(ENSAIO) - PARAÍSO E INFERNO CARNAVALESCOS - Manoel Ferreira



A importância do empirismo para a história do problema do conhecimento consiste em que, em oposição à negligência racionalista com respeito à experiência, ele apontou enfaticamente a importância desse fator de conhecimento. Ao fazer da experiência a única fonte do conhecimento, ele certamente troca um extremo pelo outro. Locke e Hume, os principais representantes do empirismo, admitiram a impossibilidade disso, mas, indiretamente, à medida que, ao lado do saber baseado na experiência, reconheceram um outro totalmente independente dela.
As obras de Dostoiévski são de temática psicológica – embora ele próprio haja dito que não era um psicólogo, apenas um “conhecedor da alma humana” -, é à temática psicológica que, aqui, nos entregamos a partir de sua leitura à busca de nosso conhecimento, a nossa origem psicológica. Nietzsche afirmara que o único que lhe ensinou psicologia fora Dostoïévski.  
A multiplicidade de vozes que há na estória funciona sempre numa alternância de sério e cômico; nos momentos mais sérios, mais trágicos surge um trocadilho involuntário, a própria solenidade de certos nomes – Okeanov, de okeán, oceano - frisa este jogo duplo.

[...] o trágico e o grotesco da própria vida russa, sob um controle policial rígido: era este controle que obrigava cada habitante a ter um passaporte, e não uma simples carteira de identidade[1].

Na Idade Média, a vastíssima literatura do riso e da paródia nas línguas populares e no latim estava, de um modo ou de outro, relacionada com os festejos de tipo carnavalesco, com o carnaval propriamente dito, com a “festa dos bobos”, com o livre “risus pachalis”, etc. Na Idade Média, quase toda festa religiosa tinha, em essência, aspecto carnavalesco público-popular (sobretudo festejos como o Corpus Christi). Muitas festividades nacionais como as touradas tinham nítido caráter carnavalesco. A atmosfera carnavalesca dominava os dias de feira, as festas da colheita da uva, os dias das representações dos milagres, mistérios, da sota, etc; toda a vida do teatro e do espetáculo tinha caráter carnavalesco. Pode-se dizer que o homem medieval levava mais ou menos duas vidas: uma oficial, monoliticamente séria e sombria, subordinada à rigorosa ordem hierárquica, impregnada de medo, dogmatismo, devoção e piedade, e outra público-carnavalesca, livre, cheia de riso ambivalente, profanações de tudo o que é sagrado, descidas e indecências do contato familiar com tudo e com todos.
Apesar da forma literária complexificada e da profundidade filosófica do “diálogo socrático”, seu fundamento carnavalesco não suscita qualquer dúvida. Os “debates” carnavalesco-populares da morte e da vida, da sombra e da luz, do inverno e do verão, etc., debates eivados daquela ênfase das mudanças e da alegre relatividade que não permite ao pensamento parar e imobilizar-se na seriedade unilateral, na definição precária e na univocidade, serviram de base ao núcleo primário desse gênero. É isto que difere o “diálogo socrático” tanto do diálogo meramente retórico quanto do diálogo trágico, mas a base carnavalesca o aproxima, em certo sentido, dos propósitos agônicos da comédia Ática antiga e dos mimos de Sófron.
A imagem de Sócrates (veja-se a sua caracterização dada por Alcibíades em O banquete, de Platão) tem caráter ambivalente – combinação do belo e do feio – assim como o espírito dos aviltamentos carnavalescos serviu de base à construção da autodenominação de Sócrates como “alcoviteiro” e “parteira”. A própria vida pessoal de Sócrates esteve cercada de lendas carnavalescas.
Em termos gerais, as lendas carnavalescas diferem profundamente das lendas heróicas épicas: fazem o herói descer e aterrissar, familiarizam-no, aproximam-no e humanizam-no. O riso carnavalesco ambivalente destrói tudo o que é empolado e estagnado, mas em hipótese alguma destrói o núcleo autenticamente heróico da imagem. 
A carnavalização penetra no profundo núcleo filosófico-dialógico da menipéia[2]. Esse gênero se caracteriza por uma colocação manifesta das últimas questões da vida e da morte e por uma extrema universalidade. O pensamento carnavalesco também se faz presente no campo das últimas questões, não apresentando para estas, porém, nítida solução filosófica abstrata ou dogmático-religiosa, mas interpretando-as na forma concreto sensorial das ações e imagens carnavalescas. Assim, a carnavalização permitiu, através da cosmovisão carnavalesca, transferir as últimas questões do plano filosófico abstrato para o plano concreto-sensorial das imagens e acontecimentos, carnavalescamente dinâmicos, diversos e vivos.
No romance O idiota, a carnavalização se manifesta simultaneamente a uma grande evidência externa e a uma imensa profundidade interna da cosmovisão carnavalesca (em parte, graças mesmo à influência direta de Dom Quixote de Cervantes).
Em Metternich e D. Quixote, Diário de um escritor, diz-nos Dostoïévski sobre o último, em sua análise dos “interesses da civilização”:

Fiquem certos que D. Quixote conhece seus interesses e entende de cálculos: ele sabe que com isso ganhará em dignidade, no sentido que tem de sua dignidade, com a condição de permanecer um cavaleiro dos tempos de outrora. Está persuadido, além disso, de que nada perderá em consagrar-se lealmente ao bem e à verdade, persuadido de que a consciência desse sentimento redobrará de vigor, e leva-lo-á a tentar outras proesas. Em fim tem, além disso, a certeza de que uma tal política é a melhor escola para a nação[3]
O centro do romance é ocupado pela imagem carnavalescamente ambivalente do “idiota”, o Príncipe Michkin. Num sentido superior, Michkin não ocupa na vida nenhuma posição que possa determinar-lhe o comportamento e limitar-lhe a humanidade pura. Tomando em consideração o ponto de vista da lógica comum da vida, todo o comportamento e todas as emoções do Príncipe Michkin são inconvenientes e extremamente excêntricos. É o que ocorre com o seu amor fraterno pelo rival, homem que atentara contra a sua vida e se tornara o assassino da mulher que ele amava. Observar que esse amor fraterno por Rogójin chega ao apogeu precisamente depois do assassinato de Nastássia Filipovna e completa o “último lampejo de consciência” de Michkin (antes de este cair em absoluta idiotice).
Debaixo da pena de Dostoïévski, no correr da elaboração, o romance evolui e toma corpo. A figura do Príncipe Michkin desce das esferas da abstração, humanizada com traços da prática e do ideal cristão do próprio autor. A imagem de Olga Oumetaki, enriquecida com recordações de Paulina Suslova, gera essa extraordinária e fascinante flor de imaginação romanesca que se chama Nastássia Filipovna. Os aspectos fundamentais de Ana Korvin-Kriukóskaia são aproveitados no retrato de Aglaya Ivanovna Epantichne. E Rogójin é um desdobramento de Fyodor Mikhailovitch Dostoïévski, na violência e obstinação dos rudes instintos de sua raça, na liberdade dos recalques e do domínio de sua consciência.
Ana Kórvin-Kriukóvskaia publicara na Época, com o pseudônimo de Iúri OrBielov, dois contos: Um Sonho e Mikhail. A srta. Kórvin-Kriukóvskaia, que mandara os contos à revista em segredo, era a filha mais velha de um tenente-general aposentado, com rígidos princípios sobre o comportamento de suas mulheres. Um cavalheiro da escola antiga, fortemente imbuído do sentido de sua própria importância e da dignidade de sua família, vivia com a jovem mulher e duas filhas perto de Vítebsk, na fronteira entre a Polônia e a Rússia, em plena zona rural. A jovem Ana, então com vinte e dois anos, escondera suas composições literárias do pai, talvez até mesmo da irmã Sofia – que mais tarde ficou famosa, sob o nome de Kovalievskaia, por ter sido a primeira mulher a ocupar uma cátedra de Matemática na Europa – e as enviara à revista Época com a ajuda conspiratória do mordomo da casa, muito devotado às jovens patroas, que concordara em receber em seu próprio nome qualquer resposta. As memórias de Sofia permitem que nos introduzamos nos recessos desse ninho isolado de nobres na província russa, do qual sairiam duas mulheres extraordinárias com quem Dostoievski manteve relações cordiais pelo resto de seus dias.
A carta que Dostoievski recebeu de Ana, em 28 de fevereiro, indicava a proximidade de uma dessas incursões anuais à casa dos parentes de Petersburgo e informava-lhe que os Kórvin-Kriukóvski teriam o prazer de receber sua visita e pediam-lhe que participasse antecipadamente sua decisão. Posto que Dostoievski era um autor de destaque que aceitara e encorajara os esforços literários incipientes da filha, um convite dessa natureza seria o mínimo que se poderia esperar. Na verdade, porém, a autorização fora concedida a Ana depois de grande luta contra os preconceitos arraigados do pai desconfiado e contrariado.
O General conhecera, na juventude, uma literatura russa, a rainha da sociedade da época, a bela condessa Rostóptchina, a quem voltara a encontrar, anos depois, nas mesas de jogo de Baden-Baden, onde se portara de maneira totalmente indigna para uma dama. Era esse o destino inevitável de todas as autoras russas; e, quando descobriu por acaso que sua própria Aniuta estava sendo louvada com esse apelativo dúbio, enfureceu-se tanto que a assustada família temeu um colapso. Para piorar as coisas, leu a carta encorajadora de Dostoievski, que viera acompanhada de um pagamento pelas colaborações de Ana para Época.

Pode-se esperar tudo de jovens senhoras que, sem o conhecimento do pai e da mãe, são capazes de corresponder-se com um homem desconhecido e ainda receber dele dinheiro, trovejou. Vocês agora estão vendendo suas histórias, mas talvez chegue o dia em que venderão a si próprias[4].

Após esse paroxismo de ira, o General recaiu num silêncio mal-humorado; o entanto, foi cedendo aos poucos à influência emoliente da esposa, que a princípio se mostrara inclinada a apoiá-lo, mas depois passara a sentir um certo orgulho por ter sua filha se tornado uma autora russa de sucesso. Finalmente, aquiesceu ao pedido da esposa para que pelo menos ouvisse a leitura de Um sonho, um relato patético da luta da heroína para fugir das coerções sufocantes da tirania familiar. Esse tema tocou tanto a família, segundo as lembranças de Sofia, que na conclusão, quando a jovem Lilienka morre lamentando ter desperdiçado a vida, lágrimas brotaram dos olhos do General, que se apressou a deixar a sala sem proferir palavra. Nada mais foi dito sobre a carreira literária de Ana, mas a partir desse momento a situação mudou completamente. O mordomo culpado foi reintegrado no posto do qual fora expulso ignominiosamente e Ana recebeu permissão para encontrar-se com Dostoievski na viagem seguinte a Petersburgo. Todavia, o General, embora suficiente complacente sob a aparência ameaçadora, ainda se sentia pouco à vontade e, prudentemente, aconselhou a esposa a manter-se em guarda.

Lembre-se, Lisa, de que você tem grande responsabilidade, disse-lhe antes da partida. Dostoievski não é uma pessoa de nossa sociedade. O que sabemos a seu respeito? Somente que é um jornalista e um ex-condenado. Que ótima recomendação! Cuidado! Precisamos ter muito cuidado com ele[5].

       Foram essas as origens da carta pela qual Dostoievski foi convidado a visitar a família Kórvin-Kriukóvski em Petersburgo. Naturalmente, o escritor nada sabia do drama que se desenrolara anteriormente, ou conhecia apenas o que pudera depreender das cartas de Ana; todavia, é possível que o segredo em torno de suas colaborações e da correspondência trocada sob nome de outro devem tê-lo levado a fazer conjecturas sobre a educação da jovem. Sabia que era orgulhosa e ambiciosa, pois na carta que acompanha a remessa do primeiro conto lhe perguntara se, na sua opinião, ela poderia algum dia tornar-se uma autora russa de renome. Adivinhou também, pela própria natureza da história que enviara, que se tratava de pessoa jovem e inexperiente; escreveu-lhe, portanto, que lera o conto “o fascínio dessa retidão própria dos jovens, dessa inceridade e calor de sentimento, de que sua história está cheia”. Sem responder à pergunta sobre suas possibilidades literárias no futuro, usou-a habilmente para obter mais informações sobre a misteriosa colaboradora.

Eu ficaria verdadeiro feliz, escreve, se a senhora considerasse a possibilidade de me contar mais sobre si mesma; quantos anos tem e em que circunstâncias vive. É importante que eu saiba tudo isso a fim de avaliar com precisão o seu talento[6].

Os dois contos de Ana publicados na revista Época foram, claramente, projeções de sua própria rebeldia inquieta. Um sonho trata da vida triste de uma mocinha de família modesta, oprimida pela monotonia solitária e tediosa de sua existência difícil, que um dia vai a uma igreja próxima e observa o funeral de um estudante pobre, sem família nem amigos verdadeiros. De repente, começa a chorar e é tomada de tristeza quando sente que sua própria vida é igualmente desesperançada e fútil. Em sonho, vê-se vivendo junto com o estudante morto, pobre mais feliz em sua união de amor e numa vida com algum propósito; mas depois, ao despertar e vendo que nada mudou ou tem possibilidade de mudar, definha e morre.
Mikhail, que revela a influência de sua fase religiosa, centra-se num rapaz rico, órfão, que sente alguns impulsos religiosos e é mandado a um mosteiro para viver com um tio, que no passado fora um dândi e violento oficial da Guarda, mas agora tornara-se um monge ascético. Mikhail encontra por acaso uma jovem princesa encantadora em visita ao mosteiro e descobre que se trata de uma amiga da família; e de repente sente ardente desejo pela vida. Mas, aquando retorna ao mundo, descobre que a princesa está prestes a casar-se com um primo, também oficial da Guarda, e que nos seus anos de vida monástica tinham destruído toda a sua capacidade de usufruir dos prazeres mundanos. Morre de tuberculose em sua cela, olhando esgazeado para o tio impassível que representa a morte em vida, e deixa sua fortuna para a princesa. As duas histórias indicam a necessidade da autora de romper os seus limites e o medo de ser sufocada pela rotina restritiva de suas condições isoladas de vida.
Segundo declaração de Sofia, Dostoievski afirmou que sua epilepsia começara, na verdade, depois de sua saída da prisão, o que contradiz todas as demais provas de que dispomos, segundo as quais o ataque inicial da doença data do primeiro ano de sua chegada à Sibéria. Sofia registra ainda como o romancista descreveu o primeiro ataque da doença; diz ele que aconteceu depois de forte discussão com um velho amigo, um ateu de Petersburgo que estava em vista à Sibéria, durante a qual Dostoievski defendera a existência de Deus. A conversa, que tivera início na véspera da Páscoa, avançara pela noite e só fora terminar quando os sinos da igreja tocavam a chamada para as matinas pascais; foi então que ele sentiu pela primeira vez a onda extática da “aura” que antecede os ataques. “E senti”, disse ele, “que o céu descera à terra e me engolfara. Eu realmente apreendi deus e fui invadido por ele”.
Nenhuma outra fonte refere-se a essa visita e é bem possível que Dostoievski tenha inventado essa história, com seus detalhes suspeitosamente simbólicos e suas reminiscências de Fausto, para agradar as maravilhadas Ana e sua irmã. No entanto, as palavras que supostamente acrescentou sobre a “felicidade” experimentada no momento da “aura” lembram também uma passagem de O idiota e o relato de Strákov, publicado em 1883 (as memórias de Kovaliésvkaia apareceram somente quatro anos depois), sobre um dos ataques epilépticos do amigo de que foi testemunha. Ou Dostoievski já havia formulado em sua mente as palavras quase exatas dessa passagem de seu romance, ou 
Sofia estava preenchendo os claros com as descrições já publicadas[7].

Essa história, se for verdadeira, pressagia, obviamente, uma série de cenas de romances ainda não escritos: as lembranças de Svidrigáilov, em Crime e castigo, de uma jovem que se afogara, evidentemente uma das vítimas de sua luxúria; a confissão de Stavroguin – escrita para Os possessos mas não publicada durante a vida de Dostoievski – sobre a sedução de Matriocha, uma menina de doze anos de idade, que também se mata e cuja lembrança retorna para atormenta-lo quase sob as mesmas circunstâncias de complacência estética sibarítica; e, naturalmente, o estupro da simplória Lisavieta pelo Karamazov mais velho após uma bebedeira. O fato de Dostoievski ter pensado em escrever esse romance, como diz Sofia, “em sua juventurde” levanta certamente algumas dúvidas; presume-se que essa frase se refira aos anos de 1840 e nada do que escreve nessa época lembra remotamente o tom do episódio narrado.
A cena final de O idiota – o último encontro de Michkin com Rogójin junto ao cadáver de Nastássia Filipovna – é uma das mais impressionantes em toda a obra de Dostoïévski.
Estão fora da lógica da vida as relações de Michkin com outros personagens: com Gania Ivolguin, Ippolit, Burdovski, Liebediev e outros. Pode-se dizer que Michkin não consegue viver plenamente a vida, realizar-se plenamente, aceitar o aspecto definido da vida que limita o homem. É como se ele ficasse na tangente do círculo vital. É como se não tivesse aquele corpo vital que lhe permitisse ocupar uma posição determinada na vida (e assim desalojar outros dessa posição), daí permanecer na tangente da vida. Mas é por isso que ele pode “penetrar” no “eu” profundo das outras pessoas através do corpo vital destas.
Nastássia Filipovna também se exclui da lógica habitual da vida e das relações vitais. Em tudo e em toda parte ela sempre contraria a sua posição social. Mas se caracteriza pela depressão, não tem integridade ingênua. É “louca”.
Em torno dessas duas figuras centrais do romance – um “idiota” e uma “louca” – toda a vida se carnavaliza, transforma-se num “mundo às avessas”: as tradicionais situações temáticas mudam radicalmente de sentido, desenvolve-se um dinâmico jogo carnavalesco de contrastes flagrantes, de mudanças e transformações inesperadas, as personagens secundárias adquirem módulos maiores carnavalescos, formam pares carnavalescos.
A atmosfera fantástico-carnavalesca penetra todo o romance. Mas em torno de Michkin essa atmosfera é luminosa, quase alegre. Em torno de Nastássia, sombria, infernal. Michkin vive num paraíso carnavalesco. Nastássia, num inferno carnavalesco. No romance, o inferno e o paraíso se cruzam, entrelaçam-se de modo variado, refletem-se um no outro segundo as leis da ambivalência carnavalesca profunda. 

Longe de ser complacentemente indiferente ao sofrimento – e sobretudo à tragédia universal e inelutável da morte – Michkin reexperimenta, em sua imaginação, com toda a sua sensibilidade consciente, as torturas da morte; mas isso não o impede, ao mesmo tempo, de maravilhar-se em êxtase diante da alegria e do milagre da existência.
Sua alegre descoberta da vida e sua profunda intuição da morte se unem para fazer com que ele sinta cada momento como se fosse um instante de escolha ética e responsabilidade absolutas e incomensuráveis. 



[1] SCHNAIEDERMAN, Boris. Dostoievski Prosa Poesia. O senhor Prokhartchin. Editora Perspectiva. 1982. pág. 81.
[2] Este gênero deve a sua denominação ao filósofo do século III a.C Menipo de Gadare, que lhe deu forma clássica, no entanto, o termo, enquanto denominação de um determinado gênero, foi propriamente introduzido pela primeira vez pelo erudito romano do século I a.C, Varron, que chamou a sua sátira de “saturae menippea”. Mas o gênro propriamente dito surgiu bem antes e talvez o seu primeiro representante tenha sido Antistheno, discípulo de Sócrates e um dos autores dos “diálogos socráticos”. “Sátiras menipéias” foram escritas também pelo contemporâneo de Aristóteles, Heráclido de Pontik, que, segundo Cícero, foi ainda o criador  do gênero logistoricus (uma combinação do “diálogo socrático” com histórias fantásticas). Mas o indiscutível representante da “sátira menipéia” foi Bion de Boristen, ou seja, das margens do Dniepr (século III a.C). Depois vem Menipo, que deu ao gênero melhor definição, vindo em seguida Varron, de cujas sátiras chegaram até nós inúmeros fragmentos. A “Sátira menipéia” exerceu uma influência muito grande na literatura cristã antiga (do período antigo) e na literatura bizantina (e, através desta, na escrita russa antiga). Em diferentes variantes e sob diversas denominações de gênero, ela continuou a desenvolver-se também nas épocas posteriores: na Idade Média, nas épocas do Renascimento e da Reforma e na Idade Moderna. Esse gênero carnavalizado, extraordinariamente flexível e mutável como Proteu, capaz de penetrar em outros gêneros, teve uma importância enorme, até hoje ainda insuficientemente apreciada, no desenvolvimento das literaturas européias. A “sátira menipéia” tornou-se um dos principais veículos e portadores da cosmovisão carnavalesca na literatura até os nossos dias.
[3] DOSTOÏEVSKI, Fyodor Mikhailovitch. Metternich e D. Quixote in Diário de um escritor. Pág. 352.
[4] FRANK, Joseph. Dostoiévski os anos milagrosos 1865-1871. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo. Edusp. 2003. pág. 42.
[5] Idem, idem.
[6] Idem, idem. pág. 43.
[7] Jacques Catteau publicou as passagens de Strákov e de Kovalievskaia lado a lado e observou não apenas semelhanças linguisticas entre elas como também o fato de ter o incicente registrado por Strákov ocorrido também no Sábado de Aleluia. Catteau sugere a possibilidade de que a “lembrança” de Kovaliévskaia tenha sido uma colagem da narrativa de Strákov e de algumas palavras n´O idiota sobre Maomé e o Corão. Ele observa numa nota de rodapé: “Não é esta a primeira vez eu temos dúvidas sobre as memórias da grande matemática”. Minha propria tentativa de checar as referências de Haroldo parecem justificar esse ceticismo. Jacques Catteau, La Création Littéraire chez Dostoiévski, Paris, 1978, pp. 156-157. 

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