#ESPELHO NÃO ERRA PORQUE NÃO PENSA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***



O espelho reflete certo, não erra porque não pensa. Errar é essencialmente estar cego e surdo.
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Espero há muito tempo. Por vezes, tropeço, perco a mão, deixo de acertar. Isso pouca me importa a mim, estou só nestes momentos. A Águia Nívea alça voo lento e sereno, irá pousar na grimpa do flamboyant, de lá soltando o seu grito, a sua liberdade. Assim, acordo no meio da noite e parece-me ouvir, ainda semi-adormecido, movimentos de águas a respirarem. Não existe pátria para quem se desespera e, quanto a mim, sei que a serra me precede e me segue, e minha consciência, de meu inconsciente a Deus, estão ambos sempre prontos. Aqueles que se amam e são separados podem viver sua dor, mas isso não é desespero: eles sabem que o amor existe nalgum sítio onde os passos do eterno continuam a jornada, sempre para frente. Espero ainda... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos, pensar uma flor é vê-la e cheirá-la.
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"Do re-verso da alma, dos versos de palmas."
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Passado sem vírgulas entre ad-vérbios temporais. Eterno eterniza nonadas perdidas nos vácuos. Espelhos espelham imagens projetadas no infinito. No finito in-finitivo do vazio, metáforas cintilam, metafísicas fosforescem. Nos gerúndios particípios das angústias, linguísticas brilham. Sou quem não sou, não sou quem. Pervago nas estradas de poeiras semânticas sozinho. As esperanças devem acompanhar passos comedidos. Cogito ergo nom sum nos universos. Semânticas ilusões preenchem espaços, distâncias campesinas. Verbos verbalizam sendas longínquas do ser.
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Mentes mergulhadas em verdades inter-ditas de sombras a envelarem horizontes, de brumas a encobrirem universos, de trevas a esconderem o silvestre da floresta, as margens do rio; almas chafurdadas em esperanças entre-laçadas de vazio e nada glorificando o Apocalipse da In-dignidade e des-honra, louvando o Hades da Proscrição e Heresia, ideais entupigaitados de nonsenses do sonho, enaltecendo as primevas trevas do mundo, em cânticos mefistofélicos da maldição, ódio, insensibilidade, sem valores - alma penada vagando em túmulos do poder, sem virtudes - instintos condenados perambulando nos epitáfios de tabernáculos à luz das imagens sacras sem ética - carne sem ossos, rogando o verbo da plen-itude, a verbalização da essência absoluta do divino, sem moral - cinzas dos princípios primevos re-nascidas nos umbrais da amoralidade que seduz os dogmas da indecência, corações perenecidos de utopias de ideologias, interesses espúrios da alienação, ausência da fé de as bem-aventuranças salvarem o eidos do sublime, In-sensibilizando as dimensões trans-cendentais dos desejos de liberdade, vontade da divin-idade, ossos, cinzas, nada, des-carne das ilusões que, nas fontes do uni-verso além das con-tingências, alimenta-se de a-nunciações do gozo de serem sementes de gerúndios de sonhos, indicativo presente do Ser-com a vida, Ser-para-a-morte, palavras, versos, re-versos, in-versos, estrofes acorrentadas de símbolos, signos, metáforas ao secular, milenar gozo do abismo inaudito indizível "Ad perpetuum nihil"...
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A tarde não cai sobre a serra; emerge do fundo das águias, que desfiando os gritos de louvor e paz, as três, em uníssono, por breve instante, permanecemos solitários por cima do acinzentado da serra. Aqui só há uma fonte, onde o grito das águias se reflete; entretanto dentro da fonte há a serra, o vale, a colina. Ao entardecer, um cântico nos precede durante longas horas...
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Sinto estar fora do que imaginei, tudo o que escrevi, embora desejasse expressar o in-audito, o Absoluto faltou-me. Vale sentir, para minutos depois, dizer: “Apenas criação...” Eu, que só me satisfaria com a alma nas palavras, regressado à dimensão original de mim, relação imediata de uma profundeza a outra, entendo que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.
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Pérfida, a dissimulação ensina às serpentes as palavras chinfrins, desprovidas de qualquer inteligibilidade. As vozes estremecidas afrontam artifícios do outro. Retiradas, as ambições convergem discrições, cujo medo os obséquios amortecem as convivências.
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Cravo os olhos no papel, sem ler, sem fitar linha alguma, uma palavra única. Enrolo e desenrolo um dos cantos da lauda. Sorrio. Sorriso de aquiescência, sem convicção, espontaneidade. Por mais ridícula que pareça esta confissão, por mais grosseira seja a sua pele, a verdade é que não sei se é verdade uma utopia haver construído esta imagem de todo o processo de criação, de construção de estilo, linguagem até mesmo em linguagem outra. Reuni preocupações, situações em que me encontro envolvido, emoções.
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A vida, aos sons de imagens dispersas e sinuosas, mostra sua fragilidade, sua investida em deixar não só recordações mas o orgulho de sua verdade.


#RIO DE JANEIRO(RJ), 23 DE JUNHO DE 2020, 11:10 a.m.#

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