DA LINGUÍSTICA NO ABISMO DO INFERNO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA POÉTICA @@@


Pudesse eu criar, nas emoções, sentimentos,

sinfonia do universo,

ópera do horizonte,

serenata do in-finito,

vesperata a-temporal à lá Wagner

em notas suaves a inteirarem-se

nos liames da alma...

Quiçá dissesse em segredo a minha sabedoria,

A minha risonha, desperta sabedoria neste temporal,

Que escarnece de todos os mundos infinitos.

Engenho e arte a síntese delas em atos diferentes,

o nonsense e o simples em cena,

teatro do absurdo,

cinematografia do nonsense, hipocrisia,

angústias e tristezas abomináveis,

a contingência de mistérios, enigmas,

nos recônditos da inconsciência...

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Pudesse eu criar, nos sentimentos, uma ária de vida em partituras verdadeiras, num tom profundo, numa tonicidade real!... Oh, bem-aventurado silêncio que me envolve! Oh, como esse silêncio haure ar puro do peito profundo!... Por que ponte vai o hoje a caminho das sendas do futuro? Que força obriga o alto a descer até o baixo?

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Intros de pecções sublimes, circuns de pecções edênicas, quiçá, vislumbrando o nada que flana livre e solto na neve, performance de dançarino no sopro do vento, brincadeira inocente, (nada mais esplendoroso e mágico), por todo o inverno não será trapézio, trampolim, ponte para o In-finito, a neve cobre toda a trajetória, itinerário até lá. Quem sonha, cria e re-cria todas as utopias da liberdade em atingir este pampa santo do uni-verso, onde degustar as divin-idades do verbo e do ser, terá de esperar a primavera, à mercê das chamas da lareira, degustando um bom vinho francês ao estilo dos deuses em seus banquetes de felícias inomináveis, às voltas com a memória eivada de lembranças, saudações... quem dera o esquecimento, quem dera não mais re-colher e a-colher os acontecimentos! Aquilo que, outrora, era segredo e reserva de almas profundas, pertence, hoje, aos chocalheiros e outras espécies de aves de rapina.

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Encolheram-se até os instintos mais primevos. A chuva cai forte neste instante, de repente um raio seguido de trovão, um bêbado dá de fuça com o chão, saindo do botequim – não houve quem não olhasse: alfim, Prefeito da cidade; a esposa tomando o chá das cinco com as amigas, descrevendo a sua viagem a Paris, fazendo valer o título que lhe deram “Bonequinha Parisiense”, e ele enchendo a cara no botequim -, a messalina da esquina escondeu-se de por baixo da marquise, toda encolhida. A tarde estava muito escura, nuvens pretas, armava uma tempestade. Na escuridão, o tempo torna-se mais pesado do que na luz. Todo discurso é inútil. Não dei atenção a observar as coisas, a tempestade de imediato. Encolhi-me, o que nunca fiz na vida diante de raios, trovões, relâmpagos. Quando se começa a envelhecer, tudo modifica - é o que dizem as falácias: "É a idade..." ou “Depois de uma certa idade...” E eu escrevendo sobre o nada que flana livre e solto na neve, tempo de refestelar-se, exausto de tanto con-duzir as almas ao In-finito.

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Sei existir, em mim, o início de uma composição musical, mas a percuciência das palavras a se mostrarem nítidas, afasta a música e tudo é destilado.

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As palavras,

uma definição

contingente,

um conceito

metafísico...

Defronte de mim,

Todas as palavras e o

Escrínio de palavras do ser:

Todo o ser quer tornar-se palavra,

Todo o devir quer que eu lhe ensine a falar.

Com silenciadas verdades, mão de louco,

Coração enlouquecido,

Rico em pequenas mentiras de compaixão,

A compaixão torna abafado o ar

Para todas as almas livres

- assim sempre vivi entre os homens,

dizendo-me com todos os orgulhos e vaidades:

“Inocente de sua pequenez

É todo o ser pequeno.”

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Estou tão estupidificado com o raio seguido de trovão, as palavras, tremelicando, escafederam-se, só a pena desliza no papel, a mão segue-lhe solícita e compassiva.

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Não mais qualquer trovão, relâmpago, a chuva apenas caindo; aliás, diminuiu bastante. Por que o raio seguido de trovão justamente quando escrevia sobre o nada flanando na neve, livre e solto? Sei a resposta: as con-tingências da vida ainda mais pujantes e eu com a minha poesia. Só não digo que não existe no mundo ser mais alienado que o poeta, porque penso em Goethe, Fernando Pessoa, Ana Júlia Machado, Carlos Drummond de Andrade. Não foi somente eu quem se assustou com o fenômeno, o bêbado deu com as fuças na calçada, amanhã estará sentado na sua cadeira de balanço na Prefeitura, recitando a sua política pobre de espírito.

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Perdi o rumo das coisas. A pena segue delineando caracteres nas linhas da página, nada sei do que é registrado. Levanto a cabeça um pouco: alguns clientes observam-me, chove, um raio ensurdecedor, e continuo com a pena deslizando na linha da página. "Só um louco!..."

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Raio seguido de trovão: que estardalhaço! Se Mefistófeles ouviu, com certeza chafurdou-se nalgum cubículo do inferno. Os meus instintos se encolheram.

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O coração pulsando vazio, vago, no interior do peito e uma tristeza enorme na alma, quase um pensamento.

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Mantenho-me num silêncio infeliz e dissolvo-me absolutamente no interior.

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A mão direita treme de delíquio.

Os dedos retesam-me fáceis,

recusam o estilo, a forma,

negligenciam o sentido.

A perna esquerda cruzada

De por baixo da mesa,

À lá Fernando Pessoa,

Quiçá um estilo de ironia,

Até no corpo deverão estar

presentes o contrário,

a dialéctica, o nonsense.

Os olhos dispersam-se no universo das palavras.

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Sentia-me em estado de êxtase com o nada flanando livre e solto na neve, escreveria algo além de todas as inspirações, e vem o raio seguido de trovão, tirando-me a iluminação. Seria, oh deuses suntuosos, com o nada flanando livre e solto na neve, o ideal promíscuo do mundo, da terra-mãe, estimando o livre arbítrio da vida ser maravilhosa, tudo pode ser leveza na língua das utopias vadias... tudo pode ser amplitude de visão na língua das matragas vagabundas... Tudo pode ser... tudo pode ser. Até debaixo do oceano o nada mergulha profuso. Por mais talentos e dons habitem-me, por mais a inspiração transcenda todos os limites, inda assim não serei capaz de recuperar, resgatar a idéia do nada flanando na neve. Tudo o que a pena registrou desde o fenômeno sentido algum tem, nonsense deslavado.

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Longe de mim ser profeta de minha vida. Tudo se esfrangalha em palavras, caso ouse pronunciar alguma profecia. Tudo é rijo demais para o próprio tempo e seus caninos. Início de Quaresma e um fenômeno natural deste acontece, desvirtuando minhas idéias, encolhendo os meus instintos! "Deus, oh Deus, perdoai-me as sátiras, ironias, cinismos, sarcasmos, as urticárias das poéticas hodiernas. Prometo que de agora em diante serei adepto e fiel a todos os dogmas e preceitos da Igreja, a todas as indecências da poesia: não se deve revolver o lodo. Deve-se viver nos picos”

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Só com um fenômeno assim no início de Quaresma para me fazer prometer fidelidade aos dogmas e preceitos da Igreja. Melhor isto que dividido ao meio por um raio, ainda sob as pornéias dos presentes: "Vivia dividindo as palavras na contramão das regras gramaticais. Está ai dividido ao meio por um raio, a alma fazendo companhia aos insurrectos e hereges da linguística no abismo do inferno". O que é a criatividade das pessoas: "abismo do inferno", e tais criatividades só no momento de trágicos acontecimentos.

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A chuva passou. A tarde está agradável. A messalina da esquina já se pousou toda para a espera de algum cliente. Resta-me ir embora para casa, deitar-me, dormir. Quem sabe amanhã a iluminação seja inda mais divina: a neblina flane no nada e este se sinta mais regozijado, o friozinho perpassando-lhe as pers dos "stícios-inter", quê sensações deliciosas!...

RIO DE JANEIRO(RJ), 14 DE FEVEREIRO DE 2021, 10:35 a.m.

 


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