Ana Júlia Machado ESCRITORA POETISA E CRÍTICA LITERÁRIA ENSAIA A ODISSÉIA DA ALMA #ONDE TEM VAZIO DE RAÍZES DO NADA# (CRÍTICA INÉDITA: 11 de junho de 2020) ***



No texto do escritor “ Manoel Ferreira Neto” ONDE TEM VAZIO DE RAÍZES NADA?
É muito extenso, mas vou focar-me naquilo que penso que seja- Texto épico- lírico.
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O texto épico-lírico inclui característica da proeza e do lunático, ou seja, consequência da junção de componentes heróicos com um elemento lírico apto a expressar as sensações ou os entendimentos íntimos do "Eu", que verifica-se ao longo deste texto do autor. Prevê a união da criação diegese e da grandiosidade de conteúdo do texto épico com o papel emocionante e a individualidade do texto lírico.
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Como texto épico, impõe a comemoração de um feito, de uma ocorrência magnificente e memorável ou da razão de um povo; como texto lírico, expressa circunstâncias da alma, ponderações e sensibilidades do "Eu" sobre o que relata. Ao ter cunhos épicos, o "eu" anuncia a sua correspondência com o planeta, enquanto a nota sentimental expõe o seu séquito de alma, através de um discurso mais ou menos cadenciado.
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Já na antiguidade, achamos textos épico-líricos como o ditirambo, epinício que evocava, relatava e exaltava os feitos do deus Dionísio. Estes textos passaram mais tarde a auxiliar a tragédia. Na Idade Média, O Romântico, cuja proveniência, de concordância com alguns analíticos, o aproxima das canções de gesta, é igualmente um texto épico-lírico na medida em que não somente relata os acontecimentos mas, ao mesmo tempo, expõe a comoção existente. Nas literaturas anglo-germânicas, é épico-lírica a balata, que entoava mitos afectuosos e hábitos populares. Em muitas literaturas enxerga-se o parecer de textos que combinam dados épicos com elementos líricos. Por um lado, existe uma diegese heróica, com a comparência do "deslumbrante", por outro lado, o sentimentalismo e a sensação são uma inalterável.
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No século XX, em Portugal, a "Mensagem" de Fernando Pessoa é um dos preferíveis modelos de texto épico-lírico. Nela, por um lado, é factível enxergarmos o sentido homérico pela presença de excertos de discursos exegéticos, das menções documentadas, dos feitos heróicos, do deslumbrante (com as alusões alegóricas) e da enunciação do entendimento do povo português; por outro lado, o laconismo dos cantos, a valia em si que cada poema possui separadamente, a enunciação das sensações, a valorização do "Eu" são sinais do disserto lírico. O relato histórico faculta lugar à conspecção egocêntrica e caráter intimo das ocorrências que abarcam importâncias lendárias e alegóricas.
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O autor menciona muito o seu “eu” no decorrer do texto, suas vivências e o que pensa, e que refere, refere os mistérios e as alegorias e que baseia-se num passado/raízes como: , profetizado a fé de luminosidades da arena, como meditar que é ninharia, as estirpes são ninharia?


Ana Júlia Machado
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ONDE TEM VAZIO DE RAÍZES NADA?
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: ODISSÉIA DA ALMA
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Epígrafe:


#Por onde meu coração pulsa, cursa
Alongam meus sentimentos
Irrestritos aquém e além
Das presentes curvas sinuosas
Que somem na noite
Enquanto cabeceio o sono
E afugento lembranças além da muralha, fictícia?#(Graça Fontis)
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A minha vida é eterna porque é só a presença dela a si própria, é a sua evidente necessidade, é ser eu, Eu, esta brutal iluminação de mim e do mundo, puro ato de me ver em mim, este Ser que irradia desde o seu mais longínquo jato de aparição...
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Se não existe nenhuma experiência da vida capaz de modificar a alma, o espírito, então não existe, no mundo, experiência alguma. Há-de reverberar a experiência alguma para principiar a sentir o que não existe sou eu, é o homem.
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A essência das pedras preciosas, opalas, diamantes, se mistura com a essência dos indivíduos, dos homens, e então um curioso resto branco se precipita. Todos os homens ficam de repente relacionados com as pedras preciosas e estas pedras preciosas passam a fazer parte dos sonhos, das especulações, das tramas, dos desejos, das necessidades, das cobiças, invejas, das fomes de todos.
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Os sonhos, especulações, tramas, desejos, a lua, o silêncio, a sagração, o momento da aparição e, finalmente, a redenção - o que tenho rimado no mergulho, orgulho mesmo, se me deixo revelar certos mistérios pretéritos das condições neste mergulho de existir, não ser a penas existência, mas o Existir na sua condição Língua in totum. Tudo o que aconteceu antes se esgotou, para chegar à totalização de mim a mim próprio, tenho de esgotar todas as experiências. E se não existe experiência no mundo, pelo menos a que seja capaz de mudar a condição humana no mundo, como vou esgotá-las a todas?
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Não sinto mais fome agora. Estava faminto, devo dizer, há algum tempo, mas comi todas as palavras que surgiram na mente, comi-as sentindo no paladar o gosto suave e terno, disse a mim tudo o que desejava dizer a outros, mas, não havendo outros, senão na imaginação, disse a mim próprio, saciei vez por todas a fome que me habitava.
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Nada há a ser dito. O que diria, sem considerar importância, nonsense? Sem juízo de valor, sem conceder valor ao juízo. Nada a ser dito. Assim inicia-se a verborréia.
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Sim. Perfeitamente inteligível, merecedora de aplauso e reverência esta consideração de emitir a voz, falar, concatenando a língua e suas picuinhas da erudição e as dimensões sensíveis são de importância sim, mas pensar é dizer, diz-se a si o que diria ao outro, diz a si o que pensa do outro. Neste mérito da questão, não tenho quaisquer méritos para acrescentar alguma coisa. Declaro e confesso sem visão profunda, mesmo superficial, a respeito das coisas do mundo e as falácias dos homens. Alfim, pensar é dialogar consigo mesmo, conversar, trocar dedos de prosa, fala-se sozinho em silêncio.
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Então, desde que pensei nada a ser dito, disse muitas cositas. Admiro havê-lo feito, assim não intencionava, em verdade não esperava. Disse nada a ser dito para não ficar a esmo no meu silêncio, cabeça vazia é tenda das metafísicas do inferno, é choupana das parafernálias da inconsciência e intelecto, templo das coisas escalafobéticas da razão e das coisas do coração. Definiriam, conceituariam a tenda e a choupana sob inestimáveis ângulos, até possível enxergar com nitidez as moléstias psíquicas que me habitam, a questão é simples, busca distrair-me com estes pensamentos, inúmeras perquirições abalavam-me sobremodo... Sublimação, mimeses... O que isto importa?
A coisa é esta mesma: Nada a ser dito.
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Aprendi a viver no silêncio. Aprenderei outra linguagem? Não há palavras ainda para inventar o mundo novo, a realidade nova. Respiro devagar. Como se me balanceasse o corpo ao ritmo lento do universo. Noite ofegante, olho-a. Pela janela, ao alto, sobre o negrume dos pinheiros – aliás, é do lado de Pinheiros que a chuva nos chega às vezes mansa, às vezes forte, silencioso céu.
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A beleza das pedras preciosas, que faiscam e luzem à claridade de pequena vela, me seduz a cabeça com o brilho delas. Tão belas são e tão suaves com uma música própria – a música de promessa e prazer, garantia do futuro, de conforto e segurança, nas noites de inverno ser a orelha, o ouvido que as palavras de sentimentos, palavras espirituais dizem livremente. Vejo a pequena imagem da vela refletida na lisa superfície do diamante e de novo me soa aos ouvidos uma linda música, quem sabe vinda à soleira do sibilo de verbos entre e reticências, o tom da difusa luz abaixo da superfície.
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Cinza de fumos obtusos, despertando sentimentos condoídos, pretérito dos ressentimentos se mostrando lívido e frio. Fumaça de cigarro esvaecendo-se no ar de frias emoções em cujos interstícios residem desolações... até mesmo tergiversar o olhar, dirigir-lhe a algum sítio é algo indecente, emoção alguma há e não se anuncia qualquer. Fogos fátuos acendem vestígios de alegrias breves. Medíocres infernos de idéias e pensamentos salpicam de enternecimentos as vertigens vazias, e nada se manifesta no mundo. Folhas secas na terra fria reverberando as quimeras deixadas à beça dos ventos esquecidos.
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O céu está limpo graças ao vento e as estrelas brilhando muito frias no céu escuro. Caminho cuidadosamente, braços cruzados às costas, cabeça baixa, e evito o centro da cidade onde alguém poderia ver-me passar, os vaidosos e pernósticos vendo-me pensar. Não ando de cabeça baixa por me preocupar com as pedras, as ruas são calçadas de pedras, nem o faço por estar procurando soluções, ver-me projetado nalgum futuro por mais distante seja, mas unicamente por me haver acostumado a andar de cabeça baixa, os pensamentos distantes, distante de mim, do mundo, dos homens. Caminho só. Quem gosta de caminhar só? Ninguém.
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Sigo o meu caminho pela orla da cidade e tomo o rumo das montanhas, guiando-me pelas estrelas. Por mim ninguém passa e não vejo ninguém. Afinal, à direita, a lua crescente nasceu e nesse momento o vento cai e a terra fica calma. Reverbero pretéritos cujas perspectivas de quimeras surpreendem as idéias, renovando de desejos as carências que residem inquietas na alma, não me distancio das intenções de mergulhar nos sentimentos que se revelaram outrora. Questiono-me com frequência:


#Por onde meu coração pulsa, cursa
Alongam meus sentimentos
Irrestritos aquém e além
Das presentes curvas sinuosas
Que somem na noite
Enquanto cabeceio o sono
E afugento lembranças além da muralha, fictícia?#
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Céleres fagulhas introspectivando forclusions, horizontes submersos, sombras interdictadas na incidência da luz.
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Um indício fala no limiar das origens. Quando tudo houver regressado ao princípio de tudo, no cenário branco inicial da pureza, quem sabe reconstruirei o mundo. Reconstruirei o mundo, eu! Cântico dos anjos da anunciação, dos anjos das trevas e da tragédia, os sinos silenciosos, só bradam pela manhã para o vazio do mundo, a solidão só emite seu canto de cem em cem anos. Os deuses nascem sobre o sepulcro dos deuses.
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A minha vida é só uma, não tem princípio nem fim, sou eu modelado a tudo o que fui ou serei. À minha vida entendo-a na iluminação em que me sinto, me estou vivendo, me sou. Mas a iluminação de dentro, a pura presença de mim próprio é o meu ser. O vazio – silencioso. O nada – a esmo pelas pradarias solitárias, leve e solto pelos chapadões, vales. Instante-limite. Nada a ser dito. A mente isolada no seu regaço.
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Mui quotidianamente acontece de não saber de mim, este entendimento, queira ou não, é sobremaneira pouco, e alguém íntimo pode intuir e perceber, e, em dizendo, esclarece, passo a passo, alguns mistérios, enigmas; contudo, é ainda o tempo que vai tornando nítidas as dimensões de mim. Mas, às vezes, só eu mesmo posso dizer algo. Acredito, sim, em algo dito: “Ninguém melhor que eu para dizer de mim mesmo”, mas não absolutamente. Às vezes, alguém conhece meus sentimentos por ele, necessitando ouvir dizer para se assegurar de que não está enganado, o que pensava ser sentido por ele é verdadeiro – por exemplo, um amigo íntimo.
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O desejo de amor só vive de entrega, onde têm raízes a iluminação e consagração...
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Como entender que esta iluminação que sou eu, esta evidência que é a minha presença a mim próprio, esta fulguração sem princípio que é eu estar sendo, estar no mundo, no meio dos homens, das coisas, dos objetos, como entender que pudesse não existir?
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Senão isto que é com-preendido sob a luz das efêmeras dimensões do existir, entendido à mercê das trevas de esperanças, anunciado a fé de luzes do picadeiro, como pensar que é nada, as raízes são nada?


#RIO DE JANEIRO(RJ), 11 DE JUNHO DE 2020, 08:30 a.m.#

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