#MELHOR A HONRA QUE SE REFLETE À DESONRA EXPOSTA À OPINIÃO ALHEIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO $$$




Os homens somos eternos questionadores, “devotos” dos porquês! (Pobre de quem não pergunta: nada tem dentro de si, vive dos medos das respostas, vive na escuridão dos desejos e vontades, vive imiscuído nas incertezas atrozes do sonho e frustrações, esperanças e desgraças!). A pobreza dos homens, hoje, ultrapassa todos os limites; ninguém se dis-põe às perguntas, ninguém se angustia com a ausência de respostas, ninguém se entristece com as culpas e equívocos, jogam com as cartas dos interesses a morte do outro, fazem merchadising da morte, das pandemias; estamos todos enchafurdados nos prazeres materiais – tanto melhor, pois que nada nos exige, nada nos obriga, não sentiremos qualquer dor ou sofrimento de uma busca verdadeira.
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Onde estou, infeliz de mim? Que escuridão é essa, que trevas me rodeiam? Estou no paraíso de minha inocência ou no inferno de minhas culpas? Estou no vale de minhas ciências ou na sarjeta das maledicências, ingratidões? O que oscila entre o espelho e a memória? O que desaparece na curva do tempo? Quem me toca? Ó tu, quem quer sejas, que estás aqui comigo, ao me lado, presenciando tudo, se é que tua alma admite qualquer espécie de súplica, de rogo, as mãos de pedinte a mostrar-te, suplico-te, já que dispuseste de minha reputação, dispões também de minha vida. Nada custará teu obséquio e finesse em atenderes-me. Obterás teus resultados dignos, desfrutarás de grandes prazeres, degustarás alegrias inomináveis.
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Estou pronto a deixar-te reconduzir-me à meia-noite, a qualquer hora, encapuzado ou de olhos vendados, aonde tu quiseres para comunicar a notícia de minha boa sorte, juízo não me aprouvera possuí-lo, escolhi os caminhos tortos, sorte tive-a às pencas, sobrevivi aos dilúvios, retirando-me a venda dos olhos num quarto escuro, iluminado apenas por uma lampadazinha, colocada numa prateleira, mas esplendidamente mobiliada com sofás do brocado mais rico e tapetes persas do mais custoso feitio.
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Não tens noção ínfima de as dores atrozes que perpassam as entranhas são de não saber dizer os sentimentos de mim, faltam-me as palavras precisas, falta-me saber conversar, preciso destravar-me, a empresa é complexa, tornei-me estrangeiro por medo de incompreensões, apesar de haverem estado presentes em todos os momentos, perder nelas o que me é precioso, sinto vontade de dizer algo, inda que poucochito. Se pensas isto ser muito pouco, merreca, cientifique-se de que o "espírito maligno" que em mim reside tergiversou sobremodo o itinerário traçado para a aquisição de um conhecimento do que é isto - existir, existo sim, mas as irreverências não permitiram deixar traços "sustanciosos". Não compreendes. Difícil para mim expor, o entendimento não se realiza nem na consumação dos tempos.
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Convido-te, sem mais preâmbulos, a exibir aos teus olhos a lisonja abjecta e insignificante da dignidade de tomar conhecimento de minha pessoa... Sem espírito nem finura, tenho eu, entretanto, certa falsidade natural, certa hipocrisia de etiqueta, certas simulações, disseminações de estilo e personalidade, se ouso exprimir-me assim, que, por vezes, me espanta a mim e que dará êxitos tanto maiores quanto minha fisionomia oferece a imagem da candura e da ingenuidade.
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Não crês nestes momentos de entrega às reflexões profundas do sentido de existir, são as esperanças a bússola a indicar as trilhas, aposto em algo que vai além da esperança, o espírito da vida responde às carências, eterna continuidade de sonhos, mesmo o homem sendo efêmero, aposto nele e continuo a jornada... Compreendes que a sorte me privilegiou, legou-me persistir, às intempéries, o espírito da vida. Envio um aceno para quem não sabe o que na verdade mais desejam, mas querem sabê-lo.
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Não, o sonho não ultrapassará este quarto, a esperança não irá mais longe que o fim da rua principal, a mentira cairá como uma guilhotina, as farsas, falsidades desembocarão na sarjeta imunda das avenidas, o racismo permanecerá fiel a si mesmo, as hipocrisias nos recantos e cantos dos lares cintilarão com excelência, as asas da corrupção ultrapassarão séculos e milênios num voo de prazeres e felicidade, lava-jatos funcionarão a carvão molhado até a consumação dos tempos.
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Onde as gavetas se abrirem de luto, a casa se confunde com a morte num ESPELHO que se turva. Em cada lembrança transporto pedras do riacho para o alto das paredes. Em cada pensamento as trilhas palmilhadas, resta-me a expressão, o retrato de um destino. Tudo o que fazem os bosques, os rios ou o ar tem lugar entre as paredes que creem fechar um quarto.
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Seria bem feliz se a escuridão da madrugada que se fez presente durasse para sempre, sem que meus olhos voltassem a ver a luz do mundo e que este quarto, onde agora estou, silêncio íntegro, sirva de sepultura para minha honra, pois é melhor a honra que se reflete, pensa o itinerário percorrido e o que terá a percorrer, à desonra exposta à opinião dos outros.
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Está a amanhecer, e continuo sentado à cadeira, pés sobre a mesinha, olhando para fora da janela, cão ladra na casa vizinha, pássaros trinam seus cantos...
#RIO DE JANEIRO(RJ), 29 DE JUNHO DE 2020, 05:53 a.m.#

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