(ENSAIO) - VÓRTICE DE SITUAÇÕES HISTÓRICAS - Manoel Ferreira


Deus criou o homem, dotando-o do livre-arbítrio, do poder e do dever de estar entre o bem e o mal, de discernir entre o erro e a verdade, de escolher o caminho que quer seguir.  E isso ele precisa fazer livremente, de modo próprio, sem coação, seja a da autoridade, seja a do milagre. Ele nasce com o dom de decisão interior, escolhe o que deve fazer e pensar no íntimo do espírito, nas profundezas do ser, da alma. É essencialmente livre e responsável por todos os seus pensamentos e por todos os seus atos.
Res-ponsável por suas atitudes, ações, por suas real-izações e fracassos, diante de si isto reconhecendo, vivendo e experienciando, res-ponsável por suas palavras e letras, caso as houver, sempre ele diante de sua vida, sem ter de satisfazer a esta ou aquela idéia, pensamento, autêntico, apesar dos problemas, conflitos, dores e sofrimentos. O “homem” no “homem”.
Cremos sim, impiamente até, considerando algumas pers-pectivas, que fora isto o que mais se en-raizou em nós, a partir da leitura e da longa meditação e reflexão de sua obra, a partir de nossas vivências e experiências, sem nos compuscarmos. Assim, sugerimos ao leitor que re-leia todo o capítulo e suas partes novamente, prestando atenção nesta visão, ponto de vista, perspectiva de análise e interpretação, no sentido de captar, perceber e intuir as raízes de nossa inter-pret-ação. 
O indivíduo humano é ser natural vivo, ser orgânico, biológico, dotado de potencialidades e necessidades naturais; este é um dos elementos ontológicos imprescindíveis da existência e do processo histórico da humanidade. A constatação dessa realidade mais do que evidente, apesar de reiteradamente omitida ou negligenciada, é um dos pontos basilares da análise marxiana da individualidade humana. A condição ontológica primordial da história humana, o caráter necessariamente natural e vivo do homem, expressa-se em capacidades e necessidades individuais que, embora transformadas no decurso da história, jamais serão completamente suprimidas.
A individualidade humana é produto da sociedade, pois apenas a atividade social supera as condições naturais de existência. A sociedade, e não o indivíduo isolado, rompe os limites naturais e só por seu intermédio pode se desenvolver a individualidade humana. A atividade social cria o meio no qual os indivíduos humanos realmente vivem. É somente através da sociedade que o indivíduo humano se constitui enquanto tal, e não a partir de uma determinação natural imediata.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          
É pedra angular, para Dostoïévski, o fato de o homem nascer intrinsecamente livre – a liberdade habita[1] o íntimo do espírito do homem, é o liame de aproximação de Deus – e, portanto, repugnar e repelir toda espécie de sujeição, sob qualquer forma que se lhe apresente ela. Intimativa ou insinuada, a sujeição representa sempre uma servidão inaceitável ao espírito da criatura. A alma só dá bons frutos em clima de absoluta liberdade. Fora daí, tudo é escravidão.
Critica-se Dostoïévski por haver escolhido supostamente um fato “atípico” da história do radicalismo para basear nele seu romance Os possessos. A essa crítica poder-se-ia dizer que a última obra importante de Herzen, Cartas a um velho camarada (1869) foi escrita com o objetivo expresso de deter a turbulenta torrente de vandalismo que vinha junto com a propaganda Bakúnin-Netcháiev. Estas cartas abertas dirigidas a Bakúnin foram incluídas numa coletânea de escritos póstumos de Herzen que Dostoïévski efetivamente deve ter-se apressado a adquirir.

Os clamores selvagens que nos exortam a fechar os livros, a abandonar a ciência e a engajar-nos num absurdo combate de destruição, escreveu Herzen, fazem parte da mais incontrolável e pestilencial demagogice. Sempre provocam a liberação das piores paixões. Fazemos escamoteações com palavras terríveis, sem pensar em todo o prejuízo que fazem à causa e àqueles que as escutam[2].

Em verdade, Os possessos constitui uma obra de arte e não uma história literal ou uma quase reportagem (como Recordações da casa dos mortos). Dostoievski não afirmou que tivesse outra pretensão à verdade senão a criação de sua imaginação. Ele próprio escreveu em 1873:

Vários críticos da nossa terra observaram que usei em meu romance a trama conhecida do conhecido caso Netcháiev. Mas apressaram-se a acrescentar que meu livro não continha um retrato real de alguém nem a reprodução literal da história de Netcháiev – aproveitando-me de um fato, apenas tentei esclarecer a sua possibilidade em nossa sociedade, e exatamente como um acontecimento social, e não como uma anedota, não como uma descrição de uma ocorrência particular em Moscou. Posso dizer que tudo isso é bastante correto. Em  meu romance, não tratei de maneira pessoal do famoso Netcháiev e de sua vítima Ivánov[3]

É evidente que Dostoievski não se limitou às dimensões reais, um tanto insignificantes do caso Netcháiev, que eram repulsivas e repreensíveis, mas dificilmente tinham uma importância digna de nota. Se o tivesse feito, “os fatos” lhe teriam dado apenas um relato um tanto lastimoso de um acontecimento penoso que ocorrera com um punhado de estudantes e sequazes no meio estudantil, que tinham sido enganados e mal orientados por um zelota revolucionário, levando-os a cometer um assassinato inútil de uma vítima inocente.
A 01 de julho de 1871, uma semana antes de Dostoievski regressar do estrangeiro, o Tribunal Criminal de Petersburgo iniciou o processo contra os quatro homens que, com Sergey Netcháiev, tinham assassinado em Moscovo o estudante Ivánov, e também contra os amigos deles, acusados de conspirar. Dostoievski seguiu de perto o julgamento, durante os dois meses que durou. Incluiu os fatos mais relevantes (nomeadamente o tão propagandeado Catecismo de um revolucionário, que proclamava uma política de impiedoso terror) na segunda parte de Os possessos. Dois anos depois, quando Netcháiev foi preso em Zurique e encarcerado na fortaleza de Pedro e Paulo, Dostoievski ficou ansioso por salientar que o caráter do seu Netcháiev nada se parecia com o do autêntico Netcháiev.

Tudo o que pretendi – escreveu Dostoievski no Jornal de um escritor – foi dar resposta à pergunta de como são possíveis, na nossa inconstante sociedade actual, não um Nechaev em particular mas pessoas semelhantes a ele; e, também, como pode ser que essas pessoas arranjem tantos discípulos. Esses discípulos – acentuava Dostoievski, não eram nenhuns biltres vadios. Eu próprio – escrevia -, fui um antigo revolucionário semelhante a Nechaev. Também eu estive junto do patíbulo, sentenciado à morte, e, deixem-me dizer-lhes, estava ali na companhia de homens cultos[4].     

Esse incidente forneceu apenas o núcleo da trama política de Dostoievski; e o escritor aumentou-a e ampliou-a, segundo a técnica de seu “realismo fantástico”, convertendo-a na dramatização perfeita das táticas e objetivos muito mais ambiciosos estabelecidos nos escritos de Netcháiev e de seus partidários.
De fato, Netcháiev era pessoa de “rara energia” e de extraordinária força de vontade; é provado pela surpreendente história de sua vida posterior. Extraditado para a Rússia pela Suíça, em 1872, como um criminoso comum acusado de assassinato, foi julgado em janeiro do ano seguinte e sentenciado a vinte anos de trabalhos forçados e exílio perpétuo na Sibéria. Sua atitude no tribunal foi de desafio, e recusou-se a reconhecer a autoridade da corte. Na cerimônia pública de sua “execução civil”, gritou que dentro de três anos as cabeças daqueles que o estavam condenando seriam decepadas pela primeira guilhotina russa.
Diante da atitude de Netcháiev, Bakúnin sentiu necessidade de escrever uma carta, datada de julho de 1870, a uma família com quem Netcháiev entrara em contato.

A verdade, a confiança mútua, a solidariedade séria e estrita só existem entre uma dúzia de indivíduos que formam o sanctus sanctorum da Sociedade. Todos os demais devem servir de instrumento cego e de material explorável nas mãos dos doze que estão realmente unidos. É permitido – até mesmo ordenado – enganar todos os demais, compromete-los, rouba-los e mesmo, se necessário for, descarta-los – eles são forragem conspiracional. Por exemplo: você recebeu N. graças á nossa carta de recomendação, você o aceitou como pessoa de confiança, você o recomendou a seus amigos. [...] Aqui está ele, transplantado para o seu mundo – e o que fará primeiro? Primeiro ele lhe contará um monte de mentiras para aumentar sua simpatia e sua confiança; mas não se deterá aí. As tépidas simpatias de homens que são devotados à causa revolucionária apenas em parte e que, além dessa causa, têm outros interesses humanos como o amor, a amizade, a família, as relações sociais – essas simpatias não são, aos olhos dele, um alicerce suficiente e em nome da causa tentará obter algum controle sobre você completamente sem que você perceba. Para fazer isso, ele o espionará e tentará apoderar-se de todos os seus segredos; e, em sua ausência, sozinho em seu quarto, abrirá todas as suas gavetas e lera a sua correspondência. Se uma carta lhe parecer interessante, isto é, comprometedora de qualquer ponto de vista que seja ou para você ou para um de seus amigos, irá roubá-la e guarda-la com muito cuidado como um documento contra você ou contra seu amigo. [...] quando, numa reunião geral, o acusamos de fazer isso, ele teve a coragem de dizer – “Bem, sim, esse é o sistema que usamos. Consideramos nossos inimigos todos aqueles que não estão conosco por inteiro, e temos o dever de enganá-los e de comprometê-los”. Isso significa todos aqueles que não estão convencidos do sistema que usam e não concordaram em aplicá-lo a si mesmos.
[...]
É um fanático, e o fanatismo leva-o ao ponto de tornar-se um perfeito jesuíta – em certos momentos, simplesmente fica estúpido. A maioria de suas mentiras são tecidas de alto a baixo. Brinca de jesuitismo como outros brincam de revolução. Apesar de sua relativa ingenuidade, é um homem muito perigoso porque todo dia existem atos, abusos de confiança, traições, contra os quais é muito mais difícil precaver-se porque dificilmente se suspeita de que possam existir. Com tudo isso, N. é uma força por causa de sua imensa energia. [...] Seu último projeto foi nada menos que formar um bando de bandidos e ladrões na Suíça, naturalmente com o objetivo de conseguir algum capital para a revolução. Eu o salvei quando o convenci a deixar a Suíça porque certamente teria sido descoberto, ele e sua gangue, em poucas semanas; estariam  perdidos, e todos nós com ele[5].

Essa carta, no que tange a Netcháiev, quase não precisa tecer comentários; contém uma ironia velada que não se deve negligenciar. Os “métodos” que Bakúnin critica agora com tanta severidade, e dos quais ele se dissocia com tanta impertinência, representam apenas a aplicação de doutrinas estabelecidas no conhecido Catecismo de um revolucionário, escrito ou por Netcháiev e Bakúnin em colaboração ou por um deles sozinho (ainda hoje se discute a questão). Não haja dúvida de que Bakúnin tinha total conhecimento do mais sinistro dos manuais de estratégia revolucionária e havia aprovado seus preceitos. O que o horrorizava era apenas o fato de os métodos recomendados estarem sendo usados agora contra ele mesmo e contra seus amigos.
Dostoievski não soube dessa carta; o espanto e a afronta que Bakúnin sentia por tornar-se a vítima de doutrinas que ele esposara no início lembram a reação de Stepan Trofímovitch às idéias e atividades exaltadas que ele próprio tivera na juventude.

Voltando do estrangeiro por volta de 1850, exerceu com grande brilho uma cátedra na universidade, se bem que tivesse apenas explicado algumas lições - acêrca dos árabes, e não me falta a memória. – Além disso defendeu de forma notável uma tese sobre a importância cívica e hanseática que poderia ter alcançado, durante o período de 1413 a 1428, a cidade alemã de Hanau e as causas pouco claras e especiais que a impediram de adquirir a dita importância. Essa dissertação estava cheia – e daí as inimizades que granjeara – de alusões mortificantes para os eslavófilos de então. Posteriormente, depois que o destituíram e no intuito de deixar bem evidente a classe de homem que a Universidade perdera, publicou em uma revista mensal e progressista – em que apareciam traduções de Dickens e se elogiava George Sand – o começo de um erudito estudo acerca da extraordinária nobreza moral de certos cavalheiros de não sei que época. O que se pode afirmar é que ele defendia uma idéia particularmente nobre e elevada. Disseram depois que o tal estudo ficou interrompido e que a mencionada revista foi perseguida, o que é bem possível, dada a desenfreada arbitrariedade reinante naquela época[6].

A carta de Bakúnin é valiosa não só porque constitui uma fonte de informação sobre Netcháiev, como também por ser uma prova da misteriosa precisão, mutatis mutandis, com que Dostoievski captou a essência da relação histórica simbólica entre as gerações.
Alexandre II ordenou pessoalmente que, apesar da sentença, Netcháiev fosse mantido secretamente para sempre na Fortaleza Pedro e Paulo. Lá sua atitude rebelde em confinamento solitário ocasionou outros castigos, embora tivesse recebido os livros que pediu e escrito uma série de obras que desapareceram. O mais surpreendente de tudo é que ele aos poucos conquistou para a causa revolucionária os soldados designados para guardá-lo, os quais se tornaram seus solícitos admiradores, seguidores e mensageiros.
Decerto, Herzen não acreditava que o movimento Bakúnin-Netcháiev, que levou ao assassinato de Ivánov, fosse apenas um episódio isolado e anômalo; sentiu que tinha o dever de erguer a voz contra as terríveis conseqüências que podia prever com tanta nitidez.
Pode-se imaginar a satisfação de Dostoïévski quando leu as palavras condenatórias de Herzen, que para ele podia muito bem ter sido quase como uma autodenúncia e uma retratação. E, mesmo que não precisasse de Herzen para lhe ensinar o valor da arte e da cultura (ele as defendera contra Bielinski em 1849 e contra Dobroliubov em 1861), Dostoïévski com certeza teria ficado satisfeito em ver que Herzen estava marchando a seu lado, com todo o fervor, contra o iconoclasmo (no sentido literal do termo) pissareviano que se tornava endêmico entre a geração dos anos 1860.
Exclama Herzen:
Coitada da revolução pobre em espírito e fraca em seu senso da arte, que transformará tudo o que foi adquirido com o tempo numa oficina opressiva, e cujo único interesse seria a subsistência e nada além da subsistência!” - lembremo-nos aqui do conhecido slogan de Piotr Verkhoviénski: “Somente o necessário é necessário, esse será doravante o lema de todo o mundo”[7].

O que chamava a atenção de Herzen era a ingenuidade de crer que os destinos da humanidade, e o seu futuro, estavam fixados e determinados na Europa ocidental. Caso a Europa não conseguisse se recuperar por uma transformação social, outros países se transformariam. Sua atenção voltou-se para a Rússia, “cheia de força e também cheia de barbarismo”. A revolução social poderia ter sido uma idéia surgida da experiência da Europa ocidental, mas achava ele que poderia ser adaptada. Achava que havia certo fundamento verdadeiro no medo que o Governo russo começava a ter do comunismo: pois o comunismo significava a autocracia russa ao contrário.
Somente dando ao poder estatal o caráter de uma ditadura, no sentido definido por Herzen quando descreveu o comunismo como “o tzarismo ao contrário”, é que puderam impor o socialismo na Rússia.
Outrora, Dostoievski havia simpatizado enormemente com o socialismo utópico francês em sua forma inicial, semicristã, e sabia muito bem que, mesmo em sua metamorfose russa dos anos 1860, ele guardava muita semelhança com a amoralidade desenfreada pregada e praticada por Piotr Verkhoviénski.
Marx e Engels tomaram muito cuidado para fazer a mesma distinção e concordaram inteiramente com a separação feita por Dostoiévski entre as táticas de Netcháiev e o socialismo tal qual eles o entendiam. Em verdade, usaram a propaganda de Bakúnin-Netcháiev para expulsar Bakúnin e seus seguidores da Primeira Internacional. 
Somente contra esse pano de fundo é que se pode apreciar plenamente a “última palavra” de desafio de Stepan Trofimovitch n´Os demônios – uma última palavra gritada para uma geração mais nova que o apupava e ridicularizava com tanta impiedade quanto fizeram com Herzen em seus últimos anos e a quem ele respondeu com a voz de Herzen e com a de Dostoïévski.

Mas eu declaro, vociferou Stepan Trofimovitch, cuja excitação chegou ao auge, declaro que Shakespeare e Rafael estão acima da emancipação dos servos, acima do nacionalismo, acima do socialismo, acima da nova geração, acima da química, quase acima da humanidade inteira, porque são o fruto, o fruto verdadeiro de toda a humanidade, e talvez o fruto mais sublime que ela poderá ter produzido! A forma de beleza que já foi realizada, sem cuja realização eu, de minha parte, talvez não consentisse em viver. [...] Oh! Deus, exclamou ele, juntando as mãos, já faz dez anos que, em Petersburgo, gritei exatamente a mesma coisa com essas mesmas palavras, e eles não entenderam nada exatamente da mesma maneira, riram e vaiaram como agora; vocês, pigmeus, do que precisam para que possam compreender?[8].

De fato, dez anos atrás, Herzen tinha dito a mesma coisa n´Os Homens supérfluos e os biliosos, e a festa barulhenta e tumultuada de Dostoïévski, na qual são incluídos outros incidentes e alusões extraídos dos tempestuosos acontecimentos do começo dos anos 1860, é o registro artístico de momentoso conflito histórico-cultural.
A figura de Stepan Trofímovitch tem origem principalmente em T. N. Granóvski, um historiador dos anos 1840 que, em 1869, já estava meio esquecido; e pode-se muito bem imaginar por que Dostoiévski o teria escolhido para protótipo. Uma das respostas é a publicação acidental de um artigo de Strákhov; outra possibilidade é o fato de Dostoiévski estar há muito familiarizado com sua imagem e tê-la aviventado sobretudo por causa do retrato de Granóvski que Herzen pintou em Passado e pensamentos.
Strakhov ficou impressionado pela “superabundância” de idéias em Dostoievski, o arrebatamento com que o escritor as expunha e a “maneira especial” de conversar. Frequentemente, falava às pessoas em voz baixa, às vezes em sussurro, até que, de súbito, algo o excitasse, e então tornava-se entusiástico e elevava agudamente a voz. No entanto, observou Strakhov – era muito jovial e terno, contrariamente àquilo que aparentou nos últimos anos de vida, após todo o árduo trabalho e todas as agitações por que passou.
Os assuntos discutidos pelo círculo de amigos íntimos que reunia em casa de Milyukov focavam sobretudo problemas políticos e sociais. Strakhov, educado na filosofia hegeliana, via com tristeza que todos eles, sobretudo Dostoievski, estavam interessados não no aspecto “eterno”, mas nos aspectos “temporais e particulares dos problemas”.
Para observar esses aspectos “era costume”, conforme Strakhov, visitar os mais pobres e sujos, conversarem amigavelmente com pessoas que até os negociantes ou os funcionários públicos desdenhariam, e encaram com condescendência os atos mais selvagens. Este último fato, estas “considerações fisiológicas”, parece ter sido assunto principal de debate entre os amigos de Dostoievski.
Strakhov ficou surpreendido ao ouvir opiniões sobre os sentimentos humanos, enunciados não por modelos de elevação moral, não aplicando o critério da razão, da benignidade e da beleza, mas através do domínio quase fatalista de influências dispersas, casuais. Strakhov achava que Dostoievski se recusava a aceitar a teoria “fisiológica” da literatura como absoluto (acabou, mais tarde, por a repudiar totalmente), mas afirmou que a chamada “influência francesa” de 1840 ainda era sentida intensamente nos literati de Petersburgo. Isto, embora a situação política se tivesse modificado: em princípios de 1860, enquanto a Europa estava nas garras da reação, a Rússia estava à beira de grandes reformas liberais, sobretudo, é claro, a libertação dos escravos.
Strakhov ficou aterrorizado com a “estreiteza da teoria dominante” de que o escrito devia servir “a última moda”. Educado “nas teorias germânicas da liberdade do artista”, ficava espantado por “ouvir falar num sentido moderno das escolas literárias e os esforços em manifestar as mais modernas visões da vida social”. Ficara ainda mais consternado, é claro, pela perda de princípios morais nos escritores com quem convivia, essa “emancipação de carne” a que Dostoievski sucumbira e que, na carta para Tolstoy de 28 de Novembro de 1883, Strakhov chama “sensualidade animal”. Que Strakhov, nunca feliz nas relações com as mulheres, usasse na carta para Tolstoy tal linguagem exagerada, não é supreendente. Excertos dessa enfadonha, num tom ridículo, carta para Tolstói, publicada pela primeira vez em 1913, no número de Outubro de Sovremyonny Myr (O mundo contemporâneo), foram tantas vezes descritos por biógrafos de Dostoievski, reputados ou não, que o único interesse agora será transcrevê-la na íntegra:

Vou escrever-lhe, Leo Nykolayevitch, uma carta pequena, apesar de ser inesgotável o assunto versado. Mas não ando bem de saúde e levar-me-ia muito tempo a desenvolvê-lo. Espero que tenha recebido agora a minha Biografia de Dostoiévsky; apelo para a sua atenção e indulgência e peço-lhe que me diga o que pensa dela. Gostava de aproveitar esta oportunidade para lhe confessar uma coisa. Enquanto a escrevia, lutei comigo mesmo, lutei contra o desgosto que me invadiu. Ajude-me a encontrar outro caminho. Não posso considerar Dostoievsky nem bom nem feliz (o que, aliás, é a mesma coisa). Foi rancoroso, invejoso, imoral, e passou toda a vida numa tal excitação, que seria só desprezível e ridículo se, ao mesmo tempo, não fosse tão rancoroso e inteligente. Como Rousseau, considerava-se um dos homens melhores e mais felizes. Enquanto eu estava a escrever a Biografia, não pude deixar de evocar estes traços do seu carácter. Na Suíça, por exemplo, tratou tão mal um criado, na minha presença, que o homem sentiu-se ferido e replicou-lhe: “Não acha que também sou um ser humano?” Recordo-me que fiquei impressionado por isto ser dito a um apóstolo do humanismo e por ver um exemplo das concepções dos direitos do homem num país livre como a Suíça”. Estas cenas sucediam-lhe constantemente, porque era um homem incapaz de dominar a sua natureza rancorosa. Dostoievsky reagia como uma mulher, impulsivamente; mas outras vezes não podia deixar de criticá-lo. Nos insultos, Dostoievsky ultrapassava o comum dos mortais e o horroroso é que sentia prazer nisso e nunca se arrependia. Sentia-se atraído por essas cenas e gabava-se delas. Viskovatov contou-me que Dostoievsky se gabou de ter tido relações sexuais, certo dia, num balneário público, com uma pequena ali levada pela preceptora. Note-se que, em toda a sua “sensualidade animal”, Dostoievsky não tinha o menor sentido estético da beleza e do encanto da mulher. Isso pode ser visto nos livros que escreveu. As personagens que mais se lhe assemelham são o herói de Memórias escritas num subterrâneo, Svidrigaylov em Crime e castigo e Stavroguine em Os possessos.Uma cena com Stavroguine (violação, etc.), que Katkov se recusou a publicar, leu-a Dostoievsky a muita gente.
Com uma natureza assim, tinha um intenso penchat (grifo de Strakhov) para o passionismo ávido e para sonhos mundanos. Esses sonhos eram toda a sua filosofia de vida, a sua musa, o ideal literário. Aliás, essencialmente, todos os seus livros são apenas tentativas de auto-justificação e de provar que, no homem, sentimentos nobres podem viver lado a lado com as maiores abominações.
Sinto-me atormentado por não poder evitar estes pensamentos e não encontrar um ponto de reconciliação. Estarei a ser cruel? Invejá-lo-ei? Desejar-lhe-ei mal? Não, de maneira alguma. Só lamento que as recordações que tenho dele, que podia ser agradáveis, apenas me oprimam.
Lembro-me de você me ter dito que as pessoas que conhecemos demasiado bem, muito naturalmente não gostam de nós. Mas às vezes é diferente. É possível, no caso de uma íntima (e longa) convivência, descobrir algum traço do carácter de um homem que nos leve a perdoar-lhe depois tudo, Um sentimento de autêntica bondade, uma centelha de verdadeiro amor (grifo de Strakhov), até um instante de sincero arrependimento – pode resgatar tudo; e se me lembrasse de qualquer coisa assim quanto a D., ter-lhe-ia perdoado e sentir-me-ia feliz. Mas pôr num pedestal como homem bondoso um homem bom apenas intelectualmente e literàriamente – Senhor, como é triste!
D. é verdadeiramente um homem mau e infeliz que se julga um homem feliz, um herói, e só ama a si mesmo, ternamente. Tendo consciência de que também eu posso provocar desgostos nos outros e tendo aprendido a compreender e a perdoar, suponho que encontrarei uma maneira de compreender e de perdoar D. Mas não a encontro, não a encontro.
Isso é um breve comentário extra à minha Biografia. Podia também ter escrito e dissertado sobre estas facetas de D., pois há incidentes desses que evoco mais vivamente do que outros que cito; e dessa maneira a história aparentava mais veracidade. Mas deixai que esta verdade se perca; mostremos só a fachada da vida, como fazemos com todos e com tudo[9].

  Ana Grigorievna, que se refere à carta de Strakhov para Tolstói num apêndice às memórias, declara que, após a recusa de Katkov em publicar a cena da violação, Dostoievski escreveu muitas outras para – como ela diz – “a caracterização artística de Stavroguine”; entre essas cenas havia a do balneário público “um fato verdadeiro” – escreve ela -, “contado por alguém ao meu marido”, em que “uma preceptora atuou criminosamente”. Quando Dostoievski leu esta cena, depois revista, a alguns dos amigos, “incluindo Strakov” – declara Ana -, objetaram imediatamente que a introdução de “uma preceptora” num incidente tão hediondo, podia envolver Dostoievski numa polêmica pública “como adversário da causa feminina”; isso da mesma maneira por que, anteriormente, Dostoievski fora acusado de atacar a novíssima geração por ter posto Raskolnikov como ex-estudante da Universidade de Petersburgo. “E foi esta versão da cena” – escreve Ana -, “esse ato odioso de Stavroguine, que Strakhov, maldosamente, não hesitou em atribuir a Dostoievski, esquecendo que efetuar tal ato de depravação exigia muito dinheiro. A referência de Strakhov a Viskovatov não é menos espantosa, pois o professor nunca veio a nossa casa e Fyodor quase nem lhe falava”. 
Em fins de 1871, toda a primeira parte e sete capítulos da segunda tinham sido publicados em O mensageiro da Rússia. Porém, Katkov pôs totalmente de parte o oitavo capítulo, intitulado Em casa de Tikhon, capítulo que incluía a confissão de Stavroguine sobre o estupro praticado na garotinha; pelo que a publicação do restante da obra “o fim da segunda parte e toda a terceira” foi adiada por um ano.
Os Homens supérfluos e os biliosos (1860), de Herzen, foi a primeira resposta da geração dos anos 1840 ao ataque de seus detratores; e, como Stepan Trofímovitch, Herzen falou aos pais, ou pelo menos àqueles dentre eles que se recusaram a abdicar do direito ao respeito paterno. Expressando a atitude dos filhos “biliosos”, seu porta-voz inominado (Tchernichévski) observa sarcasticamente que os “homens supérfluos” da década de 1840

 [...] foram educados de maneira diferente, o mundo em volta deles era sujo demais, não era encerado o bastante, era maculado por mãos e pés. Era muito mais prazenteiro para eles ficarem ruminando sobre seu infeliz destino e, nesse meio tempo, comerem e beberem em paz[10].

Não é verdade que Strakov tivesse ocultado, na Biografia, os maus sentimentos para com Dostoievsky. Há nela uma frase que, praticamente, repete as insinuações, da carta para Tolstoy, sobre Dostoievsky ser como as suas mais vis personagens (as quais, note-se, Dostoievsky não tentou de maneira alguma justificar).
Saindo dos propósitos biográficos propriamente ditos, Strakhov apresenta Dostoievski como um ignorante de filosofia. Quando estavam a discutir problemas “abstratos”, Strakhov provava que o que Dostoievski supunha serem suas idéias originais, já há muito fora discutido por filósofos “conhecidos da história da filosofia”. Dostoievski – observa Strakhov -, “fica todo contente ao pensar que as idéias dele eram idênticas às de qualquer pensador”. Se considerarmos a hiper-sensibilidade de Dostoievski, pode muito bem admitir-se que o seu contentamento era apenas para disfarçar a humilhação perante a auto-suficiência de Strakhov.
Que Strakhov ansiava ostentar o seu saber filosófico, evidencia-se pela declaração despropositada de que Dostoievski lhe fizera de presente de uma edição da História da filosofia de Hegel porque, não sabendo alemão, o livro lhe era inútil. A má-vontade de Strakhov para Dostoievski é ainda mais declaradamente demonstrada pelo seu comportamento na Primavera de 1878. Dostoievski e Tolstói estavam presentes, em 10 de março, numa conferência dada em Petersburgo por Vladimir Solovyov, focando alguns aspectos da religião, extraídos das suas Dissertações sobre a natureza humana em Deus (depois citadas por Tolstói como “delírios de um lunático”). Dostoievski fora à conferência esperando que Strakhov o apresentasse a Tolstói, mas Strakhov ignorou-o a pretexto de Tolstói  lhe haver pedido para o não apresentar a ninguém. Dostoievski – declara Ana, sua esposa, nas suas memórias -, ficou profundamente desgostoso por não conseguir avistar-se com Tolstoi  “mesmo de relance”.
Mas toda a carta de Strakhov a Tolstói deplorando a impossibilidade “de perdoar” a Dostoievski, é raiada hipocrisia. O próprio Dostoievski, claro, muitas vezes deplorou o seu caráter “vil”, que era mais provavelmente devido à sua doença crônica do que a outra coisa e, como tal, incontrolável. Quanto aos costumes dissolutos de Dostoievski, Tolstói, que vivera um período ainda mais dissoluto, não era o homem apropriado para receber essas críticas. Aliás, é bastante curioso que, tentando difamar Dostoievski por uma história com Viskavotov, obscuro professor de literatura russa com quem Dostoievski poucas vezes se encontrara, lhe contara, Strakhov não tenha mencionado a natureza dos outros incidentes vergonhosos que apenas insinuou.
Strakhov sabia, é claro, que a carta para Tolstói seria publicada e que as insinuações se tornariam importantes para os futuros biógrafos de Dostoievski. Tolstói respondeu apenas a Strakhov que Dostoievski sofria de “uma imperfeição nervosa congênita”. Quanto ao fato de Dostoievski se haver retratado em algumas das suas personagens, Tolstói limitou-se a responder que, “quanto mais profundamente o escritor penetra no coração humano, mais universal se torna e mais familiar e simpático é a todos nós. O resultado é que mesmo nessas personagens excepcionais todos podem reconhecer o seu íntimo”.  
       Resposta esta que identifica com lucidez o reconhecimento de Tolstoi pela literatura de Dostoievski, pela sua habilidade e perspicácia na retratação do mergulho deste no coração e na alma humana, e isto era a sua característica universal, assim a sua literatura se universalizava.
São essas exatamente as palavras de Piotr Verkhoviénski sobre seu pai, e esse é inegavelmente o seu tom de superioridade e de desdém. Mas em Herzen, como em Dostoiévski, não é permitido ao filho dominar o campo. Apesar de todas as suas boas intenções, responde Herzen, “com seu tom os biliosos” levariam “um anjo a lutar e um santo a praguejar”. E – erradamente, como se comprovou – previu uma vida curta para o tipo de

Daniéis inspiradores de desânimo pelas águas de Petersburgo, que pesarosamente censuram as pessoas por comer e ranger os dentes e por esquecer as misérias enquanto admiram uma pintura ou ouvem uma música[11].

De um lado, temos a censura à impotência, à inação, à postura estudada e à pretensiosa satisfação dos próprios caprichos; do outro, a crítica ao fanatismo intolerante, estreito, pronto a condenar e a destruir todos os frutos e glórias e a civilização. O que a princípio é tão surpreendente na geração “biliosa”, segundo Herzen, é a “facilidade com que perdem a esperança de tudo, o prazer malicioso de sua negação e sua terrível impiedade”. Lembram-lhe “aqueles monges que, por amor ao próximo, chegam a odiar tudo o que é humano e amaldiçoam o mundo inteiro pelo desejo de abençoar alguma coisa”. Mas o opositor “bilioso” de Herzen continua impassível diante dessas acusações e responde apenas que os homens dos anos 1840 “eram aristocratas preguiçosos, vazios, que viviam quietamente e bem, e não vejo razão para ter pena deles”.
A resposta de Herzen a esse ataque revela uma sensibilidade não-dogmática à miséria humana que certamente teria tido a aprovação de Dostoievski.

Diz ele:

Que cada homem decida por si mesmo se eles são dignos dessa simpatia ou não. Todo sofrimento humano se não se pode fugir dele, desperta nossa simpatia; não existe sofrimento que não possamos compartir[12].

A responsabilidade com que nos deparamos na obra dostoiévskiana é com o nosso sofrimento, nossas dores, duvídas e desejos, medos e esperanças, nossa fé, buscando a nossa liberdade, redenção e ressurreição, desejando-as, querendo-as, entregando nossa vida inteira no sentido de real-izar, e isto só é possível a partir da compaixão, solidariedade, o desejo do novo na vida da humanidade, com-partilhando com os outros, co-participando, noutras palavras, a dialética da participação. 
Assim como Stepan Trofímovitch volta para casa todo confuso depois da tentativa de reaparecer em Petersburgo no início da década de 1860 e de ser descartado pela nova linhagem de radicais como “um vieux bonnet de cotton”, do mesmo modo Herzen é descartado por Tchernichévski por parecer “o belo esqueleto de um mamífero [...] que tivesse sido achado em escavações e pertencesse a um mundo diferente com um sol diferente e árvores diferentes”.
Herzen, recusando-se a ser jogado tão facilmente na lata de lixo da história, rejeita teimosamente, em nome da utilidade e da revolução, qualquer obrigação de dar adeus à importância de seu passado e à da humanidade como um todo. É que, se for aceito o ponto de vista antolhado dos anos 1860, então, como Herzen diz em eloqüentes palavras que Stepan Trofímovitch reproduzirá

[...] adeus não só às Termópilas e ao Gólgota, mas também a Sófocles e a Shakespear, e incidentalmente a todo o longo e interminável poema épico que sempre termina em tragédias desvairadas e sempre volta a prosseguir sob o título de história[13].

As hostilidades entre as duas gerações arrefeceram por algum tempo na metade da década de 1860, mas, no segundo trimestre de 1867, após o atentado malsucedido de Karakózov contra a vida de Alexandre II, voltaram a incendiar-se até com mais veemência. Já vimos que Herzen reprovou o atentado publicamente no Sino, prevendo com razão que isso só iria intensificar a reação do governo. Todavia, malgrado essa divergência em torno de táticas, Herzen reafirmava que os objetivos do movimento radical russo nativo, que tinha em Tchernichévski o seu líder, não diferiam daqueles que ele mesmo propugnara no exílio; e exortava as duas gerações a caminharem de mãos dadas. Desse pedido de unidade resultou apenas uma resposta furiosa de um dos líderes da “nova emigração”, Aleksandr Sierno-Solovióvitch, que rejeitou Herzen com mais sem-cerimônia do que fizera Tchernichévski.
Aos olhos da nova geração – e em palavras que antecipam notavelmente Dostoievski – proclamou que Herzen não passava de mais um vieux bonnet de cotton igual a Stepan Trofímovitch:

O senhor é um poeta, um artista [...] um contador de histórias, um romancista, tudo o que o senhor quiser, mas não é um político. [...] Como não percebe que foi deixado para trás, bate suas fracas asas com toda a força; e então, quando vê que as pessoas estão rindo do senhor, fica enfurecido e acusa a geração mais nova de ingratidão para com seu líder, para com o fundador de sua escola, o primeiro sumo sacerdote do socialismo russo. [...] Desça à terra; esqueça que o senhor é um grande homem; lembre-se que as medalhas com sua efígie não foram cunhadas por uma posteridade agradecida, mas pelo senhor mesmo com sua riqueza tinta de sangue. [...] sr. Herzen, o senhor é um homem morto[14].

Herzen não deu uma resposta direta a esse panfleto grosseiro e ofensivo. Ao invés disso, enviou a brochura, acompanhada de uma carta, a Bakúnin, cuja simpativa indiscriminada pela geração mais nova levá-lo-ia posteriormente a associar-se a Netcháiev. Na opinião de Herzen, Sierno-Solovióvitch

 é um insolente e um tolo; mas o pior é que a maioria russos jovens o são também e fomos nós que contribuímos para torná-los assim. [...] Isso não é niilismo. Niilismo é um fenômeno grandioso na evolução do pensamento russo. Não. Esses são os nobres desapossados, o oficial reformado, o escriba da aldeia, o padre local e o pequeno proprietário de terra disfarçadas[15].

Herzen não emigrou, assim nos explica Dostoievski nas páginas do Diário de um escritor, especificamente no artigo Figuras de outro, não adotou o princípio da emigração russa, havia nascido emigrante. Os que se lhe assemelham na Rússia, também nasceram emigrantes, embora a maior parte dentre eles nunca tenha saído da Rússia.

Parece que a própria história predestinava Herzen a representar em sua pessoa, sob a forma a mais brilhante, esse divórcio consumado entre o povo e a maioria de nossa classe elevada. Nesse sentido Herzen constitui um tipo histórico. Separando-se do povo, aqueles, naturalmente, abandonavam também o seu Deus. Os que dentre eles, era inquietos, tornaram-se ateus; os que eram fracos e indolentes, caíram na indiferença. Eles só tinham desprezo pelo povo russo, embora imaginando amá-lo e querer-lhe bem. Mas o amavam de modo negativo, pois que o imaginavam um povo ideal tal como, segundo eles, o russo deveria ser.
[...] Naturalmente Herzen era socialkista e o era justamente à maneira dos gentilhomens russos, isto é, sem necessidade nem propósito, unicamente levado pela “lógica das idéias” e pela ausência de qualquer sentimento em relação à pátria. Renegava os princípios da antiga sociedade, renegava a família, e no entanto, foi, pelo que parece, bom pai e bom marido. Negava a propriedade, mas, enquanto esperava, soube tratar de seus negócios admiravelmente e teve o prazer de não se sentir contrafeito no estrangeiro. Organizava a revolução e arrastava os outros, mas ao mesmo tempo apreciava o conforto e a paz no lar. Artista, pensador e escritor brilhante, era um homem de grande cultura. Tinha muito espírito e conversava de modo atordoante (falava ainda melhor do que escrevia). Foi, em suma, um pensador admirável[16].

O co-responder, em que escutamos propriamente o apelo da linguagem dostoïéskiana, é a saga que fala no elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, um prosador, um escritor, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado, é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer de quem o escuta com dedicação, e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação.
É senhor de si mesmo, do próprio destino e do destino dos demais. Não há exemplos nem desculpas que o eximam dessa responsabilidade fatal e irremovível. O único exemplo que Dostoïévski aceita e aponta aos homens é o de Cristo, que resistiu às tentações de Satanás para indicar ao homem o caminho da vida e da ressurreição.

Quem creu no povo de Deus verá seu santuário, mesmo que nele não tivesse crido até então. Somente o povo e sua força espiritual futura converterão nossos ateus desprendidos da terra natal. E que é a palavra de Cristo sem o exemplo? Sem a palavra de Deus, o povo perecerá, porque sua alma está ávida dessa palavra e de toda idéia nobre[17].
Na verdade, Dostoïévski jamais alcançou a paz de espírito, a tranqüilidade de consciência; viveu sempre em clima de luta desesperadora, interminável, como testemunho em carta a Mme Von Voisine. Diz ele que toda a sua vida foi marcada pela eterna preocupação pelo problema da existência de Deus. Procurou sempre para si a figura suprema. Ama tanto a Cristo que se lhe provarem que a Verdade está contra Cristo, ficará com Cristo.
Vivendo sempre com o Evangelho nas mãos, Dostoïévski sai do presídio de Omsk com a ilusão de haver construído dentro de si um novo homem, forjado em moldes puramente cristãos. Chegou a Semipalatinsk animado dos mais elevados propósitos, tal qual o príncipe Michkin, em O idiota, ao saltar do trem em São Petersburgo, à procura da Generala Epantchine. Leva consigo a mesma ingenuidade, idêntica confiança em suas capacidades, nos dons que Deus lhe dera gratuitamente, igual boa fé na bondade alheia.
Acima de nós, silencioso como o Cristo no poema de Ivan Karamazov, o Todo Poderoso contempla nossas fraquezas, lança um bálsamo de perdão sobre os nossos pecados e deixa-nos inteiramente livres face ao problema do Bem e do Mal. Erramos, tropeçamos, caímos, tornamos a levantar e Ele respeita o nosso direito de liberdade, as nossas vacilações entre a razão e o capricho, o velho anseio nascido no coração do homem com o pecado original.
De nada adiantam as normas, regras e disciplinas da razão e das instituições sociais, os ditames e os bons propósitos da consciência, se, num instante de fantasia que ninguém pode explicar, justificar, ele é capaz de mandar para os quintos do inferno aquilo que antes considerava o mais sagrado e o mais proveitoso na existência. É isso que Dostoïévski tenta ensinar, mais de uma vez, pela boca de Ordinov, O espírito do subterrâneo que, juntamente com Hipólito Terentiev e os irmãos Karamazov, Ivan e Dmitri, forma na primeira fila dos porta-vozes das idéias e opiniões que o romancista hesitava apresentar às inteligências de sua época.
As instituições, as doutrinas, as utopias e as religiões, quando impostas por forças de fora, passam e morrem sem deixar benefícios, sem deixar vestígios. E por isso a história das civilizações é um cemitério de sonhos e de ideologias e a poeira dos séculos cobre ruínas por todos os continentes.
Schleiermacher defendia o afastamento da cultura francesa, que se tornara indiferente à religião, assim como da teologia deísta e racionalista em geral. Após disputar com Kant, desde o seu tempo da universidade, Schleiermacher rejeitou a sua “religião dentro dos limites da simples razão”, que fez que Deus e a imoralidade dependessem da consciência moral do homem. A religião não era o mesmo que moral ou filosofia. Tal como muitos dos seus contemporâneos, Schleiermacher ansiava pelo Infinito, que era diferente de tentar conciliar a religião com a razão ou reduzi-la à ética. “A verdadeira Religião”, afirmava ele na sua famosa definição, “é o sentido e o gosto pelo Infinito”[18]. Onde se encontrava o Infinito? – Na alma do homem, no “sentimento”, dizia.
Apesar de resistir a Kant, Schleiermacher aprendera com o filósofo crítico a desconfiar das provas racionalistas da existência de Deus e, portanto, a fazer retroceder a religião a um estado pré-cognitivo. Contudo, o sentimento era individual, ainda que fosse uma faculdade de alma humana e correspondesse a uma realidade objetiva.
É preciso admitir que é difícil conhecer a história quarenta vezes secular de um povo como o hebreu; mas o que sei, antes de mais nada, é que não existe no mundo um povo que se lamente tanto de sua sorte, a cada instante, a cada passo que dá, a cada palavra que pronuncia, de sua humilhação, seus sofrimentos, seu martírio. É de crer que os judeus não governam a Europa, que eles não manobram, pelo menos lá, as bolsas e, por conseqüência, a política, os negócios interiores, a vida moral dos Estados[19]

O pensador que existe no escritor-romancista demonstra, através da dialética de um dos seus numerosos avatares, O espírito do subterrâneo, que não liga a mínima importância ao poder da razão; acha até que, abusando do feitiço da fantasia, o ser humano pende antes para as extravagâncias do capricho e do arbítrio.

De sorte que um homem que não levasse em conta essas listas seria um obscurantista, um reacionário, um louco, não é? Por que, entretanto, seus estatísticos, ao enumerar os interêsses, sempre esquecem de um? Infelizmente, êsse é precisamente inapreensível e refratário a tôdas as suas lindas tabelas. Por exemplo, tenho um amigo... (aliás, é o “amigo” de todos). Se tem um projeto que o cativa, expõe-no com habilidade, segundo tôdas as leis da lógica mais sólida. Falar-lhes-á, com paixão, dos interêsses da humanidade, rirá dos tolos, dos míopes, que não compreendem a verdadeira significação da virtude, e, exatamente um quarto de hora depois, sem nenhum pretexto visível, mas levado por uma força íntima que domina todos os interêsses, faz justamente o que tôdas as suas teorias condenam[20].

O homem do subterrâneo abre a possibilidade de “outro ideal”; parece considerar um tipo diferente de Palácio de Cristal – um que fosse uma verdadeira mansão em vez de um galinheiro, que satisfaz necessidades puramente materiais.
Dostoievski indica que o homem do subterrâneo, longe de rejeitar todos os ideais morais em favor de um egoísmo ilimitado, estava buscando desesperadamente um que satisfizesse verdadeiramente o seu espírito. Esse ideal seria aquele que, ao invés de incitar a personalidade a revoltar-se num frenesi raivoso, levasse a uma renúncia voluntária em seu favor. Desse ideal alternativo exigir-se-ia, assim, que reconhecesse a autonomia da vontade e a liberdade da personalidade e recorresse à natureza moral do homem ao invés de fazê-lo á sua razão e interesse pessoal que, na sua concepção, trabalhavam em harmonia com as leis da natureza.]
Para Dostoievski, poder-se-ia encontrar esse ideal alternativo nos ensinamentos de Cristo; e, a partir de uma confusão que continua a existir no texto, podemos vislumbrar como ele talvez tenha tentado integrar essa alternativa no quadro de suas imagens.
Schleiermacher viu que o homem tinha de se erguer “a um nível mais elevado de individualidade”. “Eu não estava satisfeito com considerar a humanidade como uma massa disforme e desagradável e intimamente da mesma natureza”[21]. Assim, Schleiermacher individualizou, assim como psicologizou e emocionalizou a religião. Cada indivíduo era uma única encarnação do Todo, e conhecia o Todo à sua própria maneira. Se o Deus de Schleiermacher não era panteísta, era certamente imanente, e encontrava-se no mundo, e mais particularmente na alma do homem.
A liberdade que Deus lhe concedeu, emancipando-o de tutelas e algemas, como que lhe solta as rédeas à imaginação e leva-o quase sempre a afastar-se de normas estranhas, de regras prescritas ou de constrangimentos penosos. Forceja então por conservar-se livre a qualquer preço e nada o alegra mais do que se mostrar caprichoso, volúvel e hostil a mandamentos.
Toda a sua filosofia e o seu pensamento religioso, baseado nessa idéia de liberdade, Dostoïévski deixou condensados na Lenda do grande inquisidor, profundo e maravilhoso poema revelado pela boca de Ivan Karamazov.

O mistério da existência humana não consiste apenas em viver, é preciso saber para que se vive. Sem uma noção segura das finalidades da existência, o homem preferirá eliminar-se a permanecer sobre a terra, mesmo que esteja rodeado de montanhas de pão[22].
Oh! Passarão ainda séculos de libertinagem intelectual, de pedantismo e antropofagia, pois, começando a construir sem nós a sua tôrre de Babel, eles terão que acabar pela antropofagia. Só então, rastejando, a fera virá lamber os nossos pés e os molhará com lágrimas de sangue. Montaremos uma fera e ergueremos uma taça em que está escrito: “Mistério”. Somente nesse dia reinarão sobre os homens a paz e a felicidade[23]

O cristianismo de Dostoïévski já se havia manifestado antes do degredo, mas só no cárcere, na meditação constante dos versículos do Evangelho, esse sentimento o absorve, por completo, dando-lhe uma visão diferente dos homens e do mundo.
Quando os traços de Stavróguin emergiram do caráter do inexpressivo Príncipe, Dostoiévski foi tentado a recuar sua perspectiva histórica um pouco mais no tempo e associar o conflito dos anos 1840 e dos anos 1860 ao tipo byroniano dos anos anteriores – a primeira manifestação dos efeitos desintegradores da influência do Ocidente sobre a psique cultural russa depois que essa influência fora totalmente absorvida.
A pedra de topo da intricada construção temática de Dostoievski n´Os possesos é a figura de Stavroguin. Não se encontram nos cadernos de anotações de Dostoievski indícios que apontem um protótipo para essa personagem; no entanto, durante muitos anos houve uma discussão generalizada sobre a possibilidade de ter sido inspirado em Bakúnin. Todavia, essa hipótese, apontada pela primeira vez pelo notável estudioso de Dostoievski, L. P. Grossman, foi agora rejeitada de modo geral[24].
O candidato mais provável para a associação a Stavróguin seria a figura enigmática de Spiéchniev, que Dostoievski, na época de seu envolvimento no círculo de Petrachévski, chamou seu Mefistófeles.
Spiéchniev foi na vida real exatamente uma figura tão byroniana quanto Stavroguin, um aristocrata rico e ilustrado que exercia irresistível fascínio sobre as mulheres. Foi também um radical político, um comunista militante e o centro de um grupo revolucionário secreto constituído de sete membros, entre eles Dostoievski (que manteve em segredo para o resto da vida essa filiação altamente comprometedora). O grupo atuava dentro da sociedade maior de Petrachévski e procura manipulá-la para seus próprios objetivos, assim como Piotr Verkhoviénski manipula seu pequeno grupo, e a sociedade em geral, para seus objetivos – embora, pelo que sabemos até agora, Spiéchniev não pregasse o maquiavelismo irrestrito de Netcháiev. No entanto, era muito versado na filosofia então corrente nos círculos progressistas de esquerda, e suas opiniões morais e filosóficas são muito semelhantes àquelas atribuídas depois a Stavroguin. Esses pontos de vistas são expressos por Spiéchniev em cartas particulares, nenhuma das quais dirigida a Dostoievski; mas é muito provável que tenha enunciado os mesmos pensamentos durante conversas filosóficas com um amigo íntimo como Dostoievski acabou se tornando.
Assim como Piotr Verkhonviénski não é Netcháiev, nem Stepan Trofímovitch é apenas Granóvski, tampouco se deveria identificar Stavroguin com Spiéchniev. É que Dostoievski “mitifica” esse protótipo numa imagem do condenado e glamoroso dândi byroniano da Rússia que apateceu assiduamente na literatura de 1820 e 1830. Como escreveu a Katkov, Stavroguin

(...) me parece uma figura trágica. [...] Em minha opinião, é uma figura russa e típica. [...] Tirei-o de dentro de meu coração. [...] Naturalmente, essa figura raramente aparece em toda a sua tipicalidade, mas é uma personagem russa (de uma certa classe social)[25]

Essa declaração é fruto da interpretação que Dostoievski defendia há muito tempo, segundo a qual a enorme importância cultural e moral-religiosa do tipo byroniano russo era um indício das mudanças subterrâneas que estavam ocorrendo na psique nacional.
A significação sociocultural do byronismo de Stavroguin sugere um sentido mais específico e concreto para a afirmação um tanto vaga segundo a qual “os demônios deixaram o homem russo e entraram nos Netcháievs e nos Sierno-Solovióvitchs”. Para Dostoievski é Stavroguin – ou o tipo do qual é ele a encarnação mais viva – o “homem russo” no mais pleno sentido dessa expressão; e foi esse tipo que, históricamente, deu origem a todos os “demônios” ideológicos que infestaram a cultura russa desde então. No entanto, o papel histórico de Stavroguin de fonal original dos “demônios” ficou obscuro porque Dostoievski conserva a estrutura da trama que o transforma no pupilo de Stepan Trofímovitch, na verdade invertendo a anterioridade do tipo Oniéguin à geração dos anos 1840.    
Eis a origem da negação da Rússia que culminara no execrável Netcháiev; e, como para Dostoiévski a idéia da Rússia era inseparável da do Cristo russo e da fé ortodoxa, a tragédia de Stavróguin – como a de Oniéguin e de Petchórin, tal como a entendia – assume a forma de uma crise moral-religiosa. A busca de uma fé absoluta é que foi submetida às lisonjas da Ilustração européia e ainda não pode ser recapturada apesar da necessidade angustiante de uma “verdade nova”. 





[1] Só pude entender e compreender - entregar-me de corpo e alma às letras, viver o que me foi destinado por Deus por intermédio das letras, lendo, desde 1972, a obra de Dostoïévski Pobre gente, a partir daí a grande paixão que dentro trago em mim por Dostoïévski e as letras; numa imagem diria que ele é o coto em chama de uma vela fora da janela aberta – o que significa isto a liberdade habitar o íntimo do espírito do homem. Em sentido próprio, a linguagem é que fala na obra do grande escritor russo. Dostoïévski fala apenas e somente à medida que co-responde à linguagem, as letras são o que vive nele a partir da experiência e convivência com a dor e o sofrimento, à medida que escuta e pertence ao apelo da linguagem. De todos os apelos que nós, os humanos, devemos conduzir, a partir de nós mesmos, para um dizer, a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por toda parte, o apelo primordial. É a palavra dostoïévskiana que, primeiro e em última instância, nos acena a essência do homem, o que lhe habita profundamente, a busca de redenção, ressurreição, salvação. Não quero em absoluto dizer que, em cada significação tomada ao acaso de uma palavra, a linguagem já me tenha entre a essência transparente da obra, de forma imediata e absoluta, como se a obra de Dostoïévski fosse um objeto pronto para o uso. Logo de início, quando me decidi a pagar a minha dívida com ele, vinte e cinco dias atrás, 28 de janeiro de 2005,  escrevendo um ensaio sobre ele e a sua obra, disse à minha esposa: “Uma coisa é ter lido esta obra desde 1972 até 1983, de dezesseis aos vinte e sete, reler um romance aqui e ali desde 1983 até hoje. Ou seja, ter lido Dostoïévski na juventude, e hoje, adulto, beirando os cinqüenta anos, após muitas experiências e vivências”. É um momento de entrega absoluta ao que dentro trago em mim.   
[2] A. I. Herzen, Sotchiniénia, Moscou, 1955-1958, 10 vols.; a citação aparece no vol. 8, p. 417
[3] FRANK, Joseph. Dostoievski os anos milagrosos. Trad. Geraldo Gerson de Souza. Edusp. São Paulo. 2003. págs. 569-570.
[4] MAGARSHACK, David. Dostoievsky. Trad. Antônio Gonçalves. Lisboa. Editorial Áster. pág. 298.
[5] Idem, idem. pág. 577. 
[6] DOSTOIÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Os possessos. Trad. Augusto Rodrigues. Rio de Janeiro. Editora Pan-Americana S/A. pág. 10.
[7] Idem, idem. pág. 600.
[8] Idem, idem.
[9] MAGARSHACK, David. Dostoievsky. Trad. Antônio Gonçalves. Lisboa. Editorial Áster. págs. 166-168. 
[10] Idem, idem. pág. 596
[11] idem, idem.
[12] Herzen, My past and thoughts, vol. 4, pp. 1580, 1583.
[13] Idem, idem. pp. 1581, 1583.
[14] Citado no excelente livro de Abbott Gleason, Young Rússia, New York, 1980, pp. 132-133.
[15] B. P. Koszin, Iz Istórii revoliutsiónoi mysli v Rossii, Moscou, 1961, p. 547.
[16] DOSTOIÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Diário de um escritor. Pág. 89.
[17] DOSTOÏÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Os irmãos Karamázovi. Trad. Natália Nunes e Oscar Mendes. Abril Cultural. 1971. pág. 216.
[18] Friedrich Schleiermacher, Reden über die Religion, discurso nº 2 sobre “A Natureza da Religião”.
[19] DOSTOÏÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Diário de um escritor. Pág. 377.
[20] DOSTOÏÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. O espírito do subterrâneo. Trad. Rosário Fusco. Epasa. Pág. 158.
[21] Schleiermacher, Monologen (1800), Solilóquio nº 2 (ver Soliloquies, H. L. Friess [org.], Open Court, Chicago, 1926, pp. 3. O individualismo de Schleiermacher é mais evidente na sua autobiografia espiritual, escrita alguns meses depois das “Conferências”, e que se tornou um clássico popular. 
[22] DOSTOÏÉVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Os irmãos Karamazov. Trad. Boris Solomov. Casa Editora Vecchi Ltda. Rio de Janeiro. 1944. pág. 192.
[23] Idem, idem. Pág. 185.                             
[24] Num resumo vivo e talentoso dessa questão, Jacques Catteau conclui com certa autoridade: “Nossa decisão está tomada. Os Demônios não são absolutamente uma monografia sobre Bakúnin e Stavroguin não é ´caricatura de Bakúnin´, como Grossman continua a afirmar. [...] Tudo isso não passa de lenda. Stavroguin provém de mundo diferente”, Cf. Jacques Catteau, “Bakounine, Combats et Débats”, em Collection historique de l´Institut d´études slaves, Paris, 26: 103, 1979.   
[25] FRANK, Joseph. Dostoiévski os anos milagrosos 1865-1871. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo. Edusp. 2003. pág. 609.  

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