RIO SEM MARGENS E SEM PRESSA GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@



EPÍGRAFE:
A poesia das origens fugiu dos livros,
Agora a verdade da vida
Está nas linhas:
A origem faço-a no “rio sem margens, sem pressa,
Ao longo de janeiros até à consumação dos tempos.”
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Antigas, imemoriais páginas íntimas
De últimos vácuos...
Últimos vácuos?
O que endossa essa idéia de mais não haver vácuo?
Nada fácil excluí-lo vez por todas.
Melancolia do ser, nostalgia do não ser
Apavoram-me com a sensação de conhecer-me
- conheço-me? Sei de mim?
a quem intencionaria enganar com uma afirmação neste nível?
A mim não é! –
E não ser eu que me habita os interstícios da alma.
Ser deserto imenso,
Ser abismo profuso,
Onde nem mesmo eu me encontro,
Onde nem mesmo eu estou,
Se é que me encontrei nalgum,
Se é que estive nalgum.
Devaneei perdido por terras e mundos
Sem nada construir
Apenas a certeza de que a areia
Da ampulheta continuava passando,
A vida com ela.
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Longas saudades e misérias tantas
Apagaram-me da vida
A sombra deliciosa e amiga
Da árvore frondosa
Que me restabelecia das intempéries,
Árvore imaginária,
No murmurar dos rios
Em cujas margens buscava consolo
Ou nos sibilos de entre serras
Ou nos suspiros do noturno vento,
Quanta vez me senti irreal,
Trans-mudado em sentimentos de não,
As angústias e desesperanças tantas
Iluminavam de trevas os verbos da solidão.
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Esqueceu-me a mim nos devaneios
Por terras e mundos
A vida, entretanto, não me esquecera,
Reservara-me um lugar,
Nele, realizasse o sonho esquecido,
O sonho era eu próprio, o ser de mim mesmo.
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No pesadelo desta madrugada,
Retorno às origens.
O cemitério estava aos escombros,
Os restos mortais foram transferidos para outro lugar,
O grupo escolar, onde estudara, estava aos escombros,
A cidade inteira aos destroços.
Nada mais existia para mim.
Encontrei-me com um mecânico,
O único encontro,
Após um bate-boca,
Disse-lhe: “Não preciso de você.
De ninguém preciso neste lugar,
Se é que restou alguém.”
Termina o pesadelo dentro de uma caravana.
Vi o que desejava: a cidade acabada.
Os frutos das mãos fazem a vida ou a morte.
Desta cidade fizeram a morte.
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Ventos varreram campos e ruas perdidas,
As selvas estremeceram.
Nada me faltava porque nada era.
Nada falta à flor porque o ser nela é.
A natureza, lauda eterna de fulgor,
De movimento.
Dentro em mim, outro abismo.
Não via a luz de outro sol,
Não vislumbrava o universo inteiro,
O horizonte absoluto,
A minha alma em trevas soluçava
Chorava perdida seus desejos fracassados,
Suas vontades frustradas,
De suas longas solidões,
Ouvia-se-lhes o grito estridente, exausto de fadiga.
Nenhuma palavra a língua proferia.
Nada os olhos viam.
Dores e sofrimentos amplos resumiam a vida
À carne, a herança de minha miséria,
Aos ossos, o tempo que tudo transforma em cinzas,
Ao sangue, que percorre as veias,
Os coágulos mortais,
Despidos de vida ultrajam o coração sofrido,
Dilacerado de ressentimentos e mágoas.
Sim, cabe ao homem verter lágrimas de louvores,
Por suas origens tornadas cinzas,
Pela fraterna melodia do ser e do nada,
Esta seria o prazer dos ouvidos,
Através dela, a felicidade do espírito, da alma,
O Ser e o Nada, o ritmo da liberdade e consciência.
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À sombra do sepulcro, a derradeira prece,
Prece de cânticos e salmos
Inscritos nas páginas de um evangelho
Frio e conspícuo,
A vida esvaiu-se, nada restou.
Na lápide de mármore, o epitáfio em letras miúdas
É ode ao nada,
É soneto ao vazio,
É louvor à morte,
Mero sonho de verbos a vida fora.
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Das angústias e desolações mais lascivas,
As quimeras mais latentes,
As fantasias mais vivas,
De mais febre e de mais ardor
De sentir bem fundo as chamas do amor.
Toda a ardente ebriedade
Dos meus reais pensamentos,
Verdadeiras idéias e utopias,
De meus singulares ideais e projectos
Nada disso gozei neste mundo.
Nada disso tive o prazer de sentir presente e forte.
Fui restos perdidos ao longo de alamedas e avenidas,
Retalhos de sentimentos espalhados no peito.
Fui folha morta e seca
Que o tempo esqueceu no canteiro do jardim.
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Havia de enterrar em cova bem funda
As origens, família, conhecidos,
Amigos tive-os poucos, mui poucos.
Por que recusava fazê-lo?
Nada havia que me ligasse a elas,
Nada havia de mim nelas.
Era um só.
A poesia das origens fugiu dos livros,
Agora a verdade da vida
Está nas linhas:
“A origem faço-a no “rio sem margens, sem pressa,
Ao longo de janeiros até à consumação dos tempos.”
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A existência, frívolo combate sem eiras e beiras,
Eterno ansiar por sentimentos que os ventos levam,
O tempo espalha nos quatro cantos,
Flor que resvala ao mar,
Pétalas que as águas deslizam
E levam rio abaixo,
Pelejas sem fulgor,
Lutas sem ímpetos,
Vitórias sem conquistas,
Conquistas sem júbilos ou louvores.
Por que algemar as mãos a origens,
Se as esquecer é a luz da liberdade de existir?
Compreender o que compreendia levara tempo,
Mister a coragem para assumir.
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Minh´alma, hoje,
Sem origens, um ser só,
Construindo a verdadeira origem,
Alegre e tranqüila, feliz e contente,
Com o amor na alma, no espírito,
Atravessa vales, bosques, florestas e mares,
Esqueceu o sertão, tornou-se cinzas,
No cimo de montanha longínqua
Contempla no crepúsculo
O sol se recolhendo no infinito
E, sonhando a aurora de novo dia,
Na noite silenciosa e fria,
Maioria do tempo quente, calor de quarenta graus
Até mais que isto,
Sente fundo o ser anunciando
Os albores da felicidade, os “júvilos” da alegria,
Que o “rio sem margens, sem pressa”
Revela ao longo de sua jornada.
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Vejo a luz na luz da estrela peregrina,
Pisca-pisca de luz dos vagalumes,
Ouço o coaxar dos sapos à beira das lagoas, ilhas.
O cheiro aspiro na orquídea branca do Bosque das Estrelas.
Na névoa da manhã a nublar o mar,
O doce alento, a suave carícia.
No canto da sereia a melodia da vida
Não apenas à luz da maresia,
Do perfume da rosa branca,
Ou do alento ou do canto da sereia,
Encontro, sinto profundo o nada,
E do mundo que vislumbro
À soleira do “rio sem margens, sem pressa”
O vazio solene e puro.
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Morrer é fácil.
Tornar-se cinza inda mais.
O passado é esquecido,
Especialmente as condutas espúrias, as posturas viperinas.
Ninguém cala-me.
Não negocio com conspiradores da Cultura,
Moral e ética que desfiguram virtudes, valores,
Hipocrisia, farsa e falsidade
Que desvirtuam os princípios da família tradicional.
O homem é sempre responsável pela Verdade da História.
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As garras das conseqüências
Não me perturbam na vigília ou sono.
Não choro ou espero sonhos
Reais ou oníricos que reconheçam
A atitude, a ação da Verdade dita aos ventos do mundo
Que a sarapalhará sem piedade por todos os recantos
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A livre amplitude de visão da língua
Ilumine de verbos a imagem do Ser
Espelhado no vazio, na História.
Companheiros de trilhas não tiveram coragem,
Joaquim Lúcio Cardoso, Zuzu Angel, Marcos Lemos,
Muitos outros, os homens de valores, intelectuais,
De rasgar os verbos, identificá-los a critério,
Tive-a eu.
A Verdade seja restituída aos homens.
Sou um só! Tiro o chapéu para mim mesmo!
RIO DE JANEIRO(RJ), 21 DE FEVEREIRO DE 2021, 12:22 p.m.

 

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