#À PASSAGEM DA NOITE# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: CRÔNICA



Epígrafe:


"Os dias evidentemente anoitecem e despertam numa nova manhã do dia seguinte, assim como cada dia que passa estamos aproximando do nosso dia de também partirmos. Mas enquanto permanecemos com vida, nos acontecem tantas coisas e que elas nos tornam interessantes e nada nos é diferente, pois elas retêm em nossa memória nos pondo sempre a recordar..." (IN "A ESPERANÇA DO REENCONTRO", Antônio Nilzo Duarte(Izabel Cristina Souza Duarte Duarte)
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Nesta madrugada – penso que se faz fundamental que indique são três e meia da madrugada; isto para poder iniciar compreendendo os estados de espírito em que me encontro -, à hora de mais silêncio, isto por volta das duas e meia quase três, iniciando, bem não sei o porquê de ser para mim a hora de mais silêncio, quem sabe por ser quando sempre estou dormindo, faltou-me o sono, dava-se início a fechar os olhos e não conseguir sentir a sensação de o espírito estar iniciando o seu sono, dava-se início aos sonhos, os desejos.
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Verdade sim não saber a razão de ser para mim a hora de mais silêncio, não o estou dizendo apenas para uma introdução deste momento, algo a ser pensado; também não acordei para refletir, meditar neste instante de silêncio, de mais silêncio, tendo antes descoberto isto, ter pensado com mais certeza e sutileza.
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Percebi e as emoções, sentimentos, sensações, imaginações foram sobremodo fortes em mim. Explico isto antes para se poder perceber com nitidez aquando as revelações do espírito são fortes, se não as perceber, não saberia dizer com nitidez se retornariam, e nada acontece por ocaso, são revelações que contribuem para o amadurecimento, o crescimento, aquando nos aproximamos mais da vocação maior da vida, a LIBERDADE.
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Instante supremo: senti-me não haver ainda transposto nenhuma montanha, as palavras não chegaram ainda até aos homens, como homem, como indivíduo. Verdade é que já me revelei muito, não faria isto ou não faria assim, não abriria a alma com tanta facilidade, o mais importante com segurança, disse coisas que não diria ao travesseiro no horário de mais silêncio da madrugada ou em qualquer outro da madrugada, disse-o, por que não diria?!, não teria motivos.
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O que significo com todas as palavras, neste instante de revelação é importante que se preste bem atenção no olhar, precipita-se ele para a profundidade, necessário ir com ele, aprender nesta longa viagem profundidade adentro, aprende-se a contemplar. Quem sente o desejo, a vontade de transpor montanhas com a palavra, com a expressão, de modo sincero e seguro dos sonhos que aspira a tornar-lhes realidades, transpõe o olhar, alcança vales, abismos, colinas. E quando ouvi tais palavras de Isaías Constantino, a quem estava conhecendo no momento, estava eu junto, no encontro na Fazenda Jaguar, de dois amigos íntimos, Simone e Juliano, repetindo tais palavras diversas vezes, antes de dormir por volta das quatro e meia da manhã, até entender o que dizia" "Os dias evidentemente anoitecem e despertam numa nova manhã do dia seguinte, assim como cada dia que passa estamos aproximando do nosso dia de também partirmos. Mas enquanto permanecemos com vida, nos acontecem tantas coisas e que elas nos tornam interessantes e nada nos é diferente, pois elas retêm em nossa memória nos pondo sempre a recordar..."
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Voz nítida, rouca, arrastada, em murmúrio, o silêncio murmurava-se em mim, ele que já se revelara tantas vezes, e desta com uma voz rouca, altissonante, arrastada, similar aos cantores de blues, e também ouvi em tantos momentos de alegria, sonho, contentamento, “Sound of Silence”, Simon and Garfunkel, e Blowing in the Wind de Bob Dylan. Perguntava-me ela o que é que eu sei sobre o estilo e forma, idéias, pensamentos, sentimentos, emoções, de transpor a montanha, as palavras chegarem aos homens. Sem dúvida, em primeira instância há de se considerar o fundamental é que seja eu quem sou, salvo as opiniões contrárias, revelar a individualidade, a identidade. Quanto aos outros fatores, isto é lá com o tempo, o crescimento, o amadurecimento. O silêncio cai dentro da noite no momento de mais sonhos e desejos se revelam, nos sonhos mesmos. Recordando este momento na sala de visita, confortáveis nas poltronas que estávamos todos, a filha, o genro, a esposa, era apenas amigo do casal, viajava com eles.
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Não tinha intenção alguma de levantar-me, descer os degraus da escada, vir registrar o que estava sentindo, mas cria que não haveria quando se revelasse de modo tão singelo e puro, a voz rouca, arrastada, altissonante perguntando-me o que sabia eu sobre o estilo e forma para as palavras chegarem aos homens. Iria manifestar-me algo, não poderia deixar-me de furtar aos prazeres e alegrias, noutros tempos, não distante nem tão próximo, pude crescer e amadurecer.
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Não é de meu feitio isto de ficar planejando, pensando as situações e circunstâncias, criando estilo, idéias, pensamentos; é de meu feitio sentar-me e por-me a registrar o que se me revela, as palavras de minha vida trabalham sem cessar, continuamente. O coração enregela-se sobressaltado, aliás, assim o senti quando a voz me fez a pergunta Pensei de imediato em responder que houve quem escarnecesse de mim quando senti haver percebido, seguindo a minha própria vida, nem sempre as palavras são ouvidas de imediato, na verdade, senti que os pés tremeram-me, a viagem adentro seria longa, aliás, sem fim, sem início, apenas a continuidade. Aquele encontro primeiro com Isaías Constantino e seus entes queridos estaria presente na memória por todos os dias.
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Tinha sim de levantar-me, não poderia esperar mais. Tinha a liberdade de memorizar o momento, descrevê-lo depois, já manhã, após o café, mas, em me conhecendo, sei que ficarei agitado na cama, impedindo a esposa de dormir. Vesti o roupão, abri a porta, caminhei na escuridão até chegar à cozinha, e, no corredor, de novo a voz, creio que sendo irônica e sarcástica, dizendo muito pouco importar o que digo, o que falo, desejava mais refestelar-se, realizando o seu maior tempo de quimeras, sonhos, desejos, vontades.
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Respondi-lhe com seriedade não me importar os seus gracejos, as suas ironias, se estava decidido a responder, estando ela no horário de suas utopias e sonhos, depois leria e julgaria se estaria de acordo, se tinha mais a dizer e como não pude fazê-lo, faltaram-me a genialidade e arte, engenhosidade e perspicácia. Não sou homem quem se esqueceu de a viagem sonhos adentro não tem início, fim, a escolha fora feita, estando muitíssimo satisfeito com os resultados, enchem a mãozinha de uma criança, vão crescendo e amadurecendo juntamente com a criança, e esta viagem fora inestimável. O que era isto a procura da Espiritualidade diante da Existência, diante da Mulher Amada e Filhos, diante dos projetos e utopias da Existência realmente vivida, experienciada.
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A resposta estava na ponta da língua, mas abrir a porta da cozinha é algo que me irrita às vezes, além de a chave apresentar certas dificuldades, ainda tem que empurrar com um certo jeito para que abra; ademais, o cachorro, Lulu, dorme à soleira da porta, tendo de pulá-lo de modo a não pisar nele, se acontece, abocanha, não quer ser incomodado no horário de seus silêncios maiores. Descer as escadas, abrir o cadeado da porta de entrada do escritório, abrir a porta, um pouco demorado. Aí, ainda existe o fato de ligar o computador, esperar que inicie.
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Mas havia pensado em dizer que são as palavras reveladas no momento de maior silêncio que provocam a chuva, não se sabe mais quando vai estiar, vindo o sol, dias e mais dias de estiagem, e outras palavras se revelam que provocam outras chuvas, e todas as palavras seguiram o caminho delas. Os pensamentos, sentimentos, intuições, percepções que se revelam nítidos e límpidos são os que dão sentidos, provocam mudanças e transformações. Estava de volta, após a viagem, conhecer Isaías Constantino.
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Não dei a resposta à voz, descrevo-a, o que é muito diferente, torna-se necessário caminhar como um silêncio do que há de vir, de revelar-se, de manifestar, mas isto não é uma explicação do que eu entendo por descrever. Surgiu-me de imediato e não pude me furtar a registrar de imediato.
Talvez esteja eu refletindo sobre os passos fundamentais para a compreensão e entendimento do horário de maior silêncio na madrugada, seja ele o momento que há de vir, as novas experiências, os novos encontros e desencontros, as dores e as alegrias, e não posso deixar de dizer as coisas acontecerem para mim de imediato, sem aviso, sem anúncio.
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Caminho como um silêncio no meio de todas as coisas novas, excêntricas, paradoxais, mas é uma caminhada com conhecimento e segurança, isto dizendo que estou aprendendo a traduzir os sonhos que se vão revelando junto com as coisas acontecendo, mas são sempre novos conhecimentos e novas experiências. Quem deseja aproximar-se da espiritualidade, precisa, antes de nada e acima de tudo, vencer a racionalidade, o acúmulo de conhecimentos, é preciso vencer a maturidade, tornar-se vida. Desprezar e negligenciar o bom senso, as amarras, algemas, aparências.
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Ouço um riso que se afasta: tudo permanece tranqüilo, em sossego, como um duplo momento de silêncio.
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Sou feliz por esquecer as horas todas.


#riodejaneiro, 27 de fevereiro de 2020#

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