DE MEMÓRIA NA PRÓPRIA IMAGEM - Manoel Ferreira


Disse-lhe que sim, que me não era possível esquecer de uma piada tão sugestiva, aliás, qualquer piada é uma demonstração de inteligência, não existem piadas ignaras, podem ser sem graça, não provocando tanto riso, mas com certeza pode-se interpretá-la através de um sem-número de prismas, de ângulos. Se algumas piadas, mesmo que muito engraçadas, não fazem rir, não é por causa dela, mas porque a pessoa não sabe contar. Sou eu este homem quem não sabe contar piadas, qualquer uma é sem graça, não faço rir ninguém.

Tive até a presença de espírito de lhe dizer que escreveria um artigo com a piada, seria preciso, claro, de muita perspicácia, criar situações, re-criar fatos e acontecimentos. Começaria o artigo dizendo que estávamos na cozinha, enquanto ele jantava, a televisão estava ligada. Não aceitara jantar com ele, pois que havia jantado antes de dirigir-me à sua casa. Aceitei um suco de guaraná que, aliás, estava uma delícia. A vontade fora de pedir mais um suco de guaraná, mas me contive. Tenho problema de pressão baixa. Se tomasse mais um copo, com certeza, poderia sentir mal. Ao contrário, pedi um gole de café. Estava com vontade de fumar.

Comentei com o amigo que já fizera a experiência de contar piadas em meus escritos, mas não cria que tivessem algum valor. Tenho ouvido muitas piadas. O diamantinense adora uma piada, e, com sinceridade, sabe usar de sua arte. Não há como não rir, mesmo que seja ela sem graça. A que acabara de contar havia chamado muito a minha atenção. Não saberia dizer o porquê. Chamara a atenção. Lênin sendo recusado de ficar no céu, no inferno.

 Talvez houvesse despertado tanto interesse em mim por eu ter uma ligação muito forte com a cultura russa, tendo lido toda a Literatura Russa do século XIX. O meu amor sem limites pelo escritor Dostoievski quem deixara em mim uma influência muito agradável: a de nada negar, a de nada idolatrar. Era a primeira vez que ouvia uma piada, envolvendo um russo. Envolvendo um Lênin.

Havia um pequeno problema. Cria que não causaria riso em ninguém escrevendo sobre esta piada. Não que não seria capaz de criar situações. É que ler um piada é muito diferente de contá-la.Se quem sabe fazê-lo com destreza e genialidade, faz até um imbecil ler, com certeza, se ele escrevesse, faria muito mais rir, até gargalhar até mais não poder. As letras seguem a genialidade em qualquer nível. Teria em mãos um sem-número delas. Não teria limites em sua arte de contar piadas na Literatura. Comigo é diferente. Não sei contar. Escrever muito menos. Contudo, iria tentar. Não diria que sairia algo digno de respeito, de consideração.   

Seria este o início do artigo, como, dito de passagem, está sendo, pois que achei interessante haver dito que assim iniciaria. Difícil, extremamente difícil para mim é, antes, de algo escrever, fazer planos, pensar e repensar como é que vou descrever esta ou aquela situação, este ou aquele acontecendo. Sento-me e escrevo. As vezes que tentei planejar, dei com os burros n´água. Então, comentar com alguém que irei iniciar desta ou daquela forma, é algo absolutamente novo, jamais o fiz, nem pensara que algum dia iria fazê-lo.

 Após haver indicado o início, pedi licença, estando sentado na poltrona, para abrir a porta da cozinha, fumaria um cigarro, enquanto conversávamos. Estava ele jantando. Comer com o cheiro de fumaça de cigarro é algo que algumas pessoas não toleram, não toleram fumaça de cigarro de forma alguma. Sou um fumante inveterado.

Conversávamos, enquanto eu pensava na piada que havia acabado de ouvir. Lênin, o russo, morrera. De imediato, fora ao céu. Bateu à porta, sendo atendido por São Pedro, quem lhe disse que seria muito difícil ficar no céu, tinha, antes, de conversar com Deus, quem poderia ou não aprovar ficar ele no céu. Esperasse um pouco. Deus, respondendo a São Pedro, reprovou mesmo a sua estada, não podia de forma alguma ficar no céu. Fosse ao inferno. Não disse que o lugar de Lênin era no inferno. Disse que fosse lá.

Sem o que dizer a São Pedro foi ao inferno. Começou o seu discurso com Mefistófeles, dizendo-lhe que fora ao céu, mas Deus não o quisera receber, sugeriu que fosse ao inferno. Mefistófeles ouvira o discurso de Lênin, sem emitir uma única palavra em contrário ou a favor, enquanto falava, mas, terminando, disse-lhe que não, não podia de modo algum ficar no inferno. Voltasse ao céu. Deus é muito generoso, humano, compassivo, misericordioso. Iria perdoar-lhe os pecados. Conversasse com humildade, simplicidade. Mostrasse arrependimento de suas culpas, remorsos, pecados. No inferno, é que não ficaria.


De volta ao céu, logo que chegou, tornara a bater à porta, sendo atendido por São Pedro. “Você de novo, Lênin?!...” Sim. Mefistófeles não o quis receber. Estava numa situação muito difícil. Deus não queria recebê-lo, Mefistófeles também não. Para onde iria, então? São Pedro fora até Deus, explicando que Lênin estava sem lugar para ficar. Deus logo decidiu ligar para Mefistófeles. Veria o que poderia fazer. Mefistófeles se negava de pés juntos a receber Lênin no inferno, mesmo que não tivesse outro lugar para ele. Deus então quis saber o motivo qual era. Respondera Mefistófeles: “Não quero concorrente aqui no inferno...”         

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