CORDIS-BURGO DE SARAPALHA E LUZES GRAÇA FONTIS: FOTO(ARQUIVO) Manoel Ferreira Neto: PROSA @@@@




"Vorta, cavalo", é uma fala sobremodo usada em Cordisburgo que significa A "vorta do cavalo" proporciona reviver os sentimentos, emoções. Sinceramente dizendo, "vortasse o meu cavalo" à minha visita a Cordisburgo, a esse barzinho(foto) SARAPALHA, não me seria dado escrever um texto como este - toda obra tem seu tempo de produção. Meu cavalo "vortou" na leitura da obra, senti profundo as lembranças, recordações.
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EPÍGRAFE:

“... o rio – que não tem pressa e não tem margens, porque cresce num dia mas leva mais de mês para minguar...”
(JOÃO GUIMARÃES ROSA – SARAPALHA)

Para João Guimarães Rosa...
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Luzes, palavras e a imagem...
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Cordisburgo, terra de Guimarães, terra de homens simples, humildes, de sentimentos verdadeiros, de emoções vividas no íntimo de seus sonhos e utopias, o desejo de beleza, de poesia, de travessia e liberdade, de nonada e espiritualidade, de amor bem sentido em suas almas e utopias, de fé e esperança na transcendência, no espírito, na alma de lembranças e recordações de ontem, de ant´ontem, de perspectivas do futuro de estradas e campos. Cordisburgo, a estrela maior de nosso sertão mineiro, crepúsculo lindo, maravilhoso, o cheirinho de simplicidade, de humanidade, de aquéns-em-aléns de sofrimento e buscas.
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Eternidade? Você, querido amigo, tem alguma notícia de Guimarães, sabe por onde ele anda, em que lugar de nosso sertão ele está dando um passeio, perambulando pelo campo a ouvir o canto dos pássaros, a ver as reses pastando, a con-templar às águas que descem os rios, a relembrar causos e cantorias, abrindo caminhos, abrindo veredas, descansando todos os seus desejos de imortalizar a sua terra? - gostaria de encontrá-lo, tenho muito que conversar com ele, tenho que conhecer as veredas, os caminhos de seus desejos e vontades, a sua fé inestimável na vida, no rio que corre sem margens, sem pressa, na esperança deste pedacinho de terra seja a Estrela Polar do Sertão, seja a estrela-guia de nonada à travessia, que ilumine todos os homens e todos os casais que se encostam no parapeito da janela e con-templam as estrelas e a lua, sonham e fantasiam o amor, o encontro dos sentimentos, na imaginação uma cartinha d´amor para quem amam e desejam estar ao lado, falar de suas emoções, quimeras, con-tando nas histórias de seus dias as fantasias e quimeras tantas.
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“Vorta, cavalo”, eu gostaria de sentir todas as emoções que perpassaram o meu íntimo, de ir até no rabo da palavra para me ser este instante, quando o “Sertaneja”, em que estava eu, ansioso por chegar, ver com os meus olhos a magnitude desta terra linda e maravilhosa, sentir com o meu coração o resplendor deste mundo de poesia e querências, deste lugarzinho tão reconfortante, deste mundo de esperanças e poesia. Quero guardar na minha memória a Cordisburgo de Sarapalha de Luzes. Quero por toda a minha vida olhar os horizontes, uni-versos e infinitos do mundo e lembrar-me desta terra de cultura, de artes, dos sentimentos e emoções que me perpassaram, aquela dimensão de amor e carinho, que identifica quem sofre e tem dores, e acaba sendo irônico com a vida, e o grande homem destas terras nos ensinou em poucas palavras a termos cor-agem de viver, sentir dores, sonhar com a beleza da vida, criar utopias de prazer, felicidade, alegrias.
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Alguns me disseram que não sabiam em que lugar estaria Guimarães, estavam necessitando de sabê-lo, careciam fazê-lo, e eu me senti realmente entristecido por visitar esta terra e não me encontrar com ele, abraçá-lo com fervor. Voltasse noutra oportunidade, talvez me encontrasse com ele em companhia de Manuelzão, comendo uma apetitosa feijoada ou carne de sol com mandioca – Aleluia! Aleluia!
@@@ Carne na panela, farinha na cuia! - no Restaurante-Bar Sarapalha, lembrando da viagem com a boiada pelas veredas do sertão até a fazenda São Francisco, chegasse e me apresentasse, seria muito bem recebido, não por ser também escritor, mas por ele amar e divertir-se com trocas de dedos de prosa, às vezes anotando em seu caderninho algumas palavras minhas, atravessaríamos a noite, eivada de “causos”, de risos e gargalhadas, de imaginações e criações, de desejos e vontades as mais diversas. Iria amar a presença dele, jamais me esqueceria de seus modos e estilos simples, de sentimentos e emoções muito além da razão, muito além dos instintos, muito além das divinidades e esperanças da vida e do espírito, e nunca me esqueceria dele, a cada instante iria desejar e ansiar novo encontro, novos dedos de prosa, novas esperanças, novas travessias. Disso eu sabia, disso tinha consciência, mas com as palavras deste alguém as lembranças foram maiores, infinitas. Em meu jegue, junto com os cavaleiros, atravessei o portal, lá me vou para a grande viagem sertão a fora.
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O caminho é feito de buscas de conhecimento, de sabedoria, de ser e não-ser.
De conhecimento e buscas de conhecimento, caminhos de ser e não-ser,
Caminhos de mistérios, de enigmas, de magias e resplandecências,
De querências de luzes e verbos, de imagens, de corpos e de bailes.
Ser e não-ser,
Travessias de não, travessias de sim, travessias de amor e plenitude
Portais da vida, portais de desejos e vontades,
Portais de quês e porquês, de nos porquês os quês de sim e não,
De nos quês as redes brancas balançando ao ritmo do agora e do amanhã,
Transpor-lhes, seguir a caminhada sem destino,
Entregue inteiro ao tempo, às situações e circunstâncias,
Às descobertas, aos medos do desconhecido,
Aos encontros, aos desencontros da felicidade e liberdade,
Das vozes da noite, das vozes dos outros atrás da vida contingente,
Lendas, superstições, causos do além, causos do demo,
Causos das ruas, casos da floresta íngreme, das várzeas,
À mercê da vida que se descobre, que se registra nas linhas
De páginas brancas, e que serão a vida, serão o ser
De outros horizontes e uni-versos futuros,
Eternos e imortais.
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Cordis-burgo de Sarapalha e Luzes.

Luzes indicam as veredas deste sertão, por onde trilhar, dar passos em busca do portal, travessia da razão ao espírito, travessia dos medos – “É preciso ter coragem, Diadorim” – à coragem de sentir no íntimo os sentimentos puros e frescos da paz e do amor, travessia da contingência à espiritualidade, de nonada à travessia, no enredo das histórias e da poesia, nas entre-linhas dos sentimentos e dos desejos de liberdade; luzes mostram os caminhos para o infinito, para o horizonte e uni-versos, confins do mundo e da vida, arribas do eterno e infinito.
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É noite! Os homens se reúnem em seus lares, contam casos, falam de Diadorim e Riobaldo, dos Miguilins interpretando para os turistas as histórias de Guimarães, que tanto encantam e embelezam a vida, que tanto tocam e re-tocam os versos de sonhos e verbos do ser, falam dos cavaleiros-jagunços que desbravavam o sertão com os mais sublimes sentimentos de amor, de conhecer o novo, o maravilhoso, o esplendido, falam de suas vidas, problemas, dúvidas, sonhos e utopias, desejam o encontro do sublime, do amor e da paz; reúnem-se nos bares e restaurantes, jogam conversas fora, riem, divertem-se, olham o mundo de esguelha, de soslaio, e agradecem por suas existências, pelas dádivas das artes e cultura, doadas sensivelmente por Guimarães, entregues em mãos para transformá-las em esperanças e fé.
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Olho a cidade e as luzes, não sei dizer tudo o que sinto, tudo que me perpassa o íntimo, tudo o que me aperta o peito, desejando se libertar, enquanto, reunido com um casal e um cronista, tomamos uma cerveja, jogamos palavras fora, desejamos esvaziar-nos de todo para que possamos sentir verdadeiramente a noite de Cordisburgo de Sarapalha de Luzes. A vontade de mergulharmos profundamente na alma e espírito cordisburguenses, sabermos de sua essência, vivências e experiências, saudades, melancolias e nostalgias, vivermos de suas estrelas e lua, de seu sol, seu dia aberto e transparente, sua madrugada fresca e serena, sermos o “ser” deste pedacinho de terra, sermos a esperança e fé de Deus devagarinho, depressa.
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Estou, em verdade, sem palavras, as idéias fugiram para o campo, foram em busca de inspiração, de outras expressões da verdade, de outros estilos de fala e sentimentos, do eterno, dos valores e virtudes profundos. Não me resta alternativa senão ouvir os amigos conversando, falando de si mesmos, falando da vida, de alguns pequenos casos, da fala “Vorta, cavalo”, que todos usam aqui para dizer que desejam sentir tudo o que sentiram antes.
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Ser vida, ser luz, ser estrelas de veredas e caminhos, de sertão e montanhas, de portal e várzeas. Homens que sentem nonadas, que olham de frente a travessia, que desejam e esperam as sarapalhas de rios sem pressa, sem margens, que seguem, abrindo caminhos. Homens-nonadas, homens-sarapalhas, homens-miguilins, homens-augusto-matraga, nas terras de sertões de esperanças, nas ruas e becos imagens e letras de Guimarães, querem a serenidade e tranqüilidade, desejam a paz e o amor, têm vontades de fé e realizações, pensam e repensam os crepúsculos passados, as manhãs que hão de vir, aquele ventinho sereno, e na serenidade de seus sentimentos o amor nascendo e re-nascendo, eivado de sarapalhas, de luzes e palavras, de imagens e signos, de perspectivas e significados, de ângulos e significantes.
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Cordis-burgo de sarapalhas e luzes, de buscas e sonhos.

A terra, o homem, a ressurreição, a redenção! As utopias no coração, os sonhos de ser, de brilhar, resplandecer, de viver, de a vida ser travessias de sarapalhas de luzes, de as sarapalhas serem o real que não está nem na saída nem na chegada: “... ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. O coração pulsando de alegrias, felicidades, a certeza de que nestas terras cordiburguenses a morte não ec-siste, todos são eternos, nasceram póstumos de letras, nasceram pósteros de vida, a ec-sistência lhes é quotidiana, a vida lhes é o aqui-de-aléns-amanhã.
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Amor, sentimentos de carinho e ternura no brilho dos olhares, nas fisionomias e rostos a sublimidade, a entrega ao outro, a felicidade de receber o mundo inteiro para uma visita ao Museu Guimarães Rosa, as ruas repletas de frases de livros do grande e imortal escritor, nos interstícios da alma aquele sorriso de prazer, lágrimas descendo as bordas de todas as esperanças, as mãos postas aos horizontes e infinitos, uma homenagem à vida, um tributo às travessias, uma odisséia às nonadas, epopéia às travessias, uma dedicatória a todas as utopias que encantaram e embelezaram a vida do mundo inteiro, bailaram todos os corpos ao ritmo e melodia do uni-verso e infinito da vida, de cada homem no seu íntimo, de cada alma nos seus desejos todos de hora e vez, que mostraram a todos a fé e as esperanças, a crença noutras realidades que todos vivemos no quotidiano de nossa modernidade e atualidade, a certeza de a noite precede o dia, o dia precede a noite, a morte precede a vida, a vida precede a morte, e nesta imagem seguem as sarapalhas cordiburguenses, seguem as luzes que se perdem nos raios de sol quente, de cozinhar os miolos, se perdem nas esquinas, nos becos, se perdem no fim do dia, no início da noite, na madrugada de luzes e escuridão, no coração de ilusões e fantasias, fogem, passeiam, deambulam, vagueiam por todos os cantos do universo, e voltam em linguagem e estilo de outras emoções, em versos e estrofes de outras idéias, sensações, outros desejos e vontades, outras nonadas e travessias.
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Vós me escutais, Cordisburgo! Vós sabeis o que me perpassa os interstícios de minha alma. Vós sabeis que as lembranças de minha vida nestas terras por alguns dias se guardarão em trechos di-versos, em imagens re-versas, cada uma com seu signo e sentimento, uns com os outros, digo-vos, enquanto observo umas letras na parede, uns com os outros nem se misturam. Se não vos digo com transparência e nitidez, é que os êxtases e volúpias me tomaram por inteiro, deixaram-me sem palavras, sem expressões, sem linguagens re-versas, sou apenas sensibilidade e espiritualidade, sou apenas sentimentos e emoções, acredito que atravessei o “portal” do grande sertão, e ainda enviei um “adeus” aos cavaleiros, gritando-lhes que no futuro estarei de volta, e todos enviam-me acenos e riem, Riobaldo e Diadorim entre-olham-se, e entre-olhares esperam o meu retorno. Vou andando, sem caminhar não sou é nada, sem deixar as marcas de meus passos não sou homem, nem sou nonada. Difícil, não? Às vezes, o incólume desejo de re-festelar, de apenas olhar para as coisas, de con-templá-las, de sentir-me livre, de com nada me ocupar, deixar tudo rolar na roda-viva das contradições e ambigüidades, na roda-viva de portais e travessias, na roda-viva dos medos e cor-agens, mas essa não é a minha índole, necessito fazer, construir, criar e recriar, para que sinta real e presente o ser que me habita. Às vezes, penso estou necessitado de descansar, di-vertir-me, fica só no pensamento, entrego-me à feitura de outros projetos, o fôlego é inesgotável. Se me sinto realizado? Não diria que sim, não diria que não. Digo que ainda há muito o que fazer, estou apenas começando, iniciando a aprendizagem de trocar passos, engatinho-me, há muitas travessias ao longo de minhas veredas, há nonadas em todos os portais por onde estarei atravessando, é continuar seguindo, é continuar deambulando pelos sertões de minhas querências e imaginações, é continuar andando por todos os caminhos, o desconhecido fascina-me, desejo o seu encontro, desejo nele perder-me inteiro, desejo inteiro encontrar-me nos vais-e-vens de todos os ventos e poeiras, que a boiada vai deixando para trás.
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Sarapalha de luzes, palavras e a imagem...
Imagem que se multiplica e se “re-veste” de outras perspectivas, de outros avessos, e mostra a face re-versa de sentidos e significados, os olhos avessos de signos e sentidos, do ser que se esconde nas quinas dos portais, se revela no parapeito de janelas, criaturas observam o deserto das ruas, nem uma alma viva as atravessa, andam em suas calçadas, Cordisburgo dorme, recupera-se das labutas em busca do pão de cada dia, em busca da aurora e sinfonia de pássaros, do crepúsculo de amores em busca das fantasias do perfeito e do que há-de vir, em busca da compreensão das letras espalhadas por todos os cantos e recantos, amanhã será novo dia, novas nonadas, novas travessias, novos portais se abrirão e novos infinitos se mostrarão plenos e resplandecidos pelos desejos e vontades de amor, do verbo, far-se-á carne, nas veias o sangue correrá livre, a vida sendo, sendo vida as quimeras e fantasias, sendo vida as dores e sofrimentos.
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Sentimentos, emoções em sarapalhas de versos e prosas, sarapalhas de sentimentos em verbos e sonhos, nas luzes de esperança e fé. Digo, não digo, deixo no ar. Falo, não falo, deixo silêncio. A sede de re-velação, em poucas palavras o ser, em poucos sentidos as nonadas, travessia de palavras, travessia de estrelas e constelações, travessia de ternuras, amores feitos e refeitos na certeza da posteridade, na convicção da imortalidade, esperanças vivas e esperanças que se a-nunciam no desejo da plenitude e do sublime, na fé do paraíso celestial.
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Meu Deus, o que é isto - não morrer? Décadas, séculos e milênios, passam, repassam, e nada é o mesmo, tédio, fastio não ec-sistem, dores e sofrimentos prolongam-se, eivados de esperanças e fé. Cordisburgo, prefiro ser mortal, prefiro morrer, tornar-me cinzas, tornar-me lembranças e recordações de em suas ruas e avenidas haver passado, haver deixado os meus passos, haver fotografado suas imagens e belezas, haver querido e desejado outros horizontes e infinitos, haver vislumbrado as faces trazendo em si o brilho de outras auroras e crepúsculos. Quem teme a morte, não a aceita, não a admite, deveria saber o que é isto nascer eterno, o que é isto ser palavras em todas as prosas, em todos os versos, ser travessias e portais, como você, Cordisburgo, o sabe, a graça de um homem tornou vida eterna o que era apenas a-núncio de outras diferenças, de outros outros, e você nem mesmo pode pedir-lhe que não o faça, deixe-lhe o portal do sertão aberto para você atravessar e descansar da lida de todos os dias, meses, anos, décadas, séculos e milênios, que única e ecs-clusivamente lhe desperte as esperanças e a fé, sua carência era isto, mas a vida sem fim não tem fim, sem travessias não tem destinos, sem nonadas não há querências, é preciso morrer, é preciso tornar-se pó.
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Sou feliz, sinto-me realizado com buscar e desejar o outro de mim, em dedicar-lhe estas palavras que são escritas no limite entre o portal e os horizontes que se mostram ao longe, que perpassam os infinitos, bailando à mercê das nuvens brancas e azuis, dançando à revelia das estrelas e da lua. Esqueça-me amanhã, lembre-se de mim depois de amanhã, finja conhecer-me no futuro, viva a minha presença na eternidade. Deixe as minhas cinzas misturadas à terra. A imortalidade não a quero, não a desejo, jamais tive desejo de vivenciá-la, o que mesmo quis foi o “ser” de mim, tecê-lo com toda a sensibilidade de minha alma e espírito, desenhar-lhe a imagem nas letras que figuram na página, traçar-lhe os símbolos nos caracteres que pró-duzo dos liames do eterno e efêmero, identificar-me com seriedade e dignidade, ainda continuo buscando, ainda continuo procurando fazê-lo e constituí-lo através de luzes, sarapalhas e travessias.
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Olho e contemplo as frases escritas nas paredes deste Restaurante Sarapalha – fotografei-as para me não esquecer de seus detalhes e nuanças de letras e poesia -, os desenhos inspirados na obra do grande escritor, perguntando-me entre a surpresa e as alegrias, entre a angústia e as felicidades que me habitam: “Quem sou neste momento?” Sou Cordisburgo de Sarapalhas de Luzes, enquanto sinto o que me habita, enquanto tento traçar as linhas de meus sentimentos, enquanto sonho as estrelas e a lua, enquanto con-templo o brilho de ambas, enquanto observo os clientes, conversando, rindo, contando os seus “causos”, alguns do quotidiano, do folk-lore, inspirados na obra roseana, terra de causos, terra de lendas e mitos, terra de deuses.
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O contador de histórias, um Miguilim, José MG, alegre e simpático, conta uma estória, que, aliás, fora ele quem escrevera, a estória de Antônio Muié, cego, que vaga pelas ruas da cidade. A mulher o abandonou, deu-lhe um chá para dormir, e fugira, jamais aparecera. E Antônio Muié, pelas ruas perguntando se alguém vira a sua mulher, e por isso recebeu o cognome de Antônio Muié, que sempre detestou. Ouço-lhe, imagino o cego desesperado, angustiado, perambulando pelas ruas e avenidas cordisburguenses, desejando encontrar a mulher, ainda esperançoso, mas impossível, não se tem notícias dela, ninguém sabe para onde foi.
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Quem sou? Sou sarapalha de luzes, sou sarapalha de sonhos, sou sarapalha de desejos do sublime, do esplendido, sou sarapalha de verdades, sou sarapalha nas imagens de margens outras, ec-sisto devagarinho, depressa nestas linhas, neste momento, amanhã serei o quê? Não saberia dizê-lo, o que me importa fazê-lo?, importante é este instante presente, este instante em que “sarapalho a arte, a cultura cordisburguenses”, sou o que não sou e não sou o que sou, desejos nascendo e re-nascendo simples, humildes, vontades do pleno e absoluto, quimeras de Riobaldo e Diadorim pelo sertão, fantasias de estar montado num cavalo, tocando o gado, ao lado de Guimarães Rosa, trocando com ele dedos de prosa, olhando-o a anotar em seu caderninho as coisas para o seu romance, viagem feita justamente com esta intenção.
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A noite já vai alta, tempo de me recolher, de descansar, de dormir, começar amanhã as veredas das relações literárias, conhecer outras pessoas, alimentar-me, regar a alma e espírito da alma roseana, despertar-me para a passagem, travessia da contingência ao espírito, transpor o Portal do Grande Sertão. Também sou sertanejo, mas ainda não tive a cor-agem de transpor o portal, quem sabe por ser bem arraigado à nossa cultura, às nossas artes, aos nossos princípios.
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Vou-me embora. Ando pela rua, sentindo-me feliz, realizado, êxtases e volúpias atravessam as sarapalhas de luzes, de minhas entranhas e interstícios, de meus medos e esperanças, hoje encontrei uma verdade que há tanto estava buscando com todas as forças de meu espírito, de minha alma. A verdade de meu ser, um pedacinho dela, envolta no sudário das esperanças e da fé.
Cordis-burgo de sarapalhas de luzes!...
RIO DE JANEIRO(RJ), 19 DE FEVEREIRO DE 2021, 06:05 a.m.

 

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