#MISTÉRIOS QUE NÃO SE ENTREGAM# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***




Era um espaço sem limite, sem contorno, sem cor. Era um espaço!...
Por cima iniciava-se uma claridade, subindo espalhada ao estilo de aurora, diria a polar, acaso pensara na estrela - pensamentos embrulhados em idéias passam, repassam, tornam a passar en passant, como reconhecer o que pensara? -, o que auxiliou sobremodo por me indicar bem o que perpassa a alma, uma luz difusa, constituída de faixas e arcos brilhantes e colorida, que se observa quase exclusivamente em altas latitudes geográficas, e é produzida por corpúsculos emitidos pelo Sol.
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A claridade, subindo espalhada ao estilo de aurora – enfatizo isto, logo de início, e se me questionar o porquê de fazê-lo, a resposta bem simples é, outra não sendo senão que não sei; talvez por me haver preocupado com o que antes houvera imaginado, ou intuído deveria dizer, sendo necessário descrever em poucas palavras o que perpassa a alma, - cada vez mais branca, mais luzente, e mais radiante, até que resplandece fulgor tão sublime na luz um sol cintilante seria...
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Pergunto-me assim angustiado, deprimido, melancólico, nostálgico, triste, quem sabe todos estes estados de alma reunidos, nem a olho de lince possíveis de distinção, definição, o por quê só nas palavras pudesse reconhecer a mim, sentir no peito amor por não sei o que mais senão pelos homens, pela humanidade... Por que só através das palavras iria reconhecer o para quê venho existir neste mundo para o que der e vier, longe disto o para quê venho, apenas, solitário, exilado, um nômade?
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Ah, iria já soltar uma comparação das mais chinfrins só para não pensar, imaginar, espremer os miolos na tentativa de compreender e entender estes minutos longos que não passam, numa tarde de domingo, a luz acesa nas minhas costas, a sombra do rosto refletida na parede debaixo da mesa, cada vez mais baça, mais fusca, mais cinzenta.
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Além, a neblina coroa uma serra com um radiante nimbo de santidade. Até dizem que se seguir a neblina, vista do lado de cá das serras, irá encontrar o rio que leva as águas. No percurso da neblina, o rio segue sem margem, sem pressa. E é essa a imagem que aprendi, não sem esforços, lutas, sofrimentos, com muito deles, a contemplar, a imagem que possa dizer algo de mim, do que sou, de que represento neste mundo em que vim habitar, vim buscar o Ser que se faz continuamente, e a continuidade é também o Ser.
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E o mar, nos confins do mundo? O que dizer neste instante em que intuo a ideia expressa nos verbos? O mar, nos confins do mundo, faiscando, tudo encerra como uma tiara de ouro.
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Neste espaço fecundo toda a Criação se espana, com a força, graça, rebeldia viva de uma mocidade de alguns dias, diria apenas cinco – não sei porque seria apenas cinco, porque escolhi este número, podendo acrescentar dois a mais, sendo sete, e este número se contemplado na dimensão da espiritualidade milenar e secular muito tem a dizer e a revelar, até que... ninguém nunca completou as reticências, não sou quem iria fazê-lo com categoria, a muito custo e esforço em nível vulgar e chinfrim, deixo nas entrelinhas, quem sabe além delas, nas linhas – ainda quente das mãos de seu Criador.
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Para além, sem limite, sem contorno, fundidas nas neblinas, fogem descampadas solidões, de onde rola um vento lento e úmido, deixando um tremelique por todo o corpo. Chovera não faz muito, começara pelo fim da tarde, terminando pela madrugada – lembra-me quando cessara, as quatro e vinte e cinco da manhã, encontrava-me na cozinha tomando cafezinho para acender mais um cigarro, estando eu sentado, aquele frequentemente sentado à cadeira de balanço, olhando a tela do computador, desejando idéia e intuição que me fizessem sentir os ares além destes que respiro a todo instante...
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A aurora desponta, com ardente pompa, comunicando à terra alegre, à terra corajosamente em paz, à terra sem andrajos, à terra sem sepulturas, uma felicidade superior acompanhada de alegria ainda mais divina, mais grave, religiosa e nupcial.
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Creio que em primeva instância esteja percebendo o universo, intuindo a existência de mistérios que não se entregam, ao contrário, pedem a entrega, a contemplação. Seria apenas um ou alguns? O mistério insinua-se, convoca. É e está. A música que ouço também pede a entrega, a contemplação, ritmo à lá Shangrilá, oriental, lembrando-me a doutrina do monge Thich Nhat Hahn. Sinto-me pequeno, muito pequeno, muito mais do que ousei imaginar.
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Acaso poderia dizer com categoria, arte e engenhosidade o que ousei imaginar, isto pensando que fora pequeno, muito pequeno, sentia-me pequeno, muito pequeno, poderia, ao menos, traçar uma imagem difusa, perdida em alguma aurora polar, e a estrela de mesmo nome seguindo-a viva, forte...
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Não o sei. Aliás, se me pus a explicar neste estilo e linguagem é que mesmo com esforço além das possibilidades não poderia responder, por isso busco a palavra certa, aquela que não resta a ninguém qualquer dúvida de que fora colocada no seu lugar, expressou o que o espírito ainda só intuía em sua dimensão ainda mais transcendente...
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Ah, este sentimento forte!... Quanta vez o desejei assim, vivo, forte, e jamais o alcançara, e nos olhos o brilho da tristeza e da ausência de felicidade! Será poesia pura? Será prosa identificando os elementos da poesia, o que me vai dentro que transformo, modelo? De que preciso? Tema? Rima? Métrica? Ritmo? Figuras? Imagens? Verbos? Luzes?
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Silêncios? Onde está a palavra que necessito usar, registrar neste momento para que seja a poesia pura que tanto anseio por registrar e que me modifique, vire-me pelo avesso? Se não vira o homem pelo avesso, não possui qualquer sentido.
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Toda a luz e toda a sombra, desde o Paraíso fulgente ao Purgatório crepuscular, se contraem num recolhimento de inexprimível amor e terror. Aqui e além, muito solitário, muito silencioso, com uma vida toda por se anunciar, apenas surdamente revelada por verbos e luzes que se revelam aos olhos que buscam incansavelmente os mares resplandecentes, todas as aves voando pelos ares aclarados, todos os animais pastando sobre as colinas viçosas, e os regatos regando, e o fogo armazenado no seio da pedra, e o cristal, e o ônix, e o diamante muito esplendoroso das terras refletindo nas calçadas, paredes das casas importantes e esquecidas no tempo, daqui a algum tempo nada mais sobrará delas, senão o espaço vazio, quem sabe completando o cenário de algo esplendoroso que fora esquecido nas curvas de interesses e vontades particulares, tornando-se ainda mais belo e resplandecente.
#RIO DE JANEIRO(RJ), 13 DE JUNHO DE 2020, 07:44 a.m.#

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