#ESPETÁCULO DE DIVINOS PROSCRITOS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***



POST-SCRIPTUM:
Diz você, amada e querida Esposa e Companheira das Artes, Graça Fontis, a Sátira na Tese Poética escrita surge do espírito sarcástico, das origens circenses, das re-versões, inver-sões, avessos, desejando o sublime da linguagem e estilo, o que é sério e autêntico. Realizou metáforas e poética para mostrar que a questão do cinismo, sarcasmo, ironia é o riso de quem sou e represento no mundo, rio a deus dará das contradições, nonsenses que residem n´alma. Aqui, nesta sátira, desejo deixar inscrito sua análise e interpretação são primorosas, com efeito o sarcasmo, a ironia, o cinismo, nesta "im-palhaçada" existência, estarão presentes no Epitáfio: "Vejo a mim e à minha Arte Satírica como abaixo de mim, então rio, rio, rio".(Manoel Ferreira Neto)
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O espírito humano, à imitação da planta que floresce do modo mais esplendoroso entre os não-conformistas e anticristos, aliás, onde sempre floresceu, na sombra, como a violeta, embora com outro odor, deve seguir uma curva que o devolva ao seu ponto de partida, ao seu lugar de origem.
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No início, falo deste estado maravilhoso em que se encontram os divinos proscritos, onde o espírito se encontra, às vezes, lançado como que por uma graça especial; digo que estes mesmos divinos proscritos anseiam incessantemente a reanimação de suas esperanças e a sua elevação ao infinito; mostram um gosto frenético e alucinado, muito embora em suas mentes e imaginações estas palavras suscitem quase o mesmo sentido, por todas as experiências prazerosas e sublimes, mesmo que perigosas, mesmo que em demasia ininteligíveis e portadoras de conseqüências as mais desastrosas; ao exaltarem suas personalidades, suscitam por um instante aos seus próprios olhos o paraíso de segunda mão, objeto de todos os desejos, orgias, e digo, enfim, que este espírito arrojado trigueiro e levado, sem o saber, até o inferno, confirma assim a sua grandeza original.
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Creio não ser necessário e nem conveniente transformar o espetáculo em um comércio que visa apenas o lucro e o conforto, vender a alma para pagar as carícias embriagantes e a amizade das parcas. Imagino um homem (um poeta, um filósofo cristão, um anticristo, colocado no árduo Olimpo da espiritualidade, à sua volta as Musas de Rafael ou de Mantegna, para consolá-lo de seus longos e invernosos jejuns e preces assíduas, observam-no com seus mais doces olhares e úmidos lábios, os sorrisos mais iluminados. O divino Apolo, mestre em tudo saber, afaga e acaricia com seu arco as cordas mais vibrantes. Abaixo dele, ao pé da montanha, nas sarças e na lama, a multidão dos humanos, o bando dos apátridas, simula os esgares da alegria e do prazer e solta urros provocados pelas dentadas do veneno.
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Entristecido com tamanho espetáculo de luzes e palavras, gestos e insinuações, digo a mim próprio: “Estes infortunados que não jejuaram, nem oraram e que recusaram a redenção pelo trabalho, enfim o trabalho enobrece o homem, garante que o seu epitáfio seja por todo sempre iluminado pela luz solar, buscam submeter-se aos escárnios e humilhações de toda sorte como alguém se submete a um câncer, a uma aids ou à morte, à Covids19 com aquele impávido fatalismo sem revolta, em virtude do qual os russos, por exemplo, ainda hoje têm vantagem sobre nós, os ocidentais, no trato com a vida.
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Isto, como agora sou bem autêntico e ousado em afirmar, é digno de um grande trágico: o qual, como todo artista, somente então chega ao cume de sua grandeza, ao ver a si próprio e à sua arte como abaixo de si – ao rir de si mesmo.
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Em face da velha senha mentirosa do ressentimento e da mágoa, a do privilégio da maioria, enfim é mais fácil um proscrito adquirir o seu leito de penas, diante da vontade de rejeição, preconceito, discriminação, de atraso e ocaso do homem, ecoou forte, nítida, simples e insistente como nunca dantes pensado e imaginado, a terrível e fascinante contra-senha do privilégio dos raros.
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Eis, portanto, homens supostos, divinos proscritos, o espírito de minha escolha, chegado a esse grau de prazer e serenidade, onde sou levado a admirar-me a mim próprio. Toda contradição desaparece, toda polêmica se resolve com um aperto de mãos e três tapinhas nos ombros, como é sobremodo peculiar nos mineiros, todos os problemas filosóficos e teológicos tornam-se transparentes, ou pelo menos assim parecem. Tudo é motivo de prazer, de júbilo, de ostentação. Uma voz nele fala (infeliz! É a sua própria voz) e lhe diz: “Você agora tem o direito de se considerar superior à raça humana, a toda a humanidade; ninguém conhece ou poderia entender tudo o que você pensa e sente; seriam mesmo incapazes de apreciar a benevolência que lhe inspiram. Você é um rei que os passantes desconhecem, e que vive na solidão de sua convicção: mas que isto importa? Aliás, nada disso importa realmente. Você por acaso não possui este desprezo soberano que torna a alma tão humilde e boa, capaz de praticar as mais perfeitas misericórdias e compaixões?”
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De quantas ações tolas e imbecis não estão cheio o passado, que são verdadeiramente indignas deste rei do pensamento e que profanam sua dignidade real e ideal. Quantos homens encontraríamos no mundo tão hábeis e perspicazes para se julgarem, tão severos para se condenarem? Com a horrível lembrança absorta, dispersa, desta forma na contemplação de uma virtude ideal, de uma caridade ideal, de um gênio ideal, entrega-se candidamente á sua triunfante orgia espiritual.
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Agora, da contemplação de seus sonhos e desejos e de seus projetos de virtudes, decidiu-se pela sua aptidão prática à virtude; a energia ao mesmo tempo vigorosa, esplendorosa, resplendorosa, apaixonante com a qual ele abraça este fantasma de virtude parece-lhe prova mais do que cabível e suficiente, peremptória da energia viril necessária para a realização de seu espetáculo, de seu ideal. Confunde ele, com toda a empáfia de sua personalidade, o sonho com a ação, com a autenticidade, e com sua imaginação aquecendo-se mais e mais diante do espetáculo encantador de sua própria natureza corrigida e idealizada, substituindo por esta imagem fascinante de si próprio, divino proscrito, o seu indivíduo real, tão pobre em vontade, tão rico em vaidade, termina por decretar sua apoteose nestes termos nítidos e simples que contêm para ele todo um mundo de abomináveis prazeres e contentamentos: “Sou agora o mais virtuoso dos homens”
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Logo de imediato este furação de orgulho e empáfia se transforma em uma temperatura de êxtase tranquilo, calmo, mudo, repousado, e a universalidade dos seres se apresenta colorida e como que iluminada por uma aurora ácida e sulfurosa.
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Se uma ruminação selvagem, um grito rebelde, ardente, arrojar-se de seu peito com uma tal energia, um tal poder de projeção que, se as vontades, desejos, sonhos, e as crenças de um homem ébrio tivesse uma virtude eficaz, esta ruminação, este grito reviraria os anjos disseminados nos caminhos do céu: “Sou um Deus!” Qual é o filósofo francês que, para ridicularizar as modernas doutrinas alemãs, dizia: “Sou um deus que jantou mal?”
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Esta ironia, cinismo, sarcasmo não afligiria um espírito elevado ao nível de um proscrito, e ele responderia com todo o carinho e ternura que sua alma fosse capaz de expressar e revelar: “É possível que tenha jantado mal, a farofa de bofe bovino com camarão, regada a conhaque de botequim, culinária suprema dos corvellanos, não caiu bem no estômago, mas eu sou um Deus”.
#RIO DE JANEIRO, 07 DE JUNHO DE 2020, 14:05 a.m.#

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