, meu saudoso amado e inesquecível amigo Antônio Nilzo Duarte, estaria hoje, 19 de fevereiro de 2021, completando 95(noventa e cinco anos) de idade; infelizmente, é já falecido, falecera aos 07 de janeiro de 2020.
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Sentia-me incomodado por não lhe prestar uma homenagem póstuma neste transcurso de seu aniversário natalício. Pensara escrever uma crítica inédita sobre sua obra, mas acabo de chegar de viagem a Iguaba Grande, durante uma semana, sentindo-me cansado, sem qualquer inspiração. Decidi investigar os meus arquivos à cata de uma crítica antiga à sua obra; encontro esta jóia, a única entrevista nossa, na 31º EDIÇÃO – COMEMORATIVA DO 2º ANO DE CIRCULAÇÃO (06 DE JUNHO DE 2008/06 DE JUNHO DE 2010)
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Aliás, Nilzo não queria ceder-me esta entrevista, dizendo não ter qualquer condição de entrevistar um intelectual do meu nível. Com muita insistência, cedera-me com única pergunta. Publico ora como uma homenagem póstuma ao seu aniversário Natalício.
Manoel Ferreira Neto
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ANTÔNIO NILZO DUARTE – O que é isto, Manoel – ser escritor nato?
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Manoel Ferreira Neto – Nilzo, para mim é motivo de orgulho e alegria responder a esta pergunta sua, neste aniversário de segundo ano de Razão In-versa. Imaginei mesmo seria esta a sua pergunta. Lembra-me no sábado, 26 de janeiro de 2007, dia após haver-lhe doado com uma dedicatória minha novela Ópera do silêncio, nosso encontro na calçada do Supermercado Paizão, quando lhe perguntei sobre os dois livros de sua autoria que me havia prometido, dizendo você: “Não é a mesma coisa do seu, Manoel. São obras simples, minhas memórias”, respondendo-lhe isto não ser importante, o importante eram as obras. Fosse a sua casa na segunda-feira apanhar as obras. Neste primeiro encontro nosso em sua casa, doando-me as obras, referiu-se ao escritor nato, nestes três anos e meio de nossas relações, você sempre se refere ao escritor nato que sou. Não podia ser outra a pergunta.
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No início de novembro de 2003, num encontro meu com Ângelo Antônio, no restaurante Habeas Copus, ele me fizera a seguinte pergunta: “Manoel, o que é isto ser escritor?”, do jeito dele, direto, inesperadamente. Naquele ano, havia acabado de publicar minha dissertação em Sartre, estava em Curvelo para ver as possibilidades de lançamento, o vereador Pimenta é que tornou isto possível, na segunda quinzena deste mesmo mês, dia 19, lancei-a no Curvelo Clube, no lançamento esteve presente meu grande amigo Daltinho Canabrava, também representando Maurílio Guimarães que não pôde estar presente. Senti-me orgulhoso com a presença de Daltinho, foram eles os primeiros políticos que me valorizaram, acreditam em mim, depois de Pimenta que tornou possível o lançamento. Olhei-o estupefato, dei um trago no cigarro, engasguei com a fumaça, não esperava uma pergunta nesse nível. Em contrapartida: “E o que é ser ator, Ângelo Antônio?”. Rimos. Respondemos quase ao mesmo tempo: “Quem é que sabe?”. De imediato, ele me dissera algo que já havia dito várias vezes, mas na ocasião era um conselho de grande amigo: “Manoel, fama, sucesso são muito fáceis. De um dia para outro, você pode se tornar famoso. Conservar a fama é que são elas. Conserva-se a fama só com obras”. Ele sentiu que havia eu começado mesmo a minha carreira, chegaria o momento em que seria reconhecido, considerado. Em momentos de desconcentração, respondemos isto e aquilo sobre o que é ser isto ou aquilo, mas na hora de definir a critério e rigor, torna-se difícil, muito difícil. Então, quando se diz respeito a definir o que é ser escritor, ator, artista, não há palavras que possam, o nó górdio na garganta se instala de vez.
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Não sei, meu querido, se serei capaz de satisfazer a sua curiosidade de saber isto de mim. E se fosse eu a lhe perguntar o que é ser um escritor-memorialista, você saberia me responder? Sentiria dificuldades. Contudo, nunca fujo da raia quando se trata de desejos e curiosidades de meus leitores, a vocês todos sou muito grato pela cadeira no Olimpo que me deram para sentar nela – você sorri, mas é verdade -, são vocês que fizeram, fazem a minha carreira.
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Seria fácil dizer: “Ser escritor nato é nascer com o dom de escrever”. Para fundamentar, dizer-lhe que, além disso, sou neto de artistas circenses, a arte corre no meu sangue. Nascer com dom, haver herdado de meus avós a arte, quase nada significa. É necessário entregar-se por inteiro ao sonho da arte, amá-la, estar disposto a morrer por ela, realizar a vida com ela. Ser escritor depende de muitas leituras, sensibilidade, conhecimentos, observações da realidade, ter conhecimentos, experiências, vivências, “sofrer, sofrer, sofrer”, como disse um de meus mestres, Dostoiévski, quando um jovem lhe perguntara o que era preciso para ser escritor. Depende do tempo histórico, de suas aberturas, de suas possibilidades. Há alguns escritores de grande potencial que estão esquecidos, pois que o tempo histórico não lhes abriram as portas e janelas.
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Hoje, já mais experiente, estando a realizar o que sempre sonhei, tenho com certeza um modo de dizer sobre isto de ser escritor nato. Sê-lo é ter uma missão no mundo, uma missão que Deus me incumbira de realizar em Seu nome. Ter uma missão no mundo significa realizar algo para os homens, a humanidade, algo que lhes sirva por todos os séculos, milênios. Eu penso e sinto que a minha missão é mostrar através de minhas obras que existem outros horizontes, universos da vida, a felicidade é possível, o amor é possível, a fé é necessária, a esperança é necessária, os homens podem encontrar a si mesmos no mundo, os problemas podem ser superados; estamos vivendo num mundo muito errado, corrupções de toda ordem, violência sem limites, o poder está ditando tudo, os bens materiais são os mais importantes, os valores e virtudes que elevam a vida foram esquecidos em detrimento dos valores materiais, do dinheiro, mas isto pode muito bem ser superado. A missão do escritor nato é justamente esta: levar aos homens a esperança e a fé de outra realidade que não esta que estamos todos vivendo em nossa modernidade. Em verdade, a obra que responde por este sentimento, pensamento que fui descobrindo ao longo de minha vida, é SENDEIRO DA LUZ ETERNA, que está publicada em Razão In-versa, em dezembro de 2008. Não a escrevi com o propósito de esclarecer este sentimento e pensamento, escrevi para sentir de perto a vida e o sonho que em mim trago dentro. Consciente disso, é que a minha carreira foi se desenvolvendo. Você sabe que tive já sete enfartos, cinco anginas. Algumas pessoas brincam comigo, dizendo que sou um gato, gato é que tem sete vidas. Em verdade, não morri num destes enfartos porque a minha missão de escritor não foi ainda realizada, quando o for, será a minha hora. Creio até que tantos enfartos e anginas foram para eu ter consciência de minha missão no mundo como escritor.
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Imagine isto: em nossa modernidade, a maior dificuldade que um escritor inédito encontra em sua vida é ser aceite por uma editora. O métier editorial hoje é uma coisa de louco. Ninguém dá oportunidade ao escritor inédito, não se tem garantia de lucros, são os lucros que importam. E mesmo que se consiga, com apadrinhamentos, o escritor só recebe, nalgumas editoras, só dez por cento do preço de capa, noutras, apenas sete, o restante são dos editores. Há centenas de porcarias nas livrarias, livros inúteis, nada há neles que indique serem obras literárias, mas vendem a rodo. Então, os tais de best-sellers são publicados quase todos os dias, os lucros são imensos. Em meus termos, então, seria muito difícil conseguir editoras, pois que minha obra é clássica, erudita, uma obra de cunho filosófico, ninguém iria dar-me oportunidade.
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Publiquei uma antologia de contos em 1979, só voltei a publicar em 2000. Enviei algumas obras a editoras, quando não responderam coisa alguma, enviaram-me de volta, dizendo não estavam interessados.
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Tive uma oportunidade de publicar meus textos em jornais, deram-me uma chance de ser conhecido, mas não fariam a minha carreira de modo algum, quase me intimaram a mudar de estilo e linguagem, escrevesse porcarias, idiotices, recusei-me a isto, fora ter de rogar, implorar, ajoelhar diante dos diretores para publicarem meus textos. Foram os diretores de jornais um dos responsáveis por criarem o mito de minha obra ser inacessível, difícil de compreensão. Minha carreira comecei no ano de 1979, trinta e um anos de estrada, só há dez anos estou conseguindo aos poucos, lentamente, realizar o que sempre sonhei, muitas dificuldades.
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Na época de minha novela Ópera do Silêncio, saía de casa às sete e meia, oito horas, andava em Curvelo por todos os lados, tive bolhas dágua nos pés de tanto andar oferecendo meu livro. Fui considerado na época o escritor que mais vendeu livros nos últimos tempos. Aí é que consegui divulgar a obra, divulgar-me, ser conhecido. Isto de andar vendendo minhas obras foi uma influência do filósofo Sartre, ele, com sessenta e tantos anos, não mais precisava disto, era famoso no mundo inteiro, saía pelas ruas de Paris vendendo de mão em mão o seu jornal Causa do Povo. Faria eu o mesmo. Quando lancei a dissertação, três anos depois, andava em Diamantina por todos os lados, subindo e descendo verdadeiras ladeiras. Agora, nestes dois anos de Razão In-versa, venho a Curvelo todos os meses para divulgar as novas edições, tenho meus leitores já assíduos, é só entregar a edição. Mas ando por todos os lugares, oferecendo a esta ou aquela pessoa.
Se eu não tivesse tido a inspiração do suplemento-literário, você acha que teria o reconhecimento que tenho hoje em nossa comunidade? Não. As publicações nos jornais não me dariam este reconhecimento. Hoje, digo-lhe mesmo não me importo mais com isto de editora, de livros. Não é do seu conhecimento, mas o filósofo, o único caso que conheço, jamais pôs os pés em editoras, não teve editores, ele próprio publicava suas obras com o dinheiro que recebia como professor de universidade. Foi um filósofo realmente livre. Suas obras são imortais, universais. Hoje, as editoras mundiais ganham fortunas com suas obras. Ele é que me inspirou neste sentido de lutar eu próprio pela minha carreira.
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Com Razão In-versa, estou conhecendo de perto o que é isto estar contribuindo com a minha obra para a nossa cultura, artes. Os leitores me apóiam mesmo. Não compram uma ou outra, todos têm as trinta e uma edições. Ninguém compraria trinta e uma edição para colocar na estante da sala de visita como ornamento, arrebique, para impressionar as visitas. Todos eles lêem as obras. E todos me elogiam, reconhecem a importância de minha obra. No início tive patrocinadores. O vereador José Rafael todos os meses patrocina-me cinco cópias. No início, João Alves da Fonseca Filho, Maurílio Soares Guimarães, Daltinho Canabrava disseram-me mesmo: “Não vamos apoiar você como políticos que somos, vamos apoiar como nosso amigo, como um grande escritor que é, ser um orgulho para nós os curvelanos termos um escritor como você”. João sempre que entramos no assunto de cultura, ele diz: “É preciso que os políticos dêem uma chance à arte, os políticos vão, a arte, a cultura ficam”. Eu penso comigo mesmo: “È preciso ser responsável com a cultura, eu vou, a minha obra pode não ficar”.
A sua pergunta, Nilzo, é muito oportuna nesta conjuntura de nossa atualidade. A definição mesma, real, de escritor, o que ser escritor foi sendo perdida, para mim, nos últimos cinqüenta anos. É mister hoje tentar resgatar, recuperar o sentido, o significado, o “ser” do escritor. Publica-se um livro, sai-se arrotando importâncias, dizendo ser escritor. Ser escritor não é escrever livros. Sê-lo vai muito além disso. Está cheio disto aí, pessoas dizendo serem escritores por haverem publicado livros. Há um critério a ser analisado nas obras para serem literárias, para dizer se o autor é mesmo escritor, se apenas escreveu um livro. Isto deixou de ser analisado. Nos pequenos ensaios que escrevi sobre quem penso ser realmente escritores, Paulo César Carneiro Lopes, Marcos Antônio Alvarenga, você mesmo, Antônio Nilzo Duarte, deixei bem claro o “ser” de vocês como escritores. Responda-me sinceramente: José Sarney por acaso é escritor? Não é. No entanto, está lá sentado na Academia Brasileira de Letras. Não sei se você sabe, mas Martinho da Vila está sendo indicado para a Academia Brasileira de Letras – merecido, suas líricas são verdadeiramente poéticas, têm valores mesmo, mas, neste sentido, por que Chico Buarque de Holanda não é membro, por que Caetano Veloso não é membro? Ali, a política corre solta. Maitê Proença por acaso é escritora? Ela é atriz. Na mídia é considerada atriz e escritora. Paulo Coelho é escritor? Não, é um imbecilóide.
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Apesar de já haver sofrido transformações, você sabe que os curvelanos não são de ler, não se dá valor à cultura. Pergunte para se certificar de minha afirmação a alguém o que é ser escritor, ninguém vai ser capaz de responder a isto. Isto de o sentido, o significado, o “ser” do escritor nos últimos cinqüenta anos estar sendo perdido, abriu margem aos despautérios que estão acontecendo em nossa comunidade. Refiro-me à Academia Curvelana de Letras. Imortal quem não é escritor, isto é absurdo, despautério sem limites. Escritor quem escreveu livro(s) para satisfazer suas vaidades, isto é hipocrisia. Por que isto foi sendo possível ao longo de vinte e dois anos? Por que o curvelano não tem noção do que é isto ser escritor, por não dar valor à cultura, às artes. Numa conversa com Dr. Oídes Rodrigues da Silva Júnior dissera-me algo bem relevante: “isto é falta de cultura”. Se os curvelanos dessem valor à cultura, às artes, estas ervas daninhas não teriam nascido, não teriam espalhado pelos terrenos baldios da cultura. Não teriam permitido que estes homens estivessem numa academia. Aliás, quando o secretário de cultura recusou a doação de minha obra, na conversa disse-lhe que escrever um livro não é ser escritor, isto porque me citou nomes de quem havia publicado. Perguntou-me: “Mas em Curvelo existe este escritor que você está dizendo?”. Dei-lhe quatro nomes, incluso o meu, e nenhum de nós é membro de academia. As razões deles não importa dizê-las. A minha é esta, sou radicalmente contra este acinte à nossa cultura. Agora, tornou-se extremamente complicado capinar estas ervas daninhas, limpar o terreno baldio. É possível sim acabar com esta sem-vergonhice, é preciso muita luta. De minha parte, estou com os pés no chão, rasgo os verbos, denuncio mesmo, mostro o lugar deles não é em academia, encontrem o que lhes cabe. Estão montados na imortalidade de Lúcio Cardoso, citam o nome dele a todo momento. Onde estão os estudos, análises, interpretações de suas idéias, pensamento, de sua importância em nossa cultura. Isto é obrigação de uma academia, membros divulgarem através de trabalhos percucientes as obras dos imortais. Suplemento-literário é também responsabilidade de uma Academia. D. Ernestina em Cordisburgo publica textos de escritores no jornal E agora? Divulga de modo sério e real. Na Academia de Cordisburgo, há grandes trabalhos sobre Guimarães Rosa escritos por seus membros. Os membros da academia curvelana não têm condições, não têm cultura para isto, não têm sensibilidade artística, intelectual para escreverem sobre o pensamento de Lúcio Cardoso. Ali, a politicagem, politiquice, politiqueiros, politiquentos imperam em todas as escalas. Quando escrevem sobre alguém, é puro ufanismo, endeusar a obra, vangloriar o autor, satisfazer suas vaidades, puxar saco mesmo, amizade apenas, subjetivismo deslavado. A Academia Curvelana de Letras nada é para nossa cultura, nossas artes. Os escritores natos mesmo estão de fora. Sabem o que é isto ser escritor, sabem a responsabilidade de um escritor. Sinto-me realmente orgulhoso deles. Não são imortais, imortalidade é para quem é membro de academia. Mas são eternos, a eternidade é para os escritores natos, que é muito mais importante.
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Creio, Nilzo, que, com estas palavras, tenha respondido um pouco a sua pergunta. Gostaria aqui cordial e espiritualmente os seus apoios, reconhecimentos, considerações, sua amizade, carinho e amor que sempre me dedicou nas nossas relações, nestes dois de Razão. Digo-lhe, terminando: minha vida mesma é esta entrega absoluta à busca de contribuir com a nossa cultura e artes curvelanas. É a minha missão como escritor nato. Obrigado por tudo.
RIO DE JANEIRO(RJ), 19 DE FEVEREIRO DE 2021, 11:01 a.m.

 

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