FEITIÇO VOLTADO CONTRA O FEITICEIRO - Manoel Ferreira


Referira antes aos apelidos, que tanto incomodam as pessoas, as crianças e jovens estudantes, citando exemplos como o de Márcio Trindade – fomos colegas no ginasial -, de Orlando Martins, sentindo-se incomodado com seu sobrenome do Rego, retirou-o judicialmente.

“Mais sujo que puleiro de galinheiro” significa a pessoa ser capaz de tudo, sem pejo vergonha, medo das más línguas, para ver seus interesses concretizados, não importando ser cafajeste, e por isso o nome está sujo na praça. Tudo o que consegue, a fortuna que adquire é feita de atitudes as mais escusas e espúrias, não por trabalho e esforço, dignidade e honra. Há tantos assim, impossível contar.
Marcinho Trindade, numa conversa que tivemos na Padaria Bel Pão, de sua família, quando fui lá comprar cigarros, tomar café, tentar encontrá-lo, revelou-me haver brigado com colegas nossos por causa de seu apelido. “Se você dá atenção a apelidos, pega mesmo. Enquanto liguei, era chamado pelo apelido, deixei de fazê-lo, sumiu. Briguei mesmo na porta do colégio. Hoje, não me importo mais. Aliás, você é o único a chamar-me pelo apelido, mas não tem qualquer intenção de provocação”. Não me lembrava de suas brigas.
Conversas assim são excelentes para despertar a memória, e conhecer outras coisas que não era sabido.
Quem mais infernizava Orlando Martins era eu, éramos grandes amigos, não havia qualquer insatisfação radical por questões de menosprezá-lo, inferiorizá-lo, denegrir a sua imagem, colocá-lo abaixo dos cachorros, só ironia, só sarcasmo. Sempre chamei Márcio Trindade pelo apelido, até hoje o chamo, mas sem estas intenções escusas. Por que inferiorizar as pessoas? Para mim, quem o faz é que se sente inferior. Se me sinto superior, tenho motivos e razões para isto, há quem me reconheça, há em mim níveis que são inferiores, existindo quem saiba deles. Não jogo pedras, pois as pedras poderão ser-me jogadas. Só descasco os pepinos, o que é diferente de jogar pedras, quando estou com os fatos em mãos, e não podem ser contestados, qualquer imbecil sabe de tudo o que digo, a menos que se deseja justificar. Res-postas ninguém ainda deu, creio jamais o fará.
Há quem o faça e com prazeres inestimáveis. Houve quem chamasse Márcio Trindade pelo apelido com todas estas intenções ao extremo mesmo; rapaz orgulhoso, prepotente, vulgar, sem qualquer cultura, não me refiro à acadêmica, sim às natural, de inteligência inferior, suficiente para viver no mundo; sua especialidade é inferiorizar quem quer que seja. Vivia chamando Márcio Trindade pelo apelido, julgando superior, mostrando a todos sua superioridade.
Que superioridade é esta? Conforme as memórias que guardo em mim de Márcio Trindade, de nossos tempos de colégio, era muito estudioso, responsável com suas tarefas escolares, muito inteligente, sincero e leal com os colegas, tirava notas boas  - não me lembra em qual disciplina, mas me ajudou algumas vezes, as notas nesta disciplina que tirei devo a ele, e eu o ajudei em Inglês. Hoje, homem trabalhador, consciente de suas responsabilidades e deveres, batalhador mesmo, o que construiu foi com suor descendo-lhe no corpo, honesto, na Padaria de sua família, não apenas pelo nome e renome dos pais, um empurrão de amor e carinho. O colega e amigo merece mesmo reconhecimentos, orgulho-me de havermos convivido não apenas nos tempos de estudantes, mas ao longo de tantos anos.
O “rapagote” quem denegria à palavras soltas a imagem de Márcio Trindade, jamais fora estudioso, conforme algumas pessoas me disseram, felizmente não tive um traste como ele colega de escola, foi sempre vulgar, prepotente, imbecil; não sei de seu boletim escolar, mas a julgar por sua vulgaridade como indivíduo e homem foi aprovado em todos os seus anos de estudo nas “coxas”, notas sempre baixas, mínimas. O homem hoje jamais foi trabalhador, jamais suou, jamais batalhou, tudo o que conseguiu foi de modo espúrio, só tem dinheiro, poder e bens, orgulho, mas dignidade alguma. Sempre que o vejo perguntou-me mesmo: “Como pode mãe sofrer nove meses para botar no mundo um canalha deste naipe?”.
Aconteceu uma coisa interessantíssima... De tanto o “rapagote” chamar Márcio Trindade de “Marcinho galinha”, o feitiço virou contra o feiticeiro: passaram a chamar-lhe de “... galinha”, e “galinha” não era exemplo de substantivo em primeira instância expresso, mas uma chacota sui generis: Márcio era pequeno, raquítico, humilde, simples, se fosse para comparar, eu o compararia a uma garnisé, e “... galinha” era gordo, grande, a rainha do puleiro e do galinheiro, mas não botava ovo, e nenhum galo queria saber dela. Uma galinha que não tinha valores, só para ser comida num almoço de personalidades políticas, carne e gordura.
Mas o puleiro desta galinha sempre esteve sujo, e todos que o chamavam, chamaram, sutilmente o chamam. Referir ao apelo sempre fora um modo de lhe dizer com categoria: “a sujeira do puleiro é irrelevante, a sua bosta é que suja tudo, as galinhas cagam suas honestas e naturais merdas e você caga a bosta de sua canalhice”.
A esta galinha suja, esta merda de puleiro, tive oportunidade de lhe oferecer um livro no inicio de minha carreira: “Não leio nada”, disse-me, dizendo-lhe eu: “Assim é que se sabe a cultura de homem”, em presença de seus funcionários . Ficou vermelho, saiu à francesa, diante de mim, diante de seus profissionais. Era eu um indivíduo sem qualquer valor, doido, pobre, miserável, imbecil. Fui embora.
Noutra ocasião, dirigiu-me a palavra de modo depreciativo numa festa de aniversário, querendo denegrir-me a imagem. Respondi-lhe: “não dou a atenção a imbecis iguais a você”. Reuniu seus companheiros, inclusive o marido da aniversariante, para surrar-me, mas minha mulher avisou-me. Saimos correndo da festa. Teria apanhado muito deles, mas lhe diria outras coisas que sabia de seu caráter, mas minha esposa não deixou. Já me empunharam revólver, mandei que atirassem, apanhar era pouco. Não tenho medo de nada. Falo o que penso e sinto.
Quando Márcio Trindade disse-me sobre o feitiço haver se voltado contra o feiticeiro, pensei mesmo mostrar que não só o puleiro seu estar sujo, ser ele a “galinha” que suja o puleiro do mundo com seu caráter e personalidade espúrios, enquanto que Márcio Trindade jamais esteve encarapitado num puleiro, sempre esteve no chão do mundo, lutando, batalhando pela sua vida de modo digno e honrado, querido por nós os colegas no colégio, por seus amigos, íntimos, conhecidos.

Escrevi este texto, indo à padaria para lhe mostrar, não o encontrando, encontrando sua namorada à porta, vendendo sorvete, li para ela, dizendo-me: “Você mostra que conhece e bem o Márcio”. Chegando ao Hotel, estava o rapagote na recepção, encostado ao balcão, o recepcionista disse-me alguma coisa, em resposta à brincadeira dele, disse rindo: “As galinhas nunca sabem em que puleiro ficar encarapitado”. Nada disse. Olhou-me de esguelha. Fui dormir. Estava cansado. No outro dia, lá estava o “rapagote” na recepção do hotel, mas não disse nada. O que dizer? 

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