#DERRADEIRA ORIGEM DO MUNDO - II PARTE - GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA



Voz obscura de uma alegria sombria,
vértice de um encontro comigo,
oh, realidade perdida,
imagem desvanecida no horizonte dos horizontes...
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Voz submersa a todas as vozes,
e que fala ainda quando elas se calam
e eu ouço sem ouvir,
e se a-nuncia quando tudo se esgotou,
e bate obliquamente como pancada leve no ombro,
e que se abre além da hora mais longínqua,
Varanda, e que irradia ainda de impossível
para além de todos os possíveis,
e que recusa todas as razões para ser e é ainda,
e que inicia a minha vida onde ainda não há início,
memória de um tempo antes do tempo,
de começo antes de seu verdadeiro início
na origem dos segundos e milésimos deles,
do lugar do meu nascimento verdadeiro,
sede e princípio de divindade que ainda não se corroeu.
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Eis porque a minha saudade a re-conhece a essa origem absoluta que não é sequer “memória do céu”,
porque o próprio céu é já uma explicação desta voz
mais antiga do que ele,
é já uma concretização,
ainda que para lá do mundo,
de um apelo que vem de além do mundo,
de além de todas as possibilidades de sua ec-sistência,
do aquém de todas as alternativas de
minha historicidade e historial-idade.
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Já não viso o além. Como é belo o mundo, para quem o olha, ingênua e simplesmente, sem nada procurar nele, sem nada desejar dele, sem saber o que o habita ou não. Como são esplendorosos os astros e a lua, os arroios e as ribeiras, as florestas e os abismos, o porco e a anta, a flor e o bem-te-vi, o sol e as estrelas, o casal que entrecruza os braços num tim-tim de vinho em taça de cristal, comemorando aniversário de namoro, de casado, de ficado, bodas de prata, de ouro...! É prazeroso e ameno passear pelo mundo, perambular pela cidade, na sombra de por baixo das árvores, no sol escaldante, atravessando as ruas e avenidas do mundo, imaginariamente, contingentemente, de modo, estilo e linguagem suaves, como quem acabasse de despertar e se abrisse a tudo quanto o rodeasse, a tudo que se lhe a-nuncia de espiritual e sensível, além da contingência, sem a menor hesitação, sorrindo de tranqüilidade, apenas curtindo a natureza, e mesmo os inúmeros terrenos baldios espalhados por toda a cidade, apenas sentindo as sensações de prazer por estar vivo, por ser vida, por sonhar com a esplendidade das esperanças e fé mística de um povo.
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Não, não é a pintura retratando, re-presentando a guerra.
É o retrato da própria terra,
Que se dizima em violência, injustiça, desumanidade,
No confronto de irmão contra irmão.
É um combate por "nada",
A deus-dará, à mercê do vazio dos princípios morais e éticos,
Das nonadas da fé e da esperança sustentadas de dogmas,
Preceitos, Princípios,
Das dimensões sensíveis,
Da consciência dos valores e virtudes,
Seja dia, seja noite,
Entardecer ou alvorada
Que virtudes, valores éticos e morais
Trans-cendem a Vida.
Diante da humanidade, cada um dos indivíduos
Somos Vida, e ela precisa e deve ser respeitada!
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Não, não esculturas animadas,
Apesar da similaridade.
São mulheres, velhos e crianças
Que jazem sob as pontes, nas calçadas de avenidas e ruas,
Malroupidos, desigiênicos,
Esfomeados, sem horizontes,
Presidente recusando que seu país
Abrigue refugiados,
Provocando quiproquo, conflito, guerra
Para mostrar vaidade e poder,
Corruptos levando o povo à miséria, fome e sede,
Governadores
Acendendo a Guerra da Lei e da Bandidagem,
Inocentes morrendo...
A vida deve ser extinta...
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Não, não caricaturas que representam
Sentimentos, emoções, ideais, sonhos, esperanças,
O que perpassa o íntimo nas travessias dos desejos aos sonhos
Idéias de uma obra-prima de artista,
São caricaturas que pres-ent-ificam
A pedra angular do que transcende a alma,
Contingências, essências...
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Não se trata de pintura barroca.
É o morro, é a favela,
Onde a miséria está na boca, na barriga,
no sexo, na mente.
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Perguntam: "Quê país é este?"
- Só num país existem a miséria, a mediocridade, hipocrisia, o desrespeito e desumanidade à Vida?
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- Amigo, quê mundo é este?


#riodejaneiro, 03 de fevereiro de 2020#

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