ESCRITORA CRÍTICA LITERÁRIA E POETISA Ana Júlia Machado ENSAIA O POEMA O INDECIFRÁVEL#, DE Manoel Ferreira Neto




No poema do escritor Manoel Ferreira Neto “O INDECIFRÁVEL”, fez-me transportar essencialmente a um escritor Adelino Timóteo entre outros. Que nos mostra como o incompreensível pode ser visto, mesmo através de uma pedra. O autor fala de algumas dúvidas com que se depara como :
Ingressa no tempo de seus sentimentos,
afastando as quinas das recordações,
pondo em realce as sensações.
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A poesia metamorfoseia o rebo, a pigmentação, o verbo e o sonido das representações. E essa segunda característica, ser representações, e o esquivo domínio, que elas possuem de provocar no auditor ou no observador asterismos de imitações, faz todas as acções de talento poemas.
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A volúpia da pedra, neste, a pedra perfilha uma pluralidade de interpretações e diversas feições: a área polida e/ou arredondada; a área de interstícios, proeminências, permeabilidades; a área escaldante pelo astro-rei que lhe tomba e a atesta de ardor e voluptuosidade. São, logo, incalculáveis as animalizações e sensibilidades existentes nessas representações do rebo. O sujeito inspirador anuncia estimar, na pedra, a mulher que pode ensaiar: a sua concupiscência, o seu brotar fluido, em meio à sudação, à palpação, ao observar, a “todos os sentidos”.
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Seguindo essa ideia de animalização meiga, a pedra é modelada, como físico líquido, enovelado protótipo, cuja elegante susceptibilidade e o entorpecimento arrebatado alteram-se em ideia fecundante. É igualmente relatada e qualificada como um filtro da sensualidade, como enigma, auréola devota que penetra o coração da poesia, o mapa do físico, a polissemia dos anseios, convertendo-se tempo filosofal, sinagoga, lar. O rebo, como lar, chão, sistema habitável igualmente do amor, torna-se em lugar de afabilidade e poeticidade para o “eu” sentimental que, afirma: “submergir-se-ia" como um baú esbarrado em terra, ou na cilíndrica e transbordador rebo do ombro do amor em deleite e arrebatamento.
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A conexão com a mão que redige e transpira poesia energiza e cinge a feição da mulher querida. Aprisiona o rebo, a matéria com a qual mareia e a escora ao solo. A pedra atrai, vocifera em mil ilusões poéticas: Entre uma palpação sia e o do rebo, grau a grau, físico a físico, a poesia prossegue. Encontra-se silenciosa, poesia. Passa por si uma prega, os olhos arregalados quando existe avidez, a peleja e a adversidade.
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A execução de um poema impõe muitas formas de estrutura, afectividades, clarividências e pragas; sensualidades, sagacidades e compreensões. Bukowski foi considerado um dos poetas amaldiçoados, cujas inspirações diligenciavam os subtérreos da existência. Em A sensualidade do rebo, Adelino compara, de muitos jeitos, a poesia à mulher querida. A pedra declara esta imagem libidinosa, delicada, física, que transita no estilo. Poesia e pedra estruturam-se numa imensidão de verbos.
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A segunda metade do século XX encaminhou ao cimo questionamentos curiosos sobre a diegese nas faculdades e na arquitectónica. A pedra é um físico relevante para a edificação, mas igualmente, para a desconstrução. Ela pode familiarizar-se com a metáfora da sintaxe e ser um factor elementar para uma diegese literária. ´
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Meditar o outro, meditar a partir do outro é cogitar o recebimento das disparidades. Jacques Derrida foi um filósofo relevante para a hipótese da desconstrução. Desconstrução que, paradoxalmente, igualmente edifica. A ideia de Jacques Derrida soltou dissertações sobre a diegese e possibilitou ir além das pormenorizadas pela arquitetura tradicional. Ele construiu uma nova arquitectura, a do determinar o eixo de uma peça.Uma arquitetura do rebo, uma arquitetura descentralizada do dialecto poético.
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Octavio Paz, em O arco e a lira, verbaliza que os homens alteram pedras, cores, palavras ou metais em objetos. Os artífices edificam instrumentos; os escultores, pintores e poetas transformam esses materiais em feitos de génio. O propósito do idioma nas mãos de poetas e artistas transporta-nos a compreender os sentidos dessa disparidade. É o que sucede, igualmente, em relação à poesia de Adelino Timóteo, na qual a pedra vence na sensualidade da linguagem, executando o resplendor inerente da arte.
Ana Júlia Machado
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O INDECIFRÁVEL#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: POEMA
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Espécie de mergulho
nos recônditos dos desejos
e que me aguça
os sentidos inteiros
e que me extasia
os dons e vontades
- a urgência
de
metamorfoses
as
sis
te,
orgulhosa
e inquieta,
à presença do caminho
a suceder
no
coração.
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A bruma de prata
flutuando,
pela manhã,
sobre os prados inda
sonolentos...
A névoa densa
Pairando sobre
As águas marítimas...
É o vestido
da intimidade.
A intimidade,
nua,
sente as sensações singulares
- interação do gozo e prazer.
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Coloco ordens frente a mim
com a intenção
de vivê-las inteiramente
- sei serem uma obra
que vislumbro e estudo,
a fim de aperceber-lhe o fundo.
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Sei ser verdade
este desejo - possuo engenho e arte,
possuo habilidade e agilidade
de transferir a dor
íntima
para a dor da superfície
e, nesse instante,
necessito de anestesias,
morfina.
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Lúcido e consciente, vivo
as afetividades e amor mais puros.
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Penetro no tempo de meus sentimentos,
retirando as arestas das lembranças,
pondo em evidência as emoções.
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sensualidade
e
afetividade
nos
poemas...
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Talvez os poemas sejam o real
na sua forma, no seu estilo,
na sua linguagem, na sua estética
e o indivíduo se realize em plenitude.
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Às vezes, sinto serem superficiais
e não lhes conheço o sentido por baixo.
Não sei o significado a mostrar-se.
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Talvez seja eu real neles.
#IGUABA GRANDE(RJ), 05 de fevereiro de 2020#

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