#DA IN-FECÇÃO À ESCLEROSE MÚLTIPLA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA SATÍRICA ***



Ah, sim, gostaria de com-partilhar com alguns, muito poucos, e só Deus saberia o por quê, algumas gargalhadas a plenos pulmões, risinhos de soslaio, risadas diplomatas e estratégicas, isso se considerar sejam pensamentos e intuições de um ser humano, se de uma anta quadrada, só Deus saberia também o por quê, dizer as diferenças de um e outro, e se fizer qualquer menção a isto serei condenado a tecer outra rede do último nó até ao seu início, sem desmanchar um só ponto, também Deus sabe o por quê gratuitamente doou este dom...
***
Deixemos de preâmbulos, introduções e escusas as mais diversas, e digamos que só resta a alguns saírem dividindo as palavras aleatória e inconsequentemente, dizendo assim que estão transformando o sentido das palavras, dando-lhes o seu real valor, isto dentro de certos princípios intelectuais, que não interessam a ninguém e nem a mim, a mim então nem se diga, não interessam a mim estas ruguinhas, esgares faciais, contudo, se olhadas de soslaio, divididas e até colocadas em negrito e itálico, enfatizando que o vocabulário está muito modificado e humanizado, que, enfim, encontrou a expressão do momento, e todo o resto não interessa mais, pode-se dizer algo diferente e inusitado, algo que compromete até a medula espinhal.
***
Aliás, devo lembrar de antemão e revezes que afirmara “resta a alguns saírem dividindo as palavras”... Disse-o. Se houver alguma dúvida, é o caso de in-vestigar, lendo, desde o início, o parágrafo anterior a este. Não resta qualquer.
***
Se houver alguém que ao escrever “infecção”, dividisse-a, “in-fecção”, colocando ou não as aspas, mas usando o hífen, para mostrar que os seus conceitos acerca do mundo e da realidade se evangelizaram, não há de se crer, em hipótese alguma, que a sua inteligência e cultura, imiscuídas nas entranhas mais sórdidas do intelecto, estejam crescendo, e muito menos iriam fazê-lo, dariam crédito total e absoluto à linguagem vulgar: “quem tenta imitar o que não é imitável, acabará sendo ridículo”.
***
Não faria isto nunca. Será entregar-se de graça e falta de propósito numa bandeja. Se alguém fosse in-vestigar muito profundamente a palavra escrita, de modo normal, respeitando os princípios clássicos e eruditos da língua, dissesse, então, que, embora não a escrevesse, separando-a, mas nas entrelinhas, com um risinho de escárnio usara, para ridicularizar e espezinhar alguém que o faz de modo espontâneo e singular. Negaria, de pés juntos, que não tivera essa intenção, mostrando os porquês e entretantos por não o ter feito. E por quê?
***
Aí está o escárnio, provocando os risinhos, gargalhadas, sorrisos, e tudo o mais que se possa imaginar ou criar, a respeito desta questão tão singular e originalmente dizendo, se não se acreditar nisto é só nas entrelinhas intuir o além das linhas, como dissera alguém a respeito de um seu amigo a quem adorava e venerava por sua enorme capacidade de brincar com as palavras, jogava-as fora e não se esgotavam nunca, isto era impressionante, ainda o é, se assim posso dizer. Houvera no mundo a quem as palavras tenham se entregue in totum para simples mortal, confiando nele a imagem de sua existência? A DOSTOIÉVSKI sim, mas quem sou para imitar, plagiar a obra deste grande pensador da dor, do sofrimento, da miséria humana? Nada sou.
***
Inveja. Dizem que a inveja é própria dos incapazes, inúteis. Não é de minha intenção exclusivíssima negligenciar este princípio secular, milenar, eterno, assim creio eu.
***
Acrescentaria algo sutil, não havendo ainda palavras que possam conceituar, diminuindo o termo, aumentando, sei não, mas “definir”. Acrescentaria que a inveja não divide as palavras; reconhece quem sente inveja que são indivisíveis; os seus interesses é que são divididos de um extremo ao outro, desde o corpo, alma, espírito, até o resto que se possa encontrar nos vernáculos da língua e dos princípios.
***
Ninguém iria separar a palavra para mostrar que os seus conceitos estão passando por mudanças e transformações, estaria decidido, desde então, a buscar caminhos outros que levam à originalidade e autenticidade. Não faria também a proeza de não a dividir, deixando-a como manda os figurinos dos séculos e milênios, intacta, ex-tática e inerte.
***
Não diria “in-feccionar”, usando ou não as aspas, para mostrar inteligência e espírito aberto ao seu tempo e época. Não usaria a palavra de modo normal, desejando que nas entrelinhas estivesse no sentido da outra dividida pelo hífen. De algum modo, as algemas e correntes estariam no chão de todas as pedras: “caíra num extremo ridículo”, aliás, dito não sei por quem acerca de alguém por quem tinha sérias e sinceras admirações pela sua originalidade da brincadeira com as palavras, mas quem tentasse imitar cairia num ridículo sem limites e fronteiras, estaria condenado a ser lembrado por seu ridículo. Diz ele não estar nas tintas para quem tentar imitá-lo, não que seja inimitável, era-o com perfeição, mas por que a imitação jamais chegaria aos pés da original. Concordava que assim abria todas as cancelas, porteiras para as imitações, plágios, o que mais se quiser apresentar, "Quê maravilha!... Estão confessando a ausência de personalidade e caráter..."
***
Talvez ele não se referisse a esta palavra, saltasse-a, mas no seu espírito e alma estivesse desde toda a eternidade inscrito isto, não podendo negligenciar ou ridicularizar, escrevendo “à esclerose múltipla”, o que elimina em absoluto o sentido da palavra - outras idéias, intenções e intuições - e alguém quem aprendera desde a eternidade as correntes-algemas das palavras se encontram nos abismos da alma, de onde os ventos frios vindos de todos os cantos do mundo e da humanidade, se reúnem e deixam a “saudade” de algo que sacia a sede e a fome.
***
Não cairia no ridículo de tentar imitar o que é inimitável. Antes, de acordo com os seus interesses e particularismos, reconheceria o inimitável, e nem procuraria o original, autêntico, seguiria simplesmente os seus instintos vulgares e imbecis, o de que sente inveja e nem as cinzas se esquecerão de tamanha inércia e inépcia – possível um homem assim, preferindo a inveja do que se ver por dentro, buscando algum modo de se superar, mas in-felizmente no seu espírito a palavra se acha dividida para que não se depare nunca com o que é e representa no mundo.
***
Se quem ler estas palavras escritas neste diário que trago comigo desde tempos imemoriais, após haver lido desde o início – quinze cadernos de espiral de duzentas folhas – disser que são palavras de um esclerosado, rindo a bandeiras soltas, não tirarei jamais a sua razão e motivos para isto, inclusive quem sabe até pudesse rir com ele, numa brincadeira de “vamos ver quem ri mais alto e o seu riso possa ser ouvido por toda a humanidade”. São sim de um esclerosado.
***
Agora, e se houvesse alguém quem mergulhasse mais fundo, dizendo que, em verdade, não se trata de mim, não sou quem está esclerosado, mas nas entrelinhas está bem definido e conceituado se tratar de alguém, aliás, quem resolvera aqui e ali imitar o que é inimitável, assim caindo no ridículo, e ainda há quem parabeniza e vanglorie, isto não é admissível.
***
Assim aprendi a ver-me por dentro. Enrolo-me ilimitadamente numa teia de desejos e querenças em meio à erudita in-vestigação das moléstias psíquicas e converso com eminente neurologista, psicanalista, terapeuta no divã do consultório.
***
Guardarei o re-flexo do mundo esvaecido.
#RIO DE JANEIRO(RJ), 11 DE JUNHO DE 2020, 13:20 p.m.#


Comentários