#AS PALAVRAS: ENRAIZAMENTO E ABERTURA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA POÉTICA



Temos raiz e temos abertura.
Somos como uma árvore,
Fundados no chão
Que nos dá força
Para enfrentar as tempestades
Cor-agem
Para suprassumir o bem e o mal,
Dis-posição para a liberdade e a consciência.
Enquanto prossigo com firmeza o caminho, penso que isso – o vento, a chuva, o sol e as estrelas, a névoa espessa – é o que me dá paz, sossego e nenhuma pressa. A serenidade, calma, tranqüilidade, devagar quase parando levam-me ao sítio onde semear sementes e húmus de outros frutos. Devagar e sempre.
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Meus sonhos...
- são tão poucos os meus sonhos.
Minha alegria...
- é tão pouca a minha alegria.
Não sou mais que uma combinação incerta de dúvidas e certezas, habitam-me neuroses e psicoses, ausências, de acasos e encontros, absurdos, desesperos, de amor e de ódio.
Em busca de um momento,
em busca de uma flor,
pétalas que exalem perfume inebriante,
ao estilo de jasmim,
hei-de fazer-me verbo como se fosse
a carência da existência,
dar sentido, ser esperança de encontro,
colher a mensagem que o outono deixou,
o inverno deixará.
Ombros frágeis são os meus para adormecer no tempo a graça da Criação de Deus.
Ecce Homo !...
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Mas também temos a copa,
Que interage com o único,
Com as energias cósmicas,
Com os ventos, com as chuvas,
Com o sol e as estrelas.
Sintetizamos tudo isso,
Transformamos em mais vida
A nossa abertura.
As águas, aquando tornam a cair sobre si mesmas, rompem o silêncio com um som similar àquele do vento entre serras, um som sibilante. Quanto a mim, sei que as águas me precedem e me seguem, elas sabem que o amor existe. Se antes houvera dito que uma coisa estranha sobreviera ao meu espírito e não sabia como explicar, é que perpassara no espírito que a noite não cai sobre as águas de um rio, ela cai sobre as montanhas, sobre as colinas, nas selvas e florestas... A noite emerge do fundo das águas.
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O vento, que ainda me ascende as saudades, faz-me ouvir o sibilo num abraço à liberdade, num beijo de língua à consciência, numa saudade que me faz caminhar, ir a busca de quem sou, de mim mesmo, como se fosse eu poesia, águas rolando serra abaixo, cataratas, abismos a fora, a página de um sonho que desejo contemplar, saciar a minha sede de conhecimento.
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E se não mantivermos a abertura - a copa -,
O mundo estiola, as raízes secam
E a seiva já não flui.
Morremos.
A dialética consiste em manter juntos
O enraizamento e a abertura.
Imanentes, mas abertos à transcendência.
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Uma vez dissolvida as tensões e livre a alma de suas angústias, depressões, fracassos, remorsos e culpas, pode-se usar tudo o que existe na literatura, na poesia, na filosofia para mantê-la livre, e talvez até uma forma abreviada de psicanálise. Cada alma desesperada possui um útero de esperança que está pronto a lutar pela realização dos desejos e sonhos, pela sobrevivência e imortalidade... não a penas tendo-lhe sido dada a luz, mas sendo luz nas sendas de trevas e sombras.
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A face dos ventos arrasta e dispersa as nuvens, agora tudo se amassa em encantamento ou em indiferença ou em absurdo, e faz sair um brilho nos olhos, que experimenta a vereda, que evoca com as asas ensopadas o vôo leve, o horizonte em que me encontro é a distância verdadeira, sigo-o como cumpre fazê-lo.
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Na límpida transparência das águas, a luz segue o itinerário sem limites, sem pressa, sou eu quem aspira e ins-pira a vida,
à procura da fonte originária
que a busca do mar alcança.
Ás vezes, sinto, tenho sensações que a liberdade de edificar a entrega às quimeras, com saudades das utopias, é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo, com ternura, e sou eu quem desperto o infinito e o profundo, desejando a Vida, sou quem acorda as impermanências e o póstumo, projetando o conhecimento, o saber.
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Uma brisa sopra nesta noite, empurrando bolas de nevoeiro pelo chão. Caminho em campo aberto por um momento, logo sou engolido pela névoa espessa, volto a emergir num trecho limpo. À luz das estrelas, posso ver as bolas prateadas de nevoeiro rolando pelos campos ao redor. Sorrio de mim mesmo, prosseguindo em meu caminho, pensando como tenho a capacidade de alterar a natureza – enfim nestas terras não cai neve -, para ajustá-la aos meus próprios pensamentos, para ajustá-la aos halos de uma vaga melancolia, já que é um dom do espírito desvencilhar-se daquilo que a consciência se recusa a assimilar.
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Em nenhum momento tiro os olhos da estrada à minha frente. Não digo uma só palavra durante toda a caminhada. Por vezes, cabeça erguida, por vezes cabeça baixa olhando o chão com esmero e perspicácia. Instantes-já de observação e perquirição, de meditação...
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A colina que devo subir, dando continuidade à caminhada na serra, se eleva bruscamente. Parece o limite do nada, as cafuas do vazio a emitir silvos do incognoscível. É como se, uma vez passada esta colina, entrasse no nada, lá onde o rio de águas límpidas pareceria qualquer coisa menos rio de águas límpidas, o bosque das estrelas similar-se-ia a qualquer lugar menos o bosque das estrelas, e seriam chamados com qualquer nome, exceto com o de rio de águas límpidas, bosque das estrelas, e onde teria eu o aspecto de qualquer coisa menos o de homem, e seria chamado de qualquer coisa, exceto de homem.
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Sobrevém a meu espírito uma coisa estranha. Caminho, não parece que tenha eu necessidade de estar caminhando, como quando não conseguindo dormir, tendo sido acometido pela insônia, por longos anos a fio, saía de minha residência e caminhava sem rumo e sem destino, às vezes até ao nascimento do dia, do sol. Sento-me debaixo de uma árvore, encostado no seu tronco, há uma pequena amurada, assemelha-se a divisão de propriedades. É uma coisa estranha no sentido de que para mim não posso encontrar nenhuma origem, motivo ou explicação desta coisa estranha que sobreveio a meu espírito.
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Travessia do dia e noite, o sono que me vem revelar o desejo de sonhos que se manifestam em imagens. As janelas de guilhotina, de todas as casas, mesmo aquelas em que ninguém mais habita, estão fechadas, e aquelas que, desabitadas, pela ação do tempo, estão caindo, restam apenas escombros, pode-se até encontrar tesouros escondidos nelas, por dentro conduzem inerente à vontade à Cruz do Cruzeiro que mostra a redenção e ressurreição, e isto é alcançado com o retorno ao amor que fecunda e gera a compaixão e misericórdia, continuidade da cor-agem de querer outras coisas.
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A palavra é o espírito da vida:
Enraizamento e abertura,
Iluminação, Amor, Misericórdia, Ágape,
Nous, Theos, Inner,
Numinoso, Assunção.
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Creio que diante de tantas dimensões divinas e humanas, o homens estão cheios do Amor de Deus, e por isso mesmo é um povo humano, hospitaleiro, gentil, em demasia cínico, irônico e sarcástico - e por que não já que está inscrito no tabernáculo das meiguices insolentes do inferno que estas três cositas fazem muito bem aos linces dos olhos e aos ristes da língua? - mas isto devido ao fato de que é um povo que busca, que deseja, tem vontade do Sublime e do Sagrado.
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Nesta noite em que a brisa sopra, empurrando bolas de nevoeiro pelo chão, encaminho-me para uma sabedoria onde tudo já estaria conquistado, onde o amor pleno e perpétuo já estaria realizado, se não fossem as lágrimas que me vêem aos olhos, quem sabe por serem revelação e anunciação de que compreendo e entendo que o SOLUÇO DE POESIA que me inunda todo não me faz esquecer esse cântico de verdade sem esperança, que nasce da contemplação, podendo representar a mais eficaz vocação para a liberdade das águas vivas da consciência-estética-ética do ser.
#riodejaneiro, 12 de fevereiro de 2020#

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