#AFORISMO 533/AUTOBIOGRAFIA DE UM ESCRITOR# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Sou a idéia de uma coruja
Pousada sobre uma galha de árvore,
E quando sou a idéia,
Sou a coruja.


Sou composto de traços e passos
Ensombrecidos cantos, recantos e auroras.
Sombrios sítios, crepúsculos, cavernas,
Ensombrecidos bosques, alvoreceres, abismos
Entardecidos recônditos, interstícios, angústias, náuseas.
Anoitecidos desejos, vontades, utopias
Sou lembranças de sonhos perdidos nas curvas do tempo,
De esperanças esvaecidas nas molduras paisagísticas
Que éter-izam horizontes, que perpetualizam os alhures de confins,
Sou recordações do raio de luz, do sibilo de vento,
Sou memórias de instantes de prazer, momentos de dor
Com que apagam
Na noite a luz do abajour que acendo.
Sou a neve que cai nos telhados de choupanas solitárias
Sou o silêncio que brota da névoa que rola
Sou obstinação, determinação, insistência, persistência
Sou medo, insegurança
Sou circunspecção, introspecção, prospecção
A lenha que re-colho para colocar na lareira
A chama do fogo que rasga a escuridão.


Sou composto de marcas e cicatrizes;
Uma face e um símbolo, um rosto e um signo,
Um semblante e uma metáfora,
Uma fisionomia e uma metafísica,
Uma imagem e uma perspectiva,
Uma silhueta
A poeira das ruas de minha terra-natal
Na sola de meu sapato,
Poeira que vou deixando nos pretéritos do tempo
O destino é a cidadania do mundo
Minhas mãos postas ao céu, ao que trans-cende,
Sem rezas, sem orações, sem dogmas e preceitos
Meu punho erguido, rebeldia insolente,
A palavra em riste, revolta,
Cruz de meu inferno,
Um murmúrio, um sussurro, um grito
Um berro altissonante,
Uma agonia, um desespero, um desconsolo
Lágrimas que descem a face da contingência
Sorriso enviesado que se esboça frente ao in-audito
Brilho, por vezes frio, por vezes brilhante
Diante da solidão do silêncio.


Amando, nada sou
Intrans-itivo verbos com a pena das desejâncias do Ser-Amar
Regencio inauditos, silêncio e solidão com a tinta das querências do Sublime, desejanças da leveza do ser,
Amando, amo e amo amando
Inspiro-me de sentimentos que se a-nunciam longínquos nos recônditos da inconsciência
Sensibilizo-me com a sensibilidade que reina, impera e vigora nas alamedas
Tapeadas de silvestres flores de ipês amarelos.
Evangelizo-me com as lâminas espirituais dos encontros e des-encontros do sublime.


Sou composto de estrume e de solo íngreme;
Sou rumores, sou gemidos, sou suspiros,
Sou ruminante de ouro e riso
Nos caminhos de luz nas trevas
Sou pés trilhando ruas e avenidas,
Sou folhas mortas que não voam,
Sou pássaros imóveis que não trinam,
Sou águas sombrias que não correm,
Sou pernas varando o tempo,
Sol na cabeça, no rosto e cruz suja de terra,
Fardo colorido, destino branco e preto,
Sina, saga, destino sem cores e brilhos,
Sou o aqui-e-agora, o que há-de vir,
A hora que se apresenta e se esvaece
Mas retorna com novas energias, forças,
Sou minutos que passam como asas
Projectadas no espaço febril de minha insônia


Sou ouvidos de línguas estrangeiras,
Sou voz de olhares à espreita do ser e tempo,
Sou sons agonizantes que aos poucos se extinguem,
Sou a certeza do vazio que delonga,
Sou o abandono que me envolve
Como as vagas ao corpo conquistado,
Ímpeto de lábios, sorrisos à mercê das coisas hilárias,
Fúteis, ridículas, puros nonsenses,
Esgares de tristeza e angústia à revelia das dialéticas
Da vida e morte,
Do bem e do mal,
Pele, pensamentos, poros, pelos...


Sou uma espera, fantasia, ilusão,
Sou um movimento, sonho, utopia,
Um pingo de chuva, um raio de sol,
Orvalho na madrugada, neblina que cobre a montanha
Uma lufada de vento, uma luz de relâmpago,
Fumaça do cigarro que expilo, con-templando, vislumbrando
As ondas do mar, a gaivota que sobrevoa as águas,
Brilho da lua bolinando a escuridão da noite,
Cintilância das estrelas seduzindo o universo,
Sou a mão que pinta de cores semi-vivas a tela de desejos,
Sou a palavra registrando no dito e inter-dito o espírito da vida,
Sou a nudez de corpo exposto às primeiras luzes da manhã
Sou tear na madrugada fabricando vida plena.


Sou capim do pasto e as ovelhas.
Sou peixe e água de rios, córregos e lagoas;
Sou espaço e a borboleta, sou horizonte e a águia
A pomba e o condor...


Sou o in-finito.


(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE JANEIRO DE 2018)


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