XADREZ DE LIAMBAS E DAMAS - Manoel Ferreira


Se me fosse dado, permitido, concedido, crer ao menos em única palavra do que aqui escrevo! Se me fosse sabido e conhecido nomear as pedras que ouso lançar à frente ou recuar, às vezes hesitando, pensando novamente a jogada, quem sabe devido a haver aprendido sem os nomes respectivos, crer ao término da partida a glória será indiscutível!
Inicio de imediato com o condicional, a resposta sendo impossível, irreal. Dizendo “se me fosse dado”, é que me conscientizara de que não me fora, o desejo é que venha a ser. Pensando não me fora, difícil que me venha a ser.
Juro, de joelhos e mãos postas, não há outra atitude e ação fundados na fé que demonstre ainda mais o que estou a dizer, o que significo com estas palavras, que não creio em palavra alguma, serei o vencedor nesta partida que duram alguns minutos, quem sabe levará meses, quem sabe um tempo sem limites. Melhor dizendo: creio, talvez nalgumas idéias e intuições, sentimentos e desejos, mas sinto agora mesmo, suspeito, não sei o por quê, não me esforço para começar a questionar a ambigüidade existente nas intenções e vontades de expressões, que omito e minto deslavadamente.
Que diriam da jogada que fizera com uma pedra de essencial importância, chave principal para lances futuros, se perdesse, não qualquer outra chance de jogada, “xeque-mate”, senão que não tinha consciência da conseqüência fatal, não refletira nestas ou naquelas posições de outras pedras; se, ao invés, vencesse, fosse eu a cantar alto “xeque-mate”, tomando em consideração estes pormenores do fracasso, da glória, não concebo outros, o que seria dito: “desde o início o seu desejo era de ser o vencedor, ter em mãos o mérito da glória, e outro resultado não fora senão a vitória” ou “vencera por uma questão de sorte, as jogadas não foram tão decisivas e fortes.”
E se eu houvesse vos encerrado durante um tempo ilimitado, olhando para o tabuleiro, calculando com pormenores e detalhes as jogadas, os louvores desta ou daquela, as conseqüências daquela e desta, e se, decorrido esse tempo, eu averiguasse os seus olhares, os esgares faciais, a respiração, os movimentos físicos na cadeira, os gestos com os dedos da mão fechados excluído o indicador que se move de pedra em pedra, des-cobrindo as suas estratégias, verificando no que se tornara, no que será daqui a algum tempo diante de outras partidas?
Bem que gostaria de saber o que perpassa a alma, medos, hesitações, orgulhos! Pode-se deixar um homem durante horas e horas olhando para o tabuleiro, tentando descobrir a jogada capital, a que enfim trará o mérito da vitória?
Tenho sede de vida, mas desejo resolver as questões vitais por meio de sentidos ambíguos, deixando a pessoa sempre olhando para a página, intenções obscuras, fazendo a pessoa pensar, refletir, meditar. Que obstinação com o ambíguo! Que impudência com as palavras, não denotam com clareza e transparência se aprovação, uma ótima idéia, um valor que deve ser alimentado a todo instante, permitindo-lhe crescimento e amadurecimento, um motivo de se sentir culpado e responsável por atitudes tão vãs e imbecis, ações arbitrárias e gratuitas, idéias indecorosas, são um malefício para quem quer que seja.
Tenho medo, apesar de tudo. Digo inépcias, mas me sinto feliz com elas, são as sementes que agüei durante toda a jornada para demonstrar a inteligência e sabedoria. Digo insolências misturadas a meiguices e ternuras, um espírito profundo, mas tenho medo das conseqüências. Declaro a plenos pulmões nada temer, mas busco as boas graças diante dos homens e dos indivíduos, enfim o reconhecimento lega prazeres insofismáveis.
Ranjo os dentes de amargura, angústia, tristeza, mas gracejo ao mesmo tempo, usufruo e metáforas, de cinismos, ironias, sarcasmos, a ponta da faca afiadíssima, para fazer rir, dizer os maiores impropérios por estar dizendo algo muito íntimo, não podendo ser para outro.
Sei que as sentenças, as orações, as frases, o estilo e linguagem eruditos e clássicos, a língua escorreita não valem um vintém, mas estou satisfeito com a minha literatura. Sofrera inúmeras dificuldades, passara por muitos problemas, sentira angústias, tristezas, decepções, fracassos, mas não tenho nenhum respeito pelo sofrimento dos outros, deixar-lhes com as culpas e responsabilidades todas em mãos de suas atitudes e ações, mesquinharias e mediocridades. Não respeito o sofrimento das pessoas.
Sob a ação da vaidade mais mesquinha, rasgo os verbos em praça pública, exponho-os no mercado, para alvo de chacota. “Só pode estar dizendo dele”, referindo-se a alguém; “Nas entrelinhas, mas põe a nu as mesquinharias dele”, referindo-se a outro.
Gabo a consciência, a engenhosidade e inteligência, a sabedoria e vivências, mas não sou capaz senão de medos e temores, porque embora a inteligência trabalhe, o coração está impregnado de revoltas, de mágoas, de ressentimentos, estou inteiro tomado pela dor. Ora, se o coração não é puro, inocente, meigo, a consciência não pode ser clarividente, nem completa.
Como sou modesto, importuno! Que palhaçada, a minha? Colocar as letras no balcão, nas prateleiras, denunciando estas e aquelas mazelas, mesmo que inconsciente dirigindo-me a alguém em específico, sentindo-me alegre e saltitante com alguns prazeres que me legam, esperando que mais e mais se intensifiquem, fazendo-me saciar as fomes seculares e sedes milenares, para inverter um pouco o sentido que às vezes apresento, dizendo com as mesmas palavras.
Pergunto, em última instância, se alguém pode crer verdadeiramente que iria registrar tudo isto e dar a alguém para ler? E eis ainda o que não compreendo: por que me dirijo a alguém, chamando-lhe de leitor, como se fosse leitor meu.      












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