#O NADA E AS LINHAS BRANCAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA ***



Epígrafe:


"Comi as linhas brancas com os olhos, retinas, íris e pupilas, porque não podia preenchê-las com o si-mesmo de mim"(Manoel Ferreira Neto)
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Estas linhas brancas... havendo carácteres negros horizontais, linear a metáfora delas, indicam que sobre elas é por onde a pena da caneta vai passar, desenhando e arrabiscando letras e palavras, elucidando os vazios, interditos e intenções. clivagens e idéias. Faço alguma ideia do que possam significar? Não me esquecendo de que as palavras não tem "Ser. "O que é isto - estarem, serem brancas?" Engraçado nada saber a respeito, e o mais cômico é estar observando-as com tanta atenção, atenção especial, como manda o figurino nestes instantes-já, TENDO HAVIDO ANTES ALGUMA, NÃO ME LEMBRA, acreditando possa des-velar este segredo dos mais profusos, enigma dos mais intrigantes. Bem, penso sê-lo, quiçá não o seja. Atribuo um segredo no fato de estarem, serem brancas para ser mais fácil o devaneá-las. Nada mais fácil que o mais fácil. A lei do menor esforço. O pensamento não possui o talento de pensar linhas brancas. Não existe isto de o pensamento pensar as linhas brancas que se pensam, isto porque as linhas não pensam as palavras que nelas serão registradas, a expressão de origem. Fossem vazias, não apenas pensaria, patentearia a verdade: esperam ser preenchidas, como o copo vazio espera o líquido para enchê-lo, a sede espera a água para saciá-la, a avenida espera os olhares para observá-la, o contorná-las requer o contorno, curvas fechadas e abertas até o lugar de origem da partida. O mundo e o pensamento, partindo de sítios opostos, contornando o itinerário de curvas sinuosas e breves, se encontram. Mas não. Brancas, o pensamento não pensa o branco, este não possui essência. Palavras não tem Ser, Linhas Brancas tem o Vazio que antecede o branco delas. Contradicções ou Dialécticas? Se não tem essência, é nada. Se não tem Vazio, não existem.
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O que, então, estou fazendo em observá-las? Deveria estar observando o cigarro queimando no cinzeiro sobre a mesa, deixei-o pela metade, aquando percebi estar observando as linhas brancas, a agenda aberta, a caneta sobre as páginas de uma folha e outra, sentado no restaurante Fim de Tarde, Avenida do Contorno, Savassi, Capital Mineira, domingo de chuva fina, Dia dos Professores, tomando um drink. O horizonte não é belo, é nostálgico e melancólico. Devido a isto, não digo o nome real da cidade. A metade que deixara no cinzeiro queimou-se, resta o filtro. Neste instante tão vazio, nada me sobrara senão observar o branco das linhas, as linhas brancas, um modo de ocupar e gastar o tempo, segundos e minutos passarem, a areia ir passando na ampulheta, a cada um dos grânulos dela perpassando na garganta sentir a presença do agora, mesmo cônscio de ser efêmero, de agora em agora o vazio se preenche, agoras preenchem os vazios, outros horizontes se revelam. Este instante será outro, serei outro nos instantes seguintes.
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Metafísicas, apenas metafísicas!... Fenomenologias, apenas fenomenologias. As linhas permanecem brancas, continuo aqui observando-as. Observá-las, olhá-las, não as preencheram. Não sou quem irá preenchê-las. Com que preencher o branco delas? Nada há que o faça. Seria até ingenuidade crer pudesse isto real-izar, um tolo puro seria eu, digno de chacota e escárnio, em praça pública frente à multidão, como nas sátiras os bufões se confessando publicamente, gargalhadas de todos. Ainda mais se houvesse dito: COMI AS LINHAS BRANCAS COM OS OLHOS PORQUE NÃO PODIA PREENCHÊ-LAS, e não porque me faltara a inspiração, houve lapso de intuição, houve lusco-fusco da luz das percepções. Com nada podia preenchê-las, brancas per siempre. Em verdade, sou nada frente ao branco, diante das linhas brancas. Quem me observa, sei haverem alguns estão observando-me, dirá que sou um homem "despirocado", "tã-tã", numa linguagem vulgar e ridícula, pensando o nada e as linhas brancas, aquele diante destas. Houvesse um pintor aqui, dar-lhe-ia esta idéia para uma peça de pintura. A imagem no espelho, fora do espelho, não havendo o objeto que a refletiu, não sendo um autoretrato. Ninguém, contudo, sabe ou imagina o quanto me angustia estar diante de uma linha vazia, não apenas branca. O vazio me deixa faminto, desejo comê-lo, saboreá-lo, o que resta nos lábios ser lambido pela língua, o sabor vazio de sabor. O vazio antecede a brancura da linha, adentrar-lhe é mister. Sinto fome inestimável dele. Dou uma gargalhada altissonante. Absurdo alguém ter fome do vazio para saciar o desejo e carência do múltiplo que ele anuncia. Alguém, sentado à mesa, tomando o seu drink diz: "De onde está chegando? Assustou-se com o mundo?" Aceno-lhe com o gesto da reverência com a aba do chapéu de feltro que estou usando, símbolo da gentileza e diplomacia. Dá uma risadinha amigável, volta a conversar com os amigos.
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Não terá sido esta a questão? As linhas brancas seriam a luz para a consciência do nada que sou. Não haverá mais qualquer dúvida a respeito. Não mais poderei fantasiar algum sentido na vida, per siempre nada. E estas linhas são efetivamente o Nada Branco ou o Branco de Nada. Linhas artísticas do Branco Nada. Poderia intitulá-las com nomes adversos, até mesmo interessantes, mas continuariam sendo brancas, o pensamento não as pensaria, não conceituaria o branco delas, o intelecto dando voltas no cogito em nada esclareceria. Não tenho qualquer capacidade de trafulhar com este jogo. Os naipes são demais precisos, nada há que possibilite uma tramóia. Perspicácia alguma dará conta do recado. Nem mesmo debaixo da manga tenho a carta para vencê-lo. Nada poderia tornar-me vencedor ou vencido neste pôquer. Não me engano, não me iludo, não minto para mim. Há sempre quem acredita preenchê-las, sinta-se orgulhoso, vaidoso de vê-las preenchidas, há aquando concordo com as pessoas nesse sentido, a dor do vazio é alucinante, precisam da vaidade e da hipocrisia para escaparem desta dor, nada melhor do que letras e palavras registradas, havendo quem as leia, com perspicácia e engenho, não se está mais só, o ledor é digno companheiro, mas, de por baixo do preenchimento, o branco inda está presente. A vaidade, o orgulho não permitem que isto seja visto. Não tem a cor-agem de assumir, ser nada diante delas, frente à existência. Nem vazio o é, o nada tampouco o é. Não existe. Olhar-se e saber que não existe isto é loucura. A loucura máxima que agora consigo conceber, verbalizar, é a minha imagem olhando para fora do espelho, não encontrando a mim o objeto que a refletiu. Por vezes, olho-me e pergunto o que mesmo me faz existência. O que me faz existência é ser nada, alfim encontrei a resposta de que tanto carecia. Acho que vou engatinhar na chuva, cantando lá-lá-lá por haver encontrado este tesouro de sabedoria. Sentir que estou "Just Like Starting Over" os primeiros passos das sendas e veredas do "EXISTIR". nas trilhas do Ser e Tempo.
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Sou nada, portanto existo. As linhas existem, portanto são brancas. O homem é a síntese de linhas brancas e nada. Não é mais digno, mais honrado disto ser cônscio? Nada há superior à verdade. ou a descrição de seus esboços.
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Vou seguindo nada, vou existindo. Melancólico, nostálgico. Nostalgias e melancolias são a essência do vazio, cumpre receber-lhes com paciência, deixando o tempo ir passando, o que nele há de cheio, o que enche os espaços nostálgicos e melancólicos, encher a existência há-de. "Sob o sol a roer instantes no tudo mais de nada novo/Em unção ao princípio da própria linguagem/Versionada de simpleza modificadora/
Das regências verbáticas/E substratos de felicidades, lutas, direitos/E flagelos "Apocalípticos" que rondam a humanidade./
Onde devo chegar?...Como um repensante perpetuarei/A retenção do presente de unidade assegurada/Em longo meus primitivos instintos/Subjulgado as sensações variantes/De inexistência e horas de existência/Quiçá um Silfo de maluquice musical/Trespassado sequaz de aspirações..." Nada preenchi com estas palavras do branco das linhas.
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Nada há de vazio. O vazio está preenchido de nada. O instante de vazio foi preenchido com o nada, foi preenchido de mim. Contudo, não preenchi o branco das linhas com o nada. Nada pode preencher o branco das linhas, serão e estarão per siempre brancas.
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Peço ao garçom outro Seagers´com rodelas de limão e gelo, não no contorno da taça as rodelas, mas boiando ambos no líquido, alguns grânulos de açúcar sobre, uma colher média de chá de açúcar. Uma mocinha escorrega na calçada, toma um tombo, levanta-se, bate as mãos na calça molhada na água que escorre na calçada, apanha a sombrinha, segue o seu itinerário no ocaso da tarde. Naquela performance de lagartado e lerdo, observo as luzes da avenida acendendo-se, a chuvinha caindo lenta, pensando naquilo de "É devagar que se chega lá!...", como os mineiros respondem as vezes que dizem eles serem lerdos a alargatos. O garçom liga o som, toca Marbletown, Mark Knopfler. No seu ritmo, vou ouvindo os sons das palavras, melodias e ritmos dos vernáculos eruditos, acordes clássicos, quiçá em nível de NUVENS, de Aristófanes, outra olhadela de cliente dizendo: "Está muito triste. Pegue um táxi. Vá para casa." Balanço a cabeça, afirmativamente.


#RIO DE JANEIRO(RJ), 25 DE JUNHO DE 2020, 14:03 p.m.#

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