Á PORFIA DE ESPÍRITOS VAGOS - Manoel Ferreira



Segundo o Aurélio, “à porfia”  significa “à competência; com rivalidade; em disputa pela primazia”, sendo  assim que vou  escrever sobre  a pergunta de um amigo a respeito da diferença entre as duas palavras “calamidade” e “tragédia”.

Em princípio, necessito de identificar o significado da palavra, e mesmo porque, em  não o fazendo em ordem, o que tem a sua sutileza nas entrelinhas, tragédia  é um acontecimento que desperta lástima ou horror; ocorrência funesta; sinistro, mau fado; desgraça, infortúnio. isto no que concerne  ao sentido figurado. Calamidade é  uma grande desgraça; infelicidade, infortúnio. Interessante é que na tragédia a desgraça não é grande, o infortúnio permanece o mesmo. Em se tratando da resposta à pergunta do amigo, a grande desgraça é para a pessoa que  experiencia a situação, a calamidade; a tragédia é para o outro que não realizou o desejo e a vontade de assistir à calamidade da pessoa.
Também há de se considerar que para a palavra “calamidade” não há sentido figurado. Informação que pode parecer desnecessária, inútil, mas a morte  da sogra que é o desejo do genro  não tem sentido figurado. O que tem sentido figurado é a tragédia, a não morte da sogra, que fora o desejo do genro. E, em pensando no sentido corriqueiro da palavra “calamidade”, o que todos conhecem: uma desgraça pública. A sogra é a desgraça pública, mas se ela morre, os comentários venenosos e as piadas ferinas deixam de existir, e a felicidade é justamente as piadas e comentários, ajuda a continuar vivendo, apesar dos pesares.  
Quando se diz de sogras, há muito poucos homens que  estão felizes e contentes  com elas, têm somente  as mais singelas recordações e lembranças, dizem de suas generosidades e compaixões, mostram seus caráteres e personalidades ilibados... A maioria, ao contrário, tem suas mais profundas reclamações, seus ódios mais incrustados na alma e no espírito, nada há delas que se possa dizer de uma relevação, pois que agiram em plena e absoluta consciência, são mulheres as mais arbitrárias e gratuitas.
Sem dúvida, as insatisfações e rivalidades todas entre sogras e genros se fundamentam numa única questão, isto no meu entender e compreensão. Fundamenta-se na disputa entre ambos de quem se interessa mais pelo bem estar da mulher e filha, quem luta mais pelos seus interesses pessoais e íntimos, nunca havendo um modo de  as partes rivais entrarem num acordo. Nesta rivalidade não há vencedor nem vencido, muito embora às vezes a corda rebente pelo lado do marido, outras pelo lado da sogra, mas isto, creio, quem decide é a filha por amor a um deles, por revolta por um deles.
Em verdade, tanto os maridos quanto as sogras têm seus motivos os mais diversos, sendo alguns verdadeiros, merecedores de consideração; enfim, salvo opiniões ao contrário, estão  com a razão, cabendo até mudanças de comportamento e atitudes, cabendo a humildade de um pedido de desculpa, para atitudes menores, perdão, para atitudes extremas. Aí  ninguém se digna a faze-lo.
  Creio eu que devido às opiniões e pontos de vista da maioria dos homens a respeito de suas respectivas sogras é que existe um sem-número de piadas  sobre elas, cada uma mais ferina e venenosa que a outra.
O amigo quem me fizera a pergunta sobre a diferença entre calamidade e tragédia nunca me disse ter havido algum problema entre ele e a sogra, ninguém também o fez. Aliás, para contar uma piada sobre sogra não é necessário que odeie a sua, não é necessário que tenha problemas com ela. Pode acontecer até de quem vive em perfeita harmonia com a sua contar a piada mais ferina e venenosa. Em grupo de homens, então, isto é mais do que comum.
Havia acabado de chegar ao barzinho, observando que o amigo estava com algum problema. Estava com a fisionomia muito carregada, com a barba por fazer. Conhecendo-o, sei que tem as suas crises de depressão vez por outra. Não adianta perguntar o porque de sua depressão. Se sabe, não comenta a respeito. Muitas vezes até não conhece as razões e motivos de seu estado de espírito.
Contei-lhe uma piada. A de Lênin  haver morrido e batido à porta do céu. Deus não o quis receber. Mandou-o ao inferno. Mefistófeles não o quis receber. Mandou-o ao céu. No impasse de Lênin, não tendo para onde ir, Deus sendo generoso e compassivo, tentou conversar com Mefistófeles: não conseguindo persuadi-lo, perguntou-lhe qual era enfim a razão de não receber Lênin no inferno, recebendo a resposta de que não queria concorrência.
De imediato, perguntou-me a diferença entre “calamidade” e “tragédia”. Não sabia mesmo. Disse-me então que “calamidade”  é o barco da sogra virar em alto mar. Tragédia é haver alguém para salva-la.

Simples a resposta.  

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