TÚNEL DE TOPEIRAS - Manoel Ferreira

 

As palavras que se consomem, as frases que nada dizem, esvaecem-se, estiolam-se, desfazem-se, esfriam-se e após, num abrir e fechar de olhos, quando o vazio se faz em torno das palavras, quando nada mais resta senão elas, as palavras, no vazio da alma, quando crio, recrio, digo de outra forma, o que me magoa e entristece sobremodo, se se preferir, o que me alegra e felicita sobremaneira, isto depende muito do entendimento e da capacidade de intuição acerca de que se está dizendo, as condições para a continuidade, as sílabas se espremem, a frase se ergue e toma forma, todo o imaginário entra em erupção.
Ah, é isso?! Nada mais desejo que dizer desta fascinação, desta paixão, deste amor imenso pelas palavras, apenas para dizer que amo as letras acima da própria vida, o sonho é que a vida se torne unicamente as palavras, ergam-me um templo nos meados da metade do século, após uns quatrocentos anos de  minha morte, daí em diante serei um homem quem interessa a todos os homens, discutem em suas cátedras acerca de meu pensamento, de minhas idéias, dos modos e estilos de viver, até querendo saber se havia um maço de cigarro pela metade sobre um projeto de tese de um de meus discípulos, se estava fumando um cigarro, se estava a ouvir Dire Straits, o que estaria fazendo neste instante em que escrevo o último artigo deste ano maravilhoso, lindo, esplêndido, dera-me ele a esperança de um dia, não me interessa quando, poderei dizer que a vida está realizada, os sonhos foram concretizados, e estou pronto para a mudança eterna de minha vida... 
Não é mais preciso dizer, está dito em todos os artigos que escrevi durante todo o ano... Será?! Senhores, devo confessar-vos que estive apenas experimentando um modo de destinar a minha própria existência, infelizmente sou homem quem não mais consegue se expressar numa linguagem comum a todos os homens, tive de renunciar a dizer de minhas situações no mundo, tirando delas o ensinamento e a sabedoria para o amanhã, não há quem não diga que necessita de um dicionário, ora, senhores, creio que levará muitos anos ainda para que possam entender e compreender a profundidade de meus sonhos, de meus desejos, de minhas contemplações, mas que, ao contrário, está muito próximo, digo-vos do amor, da entrega absoluta aos sonhos do verbo amar, este é o símbolo e a metáfora de todas as nossas buscas, pois que há amigos muito íntimos e amados nesta dos sonhos do verbo amar, e um deles criou a obra, escreveu a novela que iria mudar a nossa vida inteira. Só tenho a dizer-vos, neste último dia do ano, em que me sento à cadeira de poltrona, a fim de vos contar sobre a vida de um homem quem sente um imenso amor pelos criaturas de Deus...
Ah, senhores, levarão ainda muitos anos antes que possam entender a profundidade destas palavras, mas é intenção adiantar um pouco  as verdadeiras intenções com as palavras, desejo com sinceridade vos dizer que não faço qualquer esforço árduo em sentir, em trazer para o meu coração os verdadeiros sentimentos de tudo o que dentro trago em mim, em qualquer instante da  vida, não só enquanto estou a escrever, quando as intenções parecem ser outras, devido à linguagem, ao estilo, à forma, sinto um enorme amor pela humanidade, quem sabe porque tenha eu entendido e compreendido o silêncio, quando, então, passei a  comunicar-me com toda a humanidade... Palavras proféticas!... Não... Não sou homem quem carrega nas costas os seus pecados e omissões, sou homem que traz dentro de si as palavras, não me perguntem como fora o surgimento delas, a revelação, a manifestação, não saberia em hipótese alguma dizer...
Ah, então este o último artigo do ano, após centenas deles, vinte centenas, como criei este ano, muita coisa – recebi cartinha de amiga-íntima mui querida e amada, parabenizando por todas as criações, enviei-as algumas -  e, podendo dizer que a cada dia, diante de cada situação e circunstância, em todos os momentos  mostrei um pouco de  sentimentos, ilusões, projetos, sonhos do verbo amar... Foram sonhos do verbo amar que  estou longe de compreender e entender o que há nestas milhares de linhas; contudo, não creio inda ter expressado um poucocinho mais de toda a alma, de todo o espírito, o que em mim trago dentro, sendo que talvez seja esta a razão incólume de não mais viver sem ler e escrever, não importa razões, motivos, existem e não existem, prefiro que estejam aí, em movimento contínuo, incentivando, fazendo-me realizar até o que nunca pensei em verdade, por haver sim desejado, não acreditava fosse mesmo possível, possível sim...
 Sigo a estrada, este é o destino que criei, seguir em frente com as palavras, com os sonhos do verbo amar, não sabendo de modo algum, só desejando, desejando a eternidade, o que é extremamente difícil, mas de algo estou já mais do que convencido, é uma novidade, uma renovação nas letras, tal estilo e tal linguagem, e isto de algum modo irá proporcionar-me a eternidade, queiram uns, não queiram outros...
Ouço sim uma voz muito distante se aproximando, dizendo-me em sussurro: “Estilo, forma, beleza, tudo isto está presente na obra, mas não escreve para o entendimento de todos...” São sonhos que alimento muito fundo na alma, no espírito: a eternidade. Assim, a vida atinge mais uma dimensão, a da eternidade, o que penso ser o sonho de todos os homens, realizar-se plenamente em suas carreiras e decisões. Nutro-os bem fortes no peito, assim a vida é vida, o seu sentido é parte do dom que me foi dado gratuitamente desde toda a eternidade. Simples a realização, não me furtando ao prazer de dizer algo muito sutil, o que se faz necessário, que as dificuldades e os problemas são exatamente o desafio, um pouco de: “Deixe-me ver um poucochinho mais de sua força, de sua entrega absoluta e total...” 
Sim, estou a fumar um cigarro, acabei de coloca-lo no cinzeiro, a fim de dar prosseguimento a este escrito, o último do ano, este ano que tanto me dera resultados, fizera-me acreditar tenho todas as condições de prosseguir este sonho, o sonho do verbo amar... Interessante alguém logo colocar isto, de se estou a fumar, uma imagem que todos fazemos de um escritor, no instante de sua criação. Ri-me a bandeiras soltas, aquando comentei com a esposa que havia escrito o último artigo, lembrou-me de todas as realizações, felicidades, alegrias vividas e experimentadas durante todo o ano, um escritor famoso não pode se omitir diante de seus leitores, todos esperam um inventário, uma investigação do ano, como me senti, não me esquecesse, disse ela, de dedicar algo a este ano de sua vida, um presente para os seus leitores, mostrar-lhes o que é isto de um homem acreditar ser possível a sua carreira de escritor, lutar, esforçar-se, entregar-se de corpo e alma.
É verdade, não posso de modo algum omitir que criei um personagem, um escritor famoso, e ele, ao final de sua carreira, decide não escrever uma autobiografia mas mostrar a intimidade como a vive, como a experimenta, como a “sonha”. Fora esta a palavra que de último fora escrita, antes de começar o Ano Novo. Talvez tenha sido a primeira realização do ano, doada gratuitamente por Nossa Senhora de Fátima, dizendo-me Ela: “Sonha, filho...”, derramando umas lagrimas verdadeiras. Sim, o sonho deste ano é mais uma vez o do verbo amar, de amar a vida, de amar os homens, de amar a humanidade, doando-lhes um pouco de esperança e desejo de enfrentar a vida, sabendo que tudo é possível, bastam apenas o trabalho, a luta, os desejos...      
Assim são as próximas palavras as primeiras do ano que ora se inicia, dizendo eu: “Fafá, valeu, meu amor... Muito obrigado. Conto com a Senhora em todos os momentos e instantes da vida, de meus novos sonhos. Ah, senhores, creio ser o instante devido de vos confessar algo de muito íntimo, é chegado o momento de vos confessar que escrevo o que é isto o homem rejeitado, o que este mesmo homem pôde compreender desta rejeição, fazendo-a criar raízes, como num sonho judaico, diante de toda a história do judeu no mundo, e estas raízes mostram realmente o homem amadurecido com as experiências históricas, e aí estou no mundo a fim de mostrar o que é esta experiência, a de um homem quem encontrou a terra de sua liberdade, tornou-a responsabilidade, encaminhou-se em direção à história, á eternidade. Não. Para que adiantar as coisas, para que me adiantar no tempo, há muito o que inda ser escrito... Hoje, sinto que estou a pregar no deserto para a areia e o infinito, a eternidade ali adiante...
Necessito de sair para comprar cigarro. Não sei se já vos disse, senhores, que não sou capaz de escrever uma linha sequer se não tiver um cigarro. Sei que é uma questão, uma questão única psíquica, nasci antes do cigarro, mas isto é o que vós dizeis, quem sabe se nasci antes do cigarro, aquando nasci o cigarro já estava no mundo, havia muito, e isto não quer dizer que me sinto velho, estou apenas com os quarenta e seis anos, havendo muito ainda o que viver, experienciar, amadurecer, escrever algo que todos possam entender e sentir que realmente vivi isto, não é difícil isto viver, suficiente apenas que os homens se descubram, tirem os véus dos séculos, e dos milênios, se estes realmente existem, ninguém pode dizer que existam, pode muito bem ser um quimera se digo que os milênios existem em meu pensamento, em minhas idéias... 
Contudo, devo esperar um pouco mais, não saindo neste exato momento, antes de terminar o que ora estou escrevendo, até renunciando a uma oportunidade de um tempo longe deste escrito, o que me pode enriquecer, aprofundar-me um pouco mais em toda esta idéia de este ser o último artigo do ano, este que me proporcionou com todas as letras o sentir-me capaz e eficiente para prosseguir esta longa estrada das letras, da realização artística e humana...
Não há palavras a dizer... Estive durante todo este tempo tentando um último artigo do ano, terminar com uma chave de outro, como manda o bom figurino, mas estou convencido de que estou realmente sem qualquer possibilidade de realizar esta empresa, forço-me, obrigo-me, mas nada mais digo que uma enormidade de asneiras, besteiras, mas até que agradeço a Deus por isto, há quem nem isto possa fazer, não lhe é possível escrever uma única linha, sentir um único sentimento de ternura, amor, compaixão, eternidade... Tenho a impressão de que me faltam as palavras, e devendo dizer-vos, em consonância e harmonia com a introdução, que nada tem a ver com ela, mas é que não consigo concatenar as muitas idéias, pensamentos, emoções que me habitam a alma, o espírito, só consigo sentir, sem palavras, em silêncio, e aí é que me vem algo, sou destinado, vocacionado a dar uma mensagem à humanidade, mensagem em harmonia com a minha vida, e não posso de modo algum me dar ao luxo de pensar que nada digo, que sou incapaz de expressar-me em palavras nestas primeiros segundos do Ano Novo, dez minutos... Preciso dizer algo, preciso escrever algo, mesmo que seja uma besteira enorme.
Imagino até alguém relendo os meus escritos, ansioso por compreender e entender certos instantes, se me estou a sentir bem, se estou angustiado de algum modo, o que teria acontecido comigo para me sentir assim, tão bem, tão mal, isto que os leitores sentimos com um autor querido e amado, quem, de algum modo, mostrou algum caminho do campo, alguns caminhos de luz nas trevas...
Sei que por toda a leitura estejam a se indagar: “Mas por que este título “Túnel das Topeiras”, muito estranho para sentimentos tão sublimes, emoções tão verdadeiras. Estranho para quem sente que realizou tantas coisas no mundo, durante o ano passado”. Talvez tenha assim agido, intitulado deste modo, com a intenção exclusiva de conservar o estilo mordaz, cínico, irônico, sarcástico, enfim, um chiste. Não o sei. Intitulei. Escrevo...
 Imagino, inclusive, se observais bem não termino o pensamento, de imediato meto nele uma reticência, quem sabe se não esteja desejando que seja mais uma interrogação, mais uma indagação, não seria isto que os judeus em toda a sua história tenham querido, que compreendêssemos a sua esperança, os seus sofrimentos, as suas redenções, ressurreições....
Ah, senhores!... Outra coisa não há a dizer senão que sinto que estou a tentar mostrar que sou homem muito sonhador, por toda a vida sonhei, e só este ano, este maravilhoso ano que ora termina, e dele me lembrarei por todo o sempre, pude compreender e entender realmente a intuição é de seguir mostrando a intimidade, os muitos sentimentos e emoções que me habitam a alma. Desculpem-me, se estou a ocupar o tempo de todos vós, não vou dizer que me sinto culpado, longe de mim este sentimento, aliás, sei que vós mesmos estaríeis a esperar a minha última mensagem deste ano, creio que estiverdes por instantes ansiosos por saber o que eu iria dizer, ansiosos por rirem de mim em determinadas passagens deste escrito, e muitos de vós até dizendo, pensando, não importa, que durante o ano inteiro não riram de modo algum, comigo é que podem rir agora, e isto, senhores, deixa-me muito alegre, contente, satisfeito, por pensar comigo que a vida é isto mesmo, um túnel de topeiras!....











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