BULHUFAS ÀS CUCUIAS DO EFÊMERO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@


Ai, tudo é abismo!

Sonho – sente-se-lhe, vive-se-lhe por átimos de instante

Ação – galope no crepúsculo, levando cavalos

Para beberem água fresca no Rio São Nunca,

Desejo intenso – da solidão, do silêncio

Palavra! Digo-a na língua dos trinques.

Não a refuto. Não a recuso. É livre.

Sobre mim, num calafrio,

Cogito sentir da carência o vento vespertino

No bosque se estendendo

Ao longo de todos os espaços até às águas distantes do mar.

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Em volta, do alto da colina,

Embaixo, a profundura, o denso silêncio,

A lápide de mármore, epitáfio escrito,

Cujas palavras não me é dado lê-las

Em noites de sono leve,

Sinto estar desenhando numa tela

Pesadelo multiforme e denso

Na vidraça do ateliê, pingos de chuva deslizando.

Estremeço de medo do sono,

O subterrâneo que me esconde

Sombras, sombras e mais sombras

Nas paredes de lado e outro,

Sem haver luz que as projecte,

Do infinito, à janela,

Gozo fulcrais prazeres e alegrias.

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E o meu espírito:

O que é dele? Ébrio?

Afeito aos desvarios sem limites

Ao nada, sente ciúmes indizíveis

Das bulhufas do eterno,

Entrelaçadas às cucuias do efêmero,

Ao vazio, inveja a ausência de

Sensibilidade e a falta de calor.

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Não sou acaso nos braços de Orpheu

Falso acorde onírico

Graça à voraz irônica

Que me sacode e que me morde

Sou o espelho amaldiçoado

Que não pode mais

Refletir o inaudito e a mão crispada.

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Dir-se-ia que dança uma serpente

Do alto de um bastão

No sonho se oferecendo

Rumo ao firmamento

De gelos frementes.

RIO DE JANEIRO(RJ), 03 DE FEVEREIRO DE 2021, 11:52 a.m.

 


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