VENTRE EM PASSE DE DANÇA GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: CRÍTICA LITERÁRIA @@@@



POST-SCRIPTUM
Lembra-me haver lido o poema de Santos José Gonçalves dia após a minha chegada a Cordisburgo, e fora visitar uma igreja, de cujo nome não me lembra, sentando-me num banco, tomando de minha agenda e manuscrevendo uma crítica ao seu poema O ESCULTOR. Era um esboço de crítica manuscrito. Levara uma hora e meia para manuscrever; assim que terminara, dirigi-me à residência de Santos José, lendo para ele esta crítica. Nossa! Ficou emocionadíssimo, dizendo-me: "Manoel, você entendeu com perfeição o meu poema. Muitíssimo bem escrita a sua crítica!" Prometi-lhe que, retornando a Diamantina, daria uns retoques nela para a publicação oficial, o que me dissera: "Se me der licença, Manoel, não acrescente, não reduza aqui e ali, não interfira em única palavra neste manuscrito seu. Publique deste modo, concorde você ou não! Mas a crítica é sua, não tenho direito de interferir." Respeitei o seu pedido, digitando ipsis litteris, tendo retornado a Diamantina, e publicado. Publiquei-a no tablóide E Agora? Não me respondera. Aquando retornei a Cordisburgo, pela segunda vez, ele me agradeceu emocionado pela crítica e por ter considerado o seu pedido.
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Tenho agora o imenso prazer e alegria de publicá-la nas minha páginas do Facebook, uma homenagem a este amigo e grande escritor cordisburguense. Com certeza, um dia retornarei a Cordisburgo em companhia de minha amada Esposa e Companheira das Artes, Graça Fontis, que também é escultora, esperando reencontrá-lo.
Manoel Ferreira Neto
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Caríssimo Santos José Gonçalves
Quisera eu, caríssimo Santos José Gonçalves, não o dom de escrever poema, não a agilidade de encontrar a sensibilidade das palavras, colocando-as nas devidas emoções e sentimentos, trans-cendendo-as, trans-formando-as em espiritualidade, e nesta traçando-lhe os enfeites e arrebiques, construindo-lhe a beleza, a estética, delineando-lhe e burilando o belo! Esse dom, talento não foram a mim doados para fazer poesia na sua forma e estrutura, faço-o na prosa, faço poesia na prosa, sou carente da racionalidade, análise, teses e antíteses, do pensamento e das idéias, da teoria e hipóteses Torno as palavras conceitos, paradigmas, categorias, a partir de uma das técnicas e metodologias de dividir as palavras, influência de uma das características do filósofo alemão Heidegger. Assim, encontro meios de criar os paradoxos, ambigüidades, dubiedades. No de-curso da criação, da re-criação, da literatização, ouvindo músicas, o ventre rea-liza seus passes de dança, danço no ritmo e musicalidade, arranjos, sinto-me uma bailarina passar no fundo da agulha, são passes e trejeitos esplendorosos, são artes e contorções do corpo.
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Desfrutando e re-fest-elando-me na leitura, nas palavras, emoções, sentimentos, intuições e percepções, de seu poema O escultor, seu desejo de viajar na arte da escultura, seguir ipsis litteris os gestos, atitudes, manuseio dos detalhes e pormenores, a agilidade das mãos, sentimentos, emoções, desejos, espiritualidade, sensibilidade que são inerentes ao trabalho do escultor, que se comungam e aderem-se às palavras, engravidando-as, você vai conhecendo o escultor por dentro, mergulhando nas suas entranhas e íntimo, conhecendo a arte que lhe habita o espírito e a alma, as pré-fundas das dores e sofrimentos, conflitos, traumas, neuroses, a pro-fundidade de suas esperanças e fé, suas vontades do “novo homem” tornando-se a arte da escultura, deixando-se-ser-escultura, deixando-se-ser-artista da forma e dos detalhes, do “novo homem” que é a beleza de suas atitudes, gestos, o belo de suas emoções, sentimentos, a estética de sua alma, espírito e íntimo.
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Somos viajantes por sempre estarmos enviados à viagem das vias de uma paisagem. O envio é o avio da Linguagem. Deixar a viagem ser este envio por todas as vias da paisagem é a poesia dos viajantes. Poesia não é um fazer. Nem o fazer do discurso nem o fazer da língua nem o fazer da gramática e suas transformações. É um deixar-se enviar pela Linguagem na viagem de uma paisagem.
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O escultor segura o “martelo/e a talhadeira”, começa o seu trabalho de esculpir a imagem que dentro de si se a-nunciou, se re-velou, tornou-se forma, e agora é torná-la real, esculturalizá-la, dar-lhe contornos e perspectivas, a sensibilidade, espiritualidade, sentimentos e emoções são inerentes em cada gesto e agilidade da mão, devem se apresentar em cada detalhe, é a arte de “humanizar” a arte, de ela ser retrato, não de ser só re-presentação do homem, da mulher, mas o ser deles, não de ser o objeto, a coisa, mas o ser deles. Para isso, Marcelo tem de “segurar bem a talhadeira”, tornar a mão ávida e grávida de arte, engravidá-la de intenções, querências, pro-jeções das dimensões sensíveis, pro-jetos das relações da vida com o mundo, as coisas, os objetos, passar para a talhadeira o que lhe perpassa dos desejos do belo, da beleza, da estética.
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Se, caríssimo Santos José Gonçalves, a intenção é de penetrar bem na sua escultura, faz-se mister ler nas (entre)-linhas e além-linhas a sua arte da poesia, o ser o poeta. No poema, são duas as dimensões da arte: a arte da escultura, que mostra e id-(ent)-ifica a poesia, o fazer poético, a arte da poesia, que id-(ent)-ifica as formas, perspectivas, ângulos e nuances da escultura, é a arte da escultura tornada poesia, é a escultura-poética. A arte da escultura é a poesia e a arte da poesia é a escultura.
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O poeta re-colhe o dis-curso na liberdade da paisagem. Para não en-colher-se na prosa de uma narrativa, escolhe a liberdade da poesia em que, re-colhendo o discurso, deixa a paisagem vir a si mesma na Linguagem. O poeta não ultrapassa, mas se recolhe no que escolhe. “Dê cortes certeiros/ em cima da moça/, que aos poucos/lhe esboça um sorriso ligeiro”. O escultor a-colhe no de-curso e per-curso da arte a criação das formas e arrebiques, aos poucos esboça-lhe o sorriso ligeiro.
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Esculpir a mulher que é a re-presentação da poesia, é a poesia, não é construir outro discurso ao lado ou além ou aquém das estruturas narrativas de uma gramática fundamental. Esculpir a mulher não é apenas revelar-lhe o rosto, os olhos que são o espelho da alma, a boca que é a imagem, o orifício por onde as palavras serão ditas, faladas. É também com “cortes certeiros” aflorar-lhe o busto, é definir-lhe os seios. Os olhos que são/foram o espelho da alma olham o “espaço/de um sol que se pôs/pelos montes morenos”. A mulher, que é a busca da poesia, da pureza, do belo, da beleza, descobre-se tão imersa no mistério da Linguagem que toda poesia, sendo a impossibilidade de falar sobre a Linguagem, a leva a sentir nesta impossibilidade a Linguagem de toda poesia. O poeta, que é a busca da sensibilidade, da espiritualidade, das emoções e sentimentos puros, da profundidade da alma, do que lhe habita profundo, descobre-se tão mergulhado no mistério da artificidade da palavra, o artífice do mistério, o artífice da criação e re-criação, o artífice do uni-verso poético e poiético, que a sua arte do sensível e do eterno, sendo o desejo de dizer, falar, escrever a essência, o eidos, o espírito, sente-se nesta criação a estética da vida.
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Mas a arte da escultura, do esculpir segue sua trajetória de criar a mulher por inteiro – construiu-lhe a face, o rosto, os olhos, o nariz, a boca, resta-lhe talhar a cintura, cintura que se essencializada de trejeitos, artifícios, dos movimentos simples, do mover-se com engenhosidade, dará agilidade às pernas e aos pés, os passos da dança se revelarão ágeis.
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Que a escultura do artista “seja uma deusa/da dança do ventre/em passe de dança” – não era a imagem que se revelou no íntimo do escultor, não era a sua vontade, desejo, intenção e pro-jeção o esculpir uma deusa? Essa deusa não construísse a sua arte da dança do ventre, de onde nasceriam os passes, e a beleza dos movimentos.
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Entre os japoneses, o ventre é o local da maturidade. Se um jovem é confiável, diz-se que ele é muito jovem, mas que já tem ventre. Por outro lado, se não é possível confiar em uma pessoa, mesmo que tenha uma certa idade, dizem que lhe falta o ventre.
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Nas esculturas romanas, o Cristo tem um ventre bem proeminente. O mesmo acontece com as esculturas das Virgens Romanas. Buda e Lao-Tsé são representados como um grande ventre. Isto não quer dizer que sejam grandes apreciadores de favas ou massas e sim que estão centrados no Universo.
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Ter ventre é ter centro. Este é o sentido do hara e, também, da prática das artes marciais. É o que se chama haraguei, a arte de fazer todas as coisas com o ventre.
Deixar-se-bailar “com jeito de fada/pisando na areia/, na beira de um mar/de maré bem mansa” é ser ela mesma no seu espírito de bailarina, é fazer todos os passes da dança, é fazer a arte de dançar com os passes maduros.
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“Tonreei-lhe as pernas/, saiba torneá-las/, fazê-las polidas/. E faça os joelhos/, que são como elos/ a unir duas jóias/de pérolas róseas/repletas de vida”. As pernas e as coxas são responsáveis pelo porte e pelo aspecto da pessoa, pela sua postura, sua maneira de apresentar-se, de conduzir-se, de caminhar. Donde a importância da firmeza e da leveza, ao mesmo tempo. É preciso, pois, observar como estamos em relação a nossas pernas, se temos pernas rígidas ou flexíveis, longas ou curtas. Todas estas relações entre pernas, joelhos e pés nos põem em contato com a nossa mãe interna. É através da nossa mãe interna, com a terra, com o nosso enraizamento na matéria.
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Encontramos, na tradição bíblica, o tema dos joelhos no Primeiro Livro dos Reis, quando Elias sobe na parte mais alta do Monte Carmelo. Ele se inclina profundamente, coloca o rosto entre seus joelhos e pede chuva para a terra. Porque a terra tornou-se seca de tanto sol. E as plantas e a vida estavam a ponto de serem destruídas. É a primeira postura de prece que se encontra nos escritos hebraicos. Então, colocar a cabeça entre os joelhos é pedir uma benção. É pedir ao céu que desça à terra. Inclinado sobre a terra, a fronte entre os joelhos... Algumas vezes em nossa vida, este gesto pode nos ajudar. Quando não temos palavras ou frases para rezar, para dizer de nossa angústia, de nossa secura.
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Tornear as pernas, fazer os joelhos, lendo O Escultor, seguindo os passos e traços do comentário, interpretação, análise, caríssimo Santos José Gonçalves, sua busca de poetisar a arte da escultura, esculturalizar a arte da poesia, é desejar, então, a harmonia, o equilíbrio, é tornar a arte da escultura a poesia e a arte da poesia a escultura, é real-izar a comunhão da poesia e da poiésis.
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Quando não temos palavras para dizer, falar, escrever sobre a arte da poesia, a arte da escultura, necessitamos de criar elos, estilo e linguagem de união, comunhão, a escultura e a poesia se tornem “jóias de pérolas róseas”, se tornem a pretensão do fazer a beleza, de criar o belo, e nisso fazer nascer do ventre a estética, e também a pretensão de não fazer a beleza, criar o belo, mas deixar-se-ser/viver-a-inspiração-do-belo-beleza-estética, é trans-cender a criatividade, a criatividade se espiritualize, humanize-se no espírito, no além, no uni-verso da palavra e da linguagem.
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“Dê vida aos cabelos/, pode cacheá-los/. Como musa na rede/, cabelos caídos/dormindo aos embalos”. Dar vida à imaginação, imaginário, intuição, percepção, sensibilidade, os cabelos da criação, da criatividade, da re-criação, é dormir nos embalos da espiritualização.
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Agora é parar, é terminar o que antes fora uma imagem que se revelou no espírito, e a vontade do poeta e do escultor fora a de torná-la arte, torná-la poesia, torná-la escultura. A escultura está perfeita e a perfeição da escultura revelou a poesia, a poesia esta perfeita e a perfeição de suas formas, detalhes, estratégias e arrebiques, perspectivas e enfeitas, revelou a escultura do espírito e a transcendência do sensível e do intuitivo, da espiritualidade e da inspiração.
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A deusa, a bailarina de ventre em passe de dança mudas, “imóveis, sem vícios”. Deixe-as-ser-assim, não é preciso dar-lhe a vida, a vida já lhe habita na arte, no de-curso e percurso da criação.
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Marcelo recolhe o martelo e a talhadeira, “sua talhadeira/recolha Marcelo”. E quem é Marcelo? Marcelo é o artífice da escultura e da poesia, e estas são o Marcelo, o artífice da arte e do espírito, ele é a VIDA. E você, caríssimo Santos José Gonçalves, quem é? É o poeta e o escultor do uni-verso do ESPÍRITO e da ESSÊNCIA de viver o belo, a beleza, a estética que são o desejo mais que profundo da ESPIRITUALIDADE.
RIO DE JANEIRO(RJ), 19 DE FEVEREIRO DE 2021, 13:46 p.m.

 

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