#AFORISMO 561/PALAVRAS ROUCAS E ESTRIDENTES# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Do olhar longínquo e vago, quantos sussurros de línguas crispadas, "quantas mãos vazias de carências vizinhas", quantas mãos sem entrelaces, sem serem feitas conchas. Deslizo-me volátil, desatino, "destemido, sem destino, impotente", quero ir ao In-finito. Repasse...

Há mínimos lenitivos, recalcadas dores ignóbeis, retrógrados sofrimentos inóspitos, melancolias insubordináveis, rebeldias irrepreensíveis, revoltas inexprimíveis, saudades irreconhecíveis. Há o pranto no teatro. Há o final feliz nas telas de salas de projeção. Há o espírito da vida nos poemas de verdades da alma, esperanças e des-encontros, mais suave que a água, mais harmonioso que a lira, mais delicado que a rosa. Embacio as luzes, engolfo-me num sinistro crepúsculo de sábado. Seca-me a língua entre os dentes, secura desértica nos lábios, corre-me um fogo sob a pele, ficam-me surdos os ouvidos e os olhos cegos de repente. Quando imagino em tal gosto, instante de prazer indizível em qualquer língua, é minha alma um labirinto; expira-me a voz nos lábios; esvaece-me a audição nas orelhas; nas veias um fogo sinto; sinto os ouvidos zunirem.

Vento, nascido de súbito no pico da colina, desce as encostas em fúria crescente, e se abate sobre a copa em desmaio dos carvalhos. Minha língua se parte; debaixo da minha pele, no mesmo instante, corre um fogo sutil; meus olhos me vêem, me enxergam, me encaram, zombam, escarnecem de mim; zumbem meus ouvidos, um frio suor me re-cobre, um frêmito me apodera do corpo todo, mais verde que as ervas eu fico... já estou morto? Não acredito.

                   Oh sonho, vós vindes na negra...,
                 quando o sono... - ressono, soneco -,
                                deus de doçura,
                   me liberta do peso dos cuidados...
                   desalgema-me das perspicácias,
                   das Defesas des-acorrenta-me...
                     Mas tenho a esperança de não
                                       participar...
                                nada... dos deuses...
                          nada... das fadas, querubins
                                   não seria eu tão....
                                     belos adornos....
                                      Seja-me dado....

Se é que se não pode acreditar – ouvir o senso da razão e da liberdade é conservar os miolos em suas respectivas dignidades e transparências, a massa cefálica onde presumivelmente reside o Q.I., Quociente Intelectual, o corpo podendo mover-se de lá para cá, vice-versa – as legítimas tarefas e funções são tirar de circulação, devido aos atos ilícitos ou aos verbos rasgados, que são reconhecidos como desacato e afronta aos princípios do poder, aos lemas das ideologias, às morais e éticas de escol - quem não sente um calafrio daqueles na medula espinhal só de imaginar as "coisas de escol"? Creio não haja quem não o sinta! Sinto náuseas... -, deixar entre quatro paredes, vendo o sol nascer quadrado. A esperança é a última que sobrevive: os tirados ainda verão o céu azul como a alma da gente nova.


                                        O sol,
                       deitando fora a carapuça,
                            espalhará outra vez
                       os grandes cabelos louros.
                              Brotarão as ervas.
            As flores deitarão aromas capitosos.

Tenho palavras em mim desejando, buscando porto, são roucas e estridentes, irritadas, enérgicas, esconseadas há tanto tempo, seria que perderam os sentidos, seria que perdessem o sentido, querem simplesmente dizer-se, obscenos gestos avulsos, sem quaisquer sensos. Despojado para o reino dos mortos, onde entrarei obscuro e obscuro me diluirei no lago das sombras. Nem o Sol, nem as Estrelas, nem as Constelações, nem a Lua me recordarão sobre a Terra. Vim aqui só para dizer, o que há-de silenciar-me, o que há-de calar-me? Não perde por esperar o eco das palavras musicalizando ritmos e melodias intrínsecos do coração,


                              "a solidão abrasa a alma
             que se sente desprotegida,
             que se a-pres-enta desolada,
             que se re-presenta carente,
                                sozinha
              e sofre sem ser peça teatral,
                 é o teatro da vida no real.
O corpo se me arrepia;
Fogem-me as cores do rosto,
O brilho do olhar
Como ao vir da quadra fria
Entra a folha a desmaiar"

Águas re-fletindo imagens sob raios numinosos do sol, cantando através dos ramos das macieiras, a sombra das roseiras cobre todo o recinto e das trêmulas folhas escorre um sono pesado, luzes re-fletindo perspectivas sob a claridade do alvorecer, lírios brancos à mercê de vento suave, belga pousado no arame farpado da cerca, trinando seu canto, nuvens brancas deslizando no azul celeste, pétala perdida de rosa vermelha sendo levada a esmo pelo rio sem pressa de sua jornada, beija-flor sugando o néctar das flores. Outras plumas, o céu se desfaz.

E eu, pobre, miserável, de sentir medo de tanta feiúra, desmiolado, seguindo em frente... passo a passo repassando os passos. Pela esquerda se entra, pela direita se sobe os degraus, seguindo as linhas infinitas das páginas das contingências em baladas de paraísos olvidados.

Possa esta noite durar o tempo de duas noites! O que me sinto de mim? Quiçá nada sinta de mim, sinta do que sinto, para que tenha exclamado isto com tanta veemência. Sinto-me duas almas, duas vidas...

O ar da madrugada é estritamente necessário para a continuidade das querências de outras perspectivas dos sentimentos e da entrega, eis-me sentado à amurada perscrutando, às três e meia, não conseguia dormir, desagradável mexer-me, re-mexer-me de lado para outro na cama, à distância o corrimão da ponte, as luzes acesas, passadas nas frestas entre as folhas das árvores de esquerda e direita, as calçadas escuras, compondo círculo, nas adjacências sombras.
                Oh, metafísicas barrocas
              cadenciando o belo e o feio!!!
                  Compreendo que o medo
              foi inventado por alguém
              que nunca tinha tido medo;
                               o orgulho,
              por quem nunca tinha sentido orgulho.
                        Se não consigo entender
                                o meu silêncio
              de nada irão adiantar as palavras:
                                é no silêncio
                          das minhas palavras
                              que estão todos
                                   os meus maiores sentimentos,
                                         idéias escusas, hereges,
                                         pensamentos proscritos,
                                              ideais vagabundos...
                                            utopias psicodélicas...

O que há de mistério e inconsciente, o que há de mítico e místico, o que há de lenda e folk-lore, o que há de mitológico, do nada quiçá possa haver, das nonadas talvez o que fora concebido no passar dos tempos esteja por se manifestar, mostrar a sua face; olhos perdidos no espaço de todos os versos e verbos da noite e do dia, da chuva torrencial e sol escaldante, quem sabe e conhece artificia o eterno que preenche as lacunas das novas lições, inéditas e exóticas aprendizagens. Visões interceptadas, e tudo o mais inter-dito. Outras riquezas ocultas se despedaçam. Afetando entregar-me, doar-me ou render-me, a cada suspiro mais me in-trospectivando, re-traindo as dialéticas das ciências sublimes e formidáveis e as pesquisas ardentes do inesquecível que se mostram na imagem do espelho uni-versal, do inefável que me extasia, des-piciendo monumentos erguidos à Verdade de o mal da vida em ecos, sibilos se dispersam, desvanecendo treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra.

A língua se me fenda - as musas abençoem-me, iluminem-me: eis-me "entre quatro paredes"! - e um fogo subtil alastre sob a minha pele, os olhos se me escureçam, obnubilem, os ouvidos me zumbam, sussurrem, murmurem, ruminem, o suor me inunde, um arrepio me percorra todo. Faz-me isto tumultuar o coração no peito.

Está a meio a noite e o tempo passa. E eu sozinho estou deitado. "O mundo de cada ser é um enigma carregado de dores que tenta remoer e esconder, com receio do escárnio do vizinho azougado que apenas deseja apontar e apunhalar", esperar não é saber, esperar o enigma carregado de dores refazer-se, esperar os mistérios carregados de questionamentos e indagações re-nascerem-se, quem sabe clarear as idéias, ideais... "Somos todos iguais braços dados ou não." E só no amor que o amor há-de chegar, de eternizar nos dialetos da língua os genitivos da alma.

                          Ouço o pulsar do coração,
                              extasiado de emoção,
                          no que em mim trago dentro,
                          as volúpias da alma transcendem
                          as elegias do instante de sonho
                          trans-elevam églogas e idílios
                          do minuto de ilusões.
Respiro a custo, e já cuido
Que se esvai a paulicéia vida!
Concebido o "flumenense",
Arrisquemo-nos a tudo...
Contra uma angústia insofrida
Tudo se deve tentar,
Contra um prazer não sentido
Levar na flauta as náuseas...

Em mim, sentindo íntimo, a alegria conjuga versos, a felicidade recita de rimas as fantasias do amor correspondido, do amor sentido profundo, do amor saboreado, do amor entre-laçado de corpos, busca do clímax absoluto e pleno, busca dos nomes escritos nas estrelas. Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo; e pálido e perdido e sem ar, um frêmito me abala... eu quase morro... eu tremo. No que em mim deseja de Verdades as regências verbais tecem de erudição a estética do estilo sensível, espiritual, as metáforas conjugam de imagens a linguística do eterno, as regências nominais desenham no horizonte as perspectivas da linguagem do Ser e Tempo, do estilo do Ser e Nada, e nos interstícios da alma de verbos alucinados, tresloucados, esperanças delineiam de perspectivas cânticos solenes em uni-versos líricos, vim de longe, vou mais longe, quem tem fé e utopias vai me esperar no dia que este mundo vai virar, plen-itude de êxtases compõem de estesias alhures de sentimentos à busca de subjetivas verdades, algures de desejos de felicidade à busca do espírito de con-templar o absoluto sentido efêmero... absurda acepção eterna e do eterno,


                              templo sem tempo de mim,
            tecendo o terço das ipseidades e facticidades,
                                        sentido volátil,
                                        sentido nítido nulo,
                                        sentido oblíquo e obtuso,
                                                 sentido ubíquo,
                     capela sem efígies hereges e proscritas,
                                   sagradas de minh´alma,
                                   sentido estrela cadente,
                                             sentido vazio,
                                    sentido lua minguante,
                                            sentido fugaz,

uma flor é feita de pétalas e de perfume, e tem a cor que as mãos conjuntas da terra e do sol espiritualmente lhe concederam, doaram-lhe. A cor talvez se desvaneça, mas pode alguém pisar um perfume?

Sonhos do belo, beleza de re-fazendas conjugam imagens e intuições, perspectivas e inspirações, criatividade e percepções, re-criando da memória o movimento, do in-audito o leitmotiv das utopias do sublime, re-inventando das lembranças o impulso, literalizando da recordação os instantes, esplêndidos
os astros recolhem a forma lúcida, quando plena ela mais resplende alta, argêntea, a coisa-oferta que se abre fortuita, gratuita à minha perspicácia em engenhar no poema do espírito a presença viva do eterno feito amor, do efêmero feito desejo, do fugaz feito fantasia, do há-de ser feito querência, do simples feito grandeza, do nada feito travessia para o além...


Quê sol quente e quê ex-tases do novo dia que vai chegar!


(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE JANEIRO DE 2018)


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