#LETRAS VELHAS E MIGALHAS DE PÃO SECO# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: MONÓLOGO PROSAICO ***



Epígrafe:
"Porfiam os ecos na solidão
Com ares de imediata remissão
Sem constrição, do espesso às sutilezas
Cresce-se, cria e o irrevelável se revela
N'uma canção silenciosa
Certificadora da luz-da-vida."(FONTIS, Graça. In: Az-viando Caminhos, RJ, 2020)
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Letras velhas e as migalhas de pão seco, por caírem todas juntas no solo, antes que as pudessem segurar por um minuto mais, cairiam nas águas, fazendo o barulho que não consigo expressar em palavras, mesmo recorrendo a todas as intuições de poemas; ouço o cair de todas juntas no chão, disse antes “solo”, fluxo de imagem, e isto não tem qualquer importância, imaginariamente que seja, quando os pingos de lágrimas enegrecem os caminhos de pedras... denigrem os caminhos dos escravos...
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Seria isto, em verdade, o que estou buscando expressar desde tempos imemoriais e até este minuto em que me vieram à mente idéias e sentimentos por os ter perquirido? Fundamental para a compreensão o que é este mero vínculo de sentimentos que me afloram espontaneamente, por mais incrível que possa parecer, por "increça que parível", e todos os argumentos nada mais têm a dizer senão que é a verdade; incrível que, se me revelam o único mistério, este que sei lá o que é, rio-lhe nas faces, perguntando se é o único, que outro então lhe legaria este poder, de ser o único... Para o único o juízo de alguém é imprescindível!
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Os poetas dizem as estrelas brilham para velar o ossuário da terra... Digo, quem sabe até plagiando, encontrando outras palavras que conservem a idéia: "o mero vínculo de sentimentos, dado ao sossego das folhas de árvore qualquer nas serras, brilha ao sol de minhas alegrias, embora um pouco contidas, por esperarem outras noites que virão, envolvendo-me como a visão nítida de letras quaisquer numa folha de papel, que fosse misteriosamente minha." "Porfiam os ecos na solidão/Com ares de imediata remissão/Sem constrição, do espesso às sutilezas/Cresce-se, cria e o irrevelável se revela/N'uma canção silenciosa/ Certificadora da luz-da-vida." Embora toda a parafernália da linguagem e estilo, expondo com mais veemência a metáfora, os sentidos são "ad versus", a poética torna-se metafísica das velas que instigam poetas a deixar a pena em suspenso, ouvir a luz da canção silenciosa, o som de suas faíscas, o ritmo de suas flamas, a melodia de seus raios.
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Para as almas insolentes e meigas, como a minha, o aceno gentil e educado, a voz inédita e implícita de todas as coisas nascem do silêncio. Não é de mim que as palavras não podem expressar o que desejo tanto, deixam-me um vazio na língua, a cabeça oca, a boca semi-aberta esperando algum som saindo da garganta, mesmo que som algum seja revelado, se assim posso dizer. Para que estar calado com vontade de gritar? Para que gritar, se o melhor é ficar calado? Há coisas que se gritam e há coisas que gritam a si mesmas, e neste caso último que muvuca não deixam em todos os cantos e recantos.
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Mesmo quase o avesso, sois parte do que minh´alma almeja escolher como nova morada - oh, meros vínculos de sentimentos!... -, imaginar, a pedido de minha intenção, o retrato-guardião do riso ingênuo, sorriso infantil. Queria eu uma caverna, igual à que as vaidades arraigadas sustentaram um mundo de idéias. Queria eu um bosque por onde devanear por alguns momentos por entre as árvores, vegetação íngreme.
"Exílio sem luz, horas de lamentos
Perpassos sombrios anterior a risos
Por conta dos sons que eu,
O dia e a noite colhemos.
Pó de constelação sobre caracteres audíveis
A transcenderem o limite do vazio
Que esse chão sem prévia
Esculpiu."
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As molduras na parede marcam o tempo suspenso no caos. Lembranças, recordações de momentos de circunspecção, mergulho na caverna psíquica, quê despautério, mas dera origem à pintura. A pintora encontra-se no momento na sacada de sua residência, assistindo ao evento da Vesperata, esquecida de duas de suas peças estão suspensas na parede deste botequim. Já tomamos um vinho com deliciosa carne seca com aipim, falando sobre a caverna psíquica em suas peças, em tom irônico e sarcástico dizendo: "densas alianças das moléstias."
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Às vezes, sinto-me perdido no meio de um sorriso. Não faço sucumbir a palavra ao fosso onde enterrei a carne.
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O portão de entrada, se fechado está por cadeado, a porta de entrada escancarada, após subir quinze degraus, por chave, indo re-colher-me, e eu tão aberto, peregrino da solidão, espero a noite e não haver escuridão – que idiotice esta, não há qualquer noite em que a escuridão não esteja presente, a escuridão é parte da noite.
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Eu no escuro nu do quarto, quando dormir quero sonhar a licitude da alegria e do júbilo. À procura da lua ou talvez de mim num piscar lento, boiando aos luscos fuscos do olvidamento de quem insisto em ser.
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Não desejo versos no céu. Seria esquisito ler palavras nas alturas, dentro de formas diversas, escritas a gosto e estilo dos poetas, de rimas ou não, da nova moda de enfiar idéias e pensamentos na linguagem poética, isto não é poesia, isto é "descascar bananas" filosóficas. Toda moda passa. Com certeza, não levantaria mais os olhos à noite, fora de casa, não me seria possível ler uma palavra sequer. Ademais, sentir-me-ia perdido e confuso com a ausência das estrelas todas, o céu entupigaitado de palavras, a lua a iluminarem os cantos inúmeros do mundo, a velarem o ossuário da terra. Seja-me consentido fazer, do que dizem os poetas, recurso para "cofiar o bigode."
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Não sigo à risca o silêncio que faz gritar as não-palavras da perdida sensatez. Não sigo à risca, para explicar a dosagem conveniente, o desejo do sentimento de embaraçar os entremeios de uma ilusão, quimera, o mero vínculo de sentimentos. "Toadas melódicas amainam/Regimentam passagem a ponte de turva areia/Sobre águas rasas murmurantes/A frente, ramas e tramas entrelaçam-se/E o mar relevante as tintas contingenciais/Tonalizam e tematizam seu toar marulhante/Aquarela audível/A linguagem invernal nunca dita..." Medidas faltam para encontrar os extremos. Tenho procurado por mim, sem ousadia alguma em tecer quimeras, em ignorar que só saberei do dominó que vesti, noutros tempos diferentes a este em que me encontro agora, ouvindo o riso do vento diante de mim, aquele riso escroto, sensaborão, aquele que faz escorrer saliva no queixo.
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Gênio, nem pensar... Feliz demais para sê-lo. Nem é preciso que a História “capracheie” o registro de mim, capracheado rigoroso, "ninguém pode negar." Disto não preciso. Não julgo palavras inúteis estas que estou a falar comigo, enquanto sentado a uma mesa de barzinho, tomando uma cerveja e uma “branquinha”, no Beco das Caveiras, pensando nas contingências da existência, olhos perdidos na distância da rua, e todos dizem que insano fiquei, este seria o destino que os céus escolheram para mim, não houve como me furtar a esta triste condição, condição de "quando sei o sonho do "eu" e "tu", quando descubro a existência, a paixão por ela: "o homem é uma paixão inútil", a "existência é uma paixão sublime", o tempo se torna bem resumido para o que desejava patentear." Haverá o aceno de adeus, o que é "existir" se consumará. E para rimar, quem sabe "à beira-mar." Não julgo inúteis estas palavras nem as que digo nem as que me inspiraram o espelho e o raio de luz incidindo nele.
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Escuto o riso da ampulheta, diante do tempo – o vento invade-me a voz que é sonho, desejo da mente que é imensidão. O espelho procura por mim, buscando aprimorar sem ousadia a imagem – desço pela janela do que se tornou inevitável, como a taça que se estiola no chão e eu não quero ajuntar os pedaços. Não posso me escusar do que fiz de mim, noutros tempos a lucidez que preparava a consciência.
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Conjugo no tempo o verbo no infinito da primeira pessoa. O espelho mostra o contorno de saudades, o bocejo de ansiedades que fizeram o retrato da noite. Driblo o tremor que avassala o sono engomado.
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Qual a licitude dessas palavras? – não disse antes que eram letras velhas?! Enquanto não acenar o adeus a este lugar zagaio, todo o resto serão velharias consumadas. Eu no amor que carrega o vento, na alegria que brinca de esconde-esconde no céu que mesmo perto fica tão longe... Eu subalterno do meu eu, às vezes inteligível, na maioria delas hermético, obscuro. Sou também cobiça que busca inquietação no desajuste entre a metafísica que não angustia, apesar da dor, no desequilíbrio entre o verbo que dilacera os medos e a metáfora que liberta as moléstias da psique, e cada sorriso matinal. Metafísica e Sorriso Matinal! Hajam compêndios para registar o "mero vínculo de sentimentos" que reside neles! Nada há de mais singelo.
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Qualquer mero vínculo de sentimentos é pedaço do vazio que o tempo sela na eternidade, inebriando um ponto vivo diante da imensidão, descobrindo que o eterno é também do efêmero.
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Tudo será intervalo necessário a menos que os relógios interrompam os segundos acocorados no tempo, ignorado em sonhos, pasmado dos risos incondicionais que nas esculturas choram o amor eximido de enxergar a felicidade ingênua.
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É a montagem da vida no papel que consome o verbo, ficando sempre a incógnita da intuição que vai completar a presença imponente que faz as voltas do tempo, a quimera e utopia que vão complementar as náuseas e vazios hodiernos. No outono, antes de primavera outra, o olhar não intimidava nem retorcia no tempo conjugado do verbo, preenchendo o vazio das respostas às perguntas que perpassam o espelhar os projetos superpostos na indagação.
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Verbalizo a verdade por traduzir presença. O rumor do silêncio começara a invadir o limitado ínterim do tiquetaque. Estava ocupando os espaços intercalados entre o tique e o taque.
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Nasce uma ópera sem silêncio, preenchendo, dominando, ocupando o espaço que é por direito do rumor dos desejos e vontades atravancados no peito, da algazarra que ensurdece as utopias e quimeras sarapalhadas no inconsciente. Não adianta tapar os ouvidos. São os pingos da tempestade que caem nas telhas.
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Qual seria a infelicidade para quem julga compreender estas palavras velhas? Tão velhas quanto este botequim no Beco das Caveiras. Patrimônio Histórico. Ah... ah... ah... Não sei. O que velho pode ser infeliz? A velhice é transluzente felicidade, há sempre outros brilhos que ascendem o que é existir.
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Algumas pessoas se afogam em rios de águas correntes?
Estou "pelejando" em chegar à superfície.
#RIO DE JANEIRO(RJ), 15 DE JUNHO DE 2020, 10:15 a.m.#

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