INTERIM DE OLVIDOS E JAMAIS GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***



Encolhido num canto da Igreja, olho pela janela para os campos distantes e claros e para a estrada, que foge em meio ao brilho frio do lugar.
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Outras palavras não me saem, como se não mais existisse em mim o anterior sentimento de ternura, substituído que fora por sentimentos de não. Os olhos procuram algo, e sinto, de repente, que não meço esforços de encontrá-lo – esse algo é amor, amor novo, amor verdadeiro e real, não apenas duas assinaturas no cartório.
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Pertenço-lhe todo e sou feliz com a força dele sobre mim.
Se me fosse possível, fosse-me dado dizer outras palavras, quem sabe não teria expressado o que perpassa as linhas anteriores, preenchendo dois parágrafos. E o importante é que as tenha dito, e o esforço é ampliar a visão de algo sublime e divino que se distanciou tão logo a aproximação, deixando-me nos lábios o desejo de segui-lo, sem olhar para trás, em direção ao horizonte longínquo. Desejo poder sentir de novo o que me foi anunciado, enquanto, cofiando a barba, ouvia a homilia da cerimônia, presidida pelo arcebispo - após a missa, fica esperando fiéis irem beijar a sua mão. Vaidoso, prepotente...
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Não consigo rezar, dirigindo um olhar embotado para os ícones, velas, a cruz bordada nas costas do sacerdote, a iconóstase, a janela da igreja, e não compreendo bulhufas. Sinto que me acontece algo inaudito. O que seja não posso dizer única palavra que defina esse minuto, faltam-me os termos que desfilam na mente, sem condições de reuni-los.
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Quem sabe seja conveniente agradecer a Deus por isto!
Neste mundinho peculiar, loucamente feliz, ressoa tão estranhamente vozes vindas de alhures repassadas de gravidade e etiquetas, que, com frequência, não me contenho e somente rio, sorrio, se assim desejar, em respostas às fantasias e imaginações que me percorrem o íntimo.
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Rio. Sorrio. A cerimônia continua. Esqueço-me. Deixo-me livre, não me importando com os sentimentos de antes, o desejo de seguir o que se distanciou. Por que? Por ser preciso manter a abertura infinita. Experimento uma oração pequena, pois a voz do arcebispo, seja do cônego, do padre, atrapalha-me, e todo segundo preciso retornar a palavras anteriores, buscando tecer a mensagem divina, a de eternidade.
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Aliás, após a homilia, se não tiver o folheto em mãos para rezar o Credo, seguindo junto com o presidente da cerimônia e os fiéis, não consigo fazê-lo. Perco-me. Se não o tenho em mãos, silencio-me, prestando atenção às palavras, participando intimamente.
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Amiga íntima, numa conversa, após a cerimônia, disse-me que assiste toda a missa sem fazer qualquer oração. Terminada a cerimônia, ajoelha-se e reza com todo fervor. Na presença de sua intimidade, agradece a Deus por suas conquistas, por sua vida coberta de glórias e sucessos com a sua Pintura. Pede-Lhe que a ilumina. Ao sair, ninguém mais no interior da Igreja.
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A música é o melhor e mais amado prazer, atingindo cada vez novas cordas no coração e como que tornando a desvendar um e outro mistério. Observo os cantores e músicos que executam os cânticos que embelezam e anunciam o amor de Deus no coração. Procuro surpreender-me no rosto os vestígios de sons, ressoando com maior nitidez as vozes, tendo a impressão de distingui-las uma a uma, fazendo-as falar com júbilo ou angústia. O sangue aflui-me ao coração, quando intuo o vazio de suas vidas na estação de águas.
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O fogo percorre-me as veias, a visão brilha, eu tremo, e as palavras tocam as cordas vocais com carícias e carinhos.
O próprio céu, coberto de estrelas, olha os jardins com sorridente satisfação, como se estivesse contente por ver que a natureza é capaz de reter um espaço vital nas sombras da escuridão, ninhos de pardais escondidos no escuro das árvores. Um impulso me impele, como se o coração estivesse tão cheio de amor que fosse necessário esvaziá-lo um pouco para poder respirar.
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Beleza irreal anima-me o semblante. Esta transfiguração só pode ser interpretada, isto se houver necessidade de mergulho nas palavras, como reflexo de felicidade interior. As rugas do rosto, os cabelos grisalhos da cabeça e barba, o aspecto amargurado, angustiado, entristecido, vão-se desmaiando, e sinto a tentação de argumentar com o Tempo que, furtivamente, e a despeito de tudo, me vai aumentando a idade, tornando-me velho, e a morte se anunciando mais e mais. A velhice não me incomoda. Disseram-me na juventude que os velhos são portadores da sabedoria e inteligência das experiências.
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Naturezas como a minha, cuja única aspiração é a contemplação do Belo, mereciam o mais suave destino na terra. A claridade da lareira conforta a inúmeros indivíduos que se agrupam em torno, sem se preocupar com a personalidade.
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As Palavras de Deus, hora da Liturgia da Palavra, afagam os inúmeros sofrimentos e dores que habitam todos os que estão presentes, não mais necessitando de anunciação das profundezas que buscamos os homens em outros momentos, longe e fora da igreja.


#RIO DE JANEIRO(RJ), 13 DE JUNHO DE 2020, 09:26 a.m.#

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