#AFORISMO 558/ATÉ MESMO O DESERTO ADQUIRE SENTIDO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Até mesmo o deserto adquire sentido? Sobrecarregá-lo de musicalidade, ternura. É lugar consagrado por todas as dores do mundo.

                   Mas o que o coração reclama,
                               ao invés disso,
                         são lugares destituídos
                                   de poesia.
      Poesia sorumbática
             de luzes e sombras
             de sons e silêncio
             a arte pela vida,
             a vida pela arte,
       Apenas sorumbáticas.
                      O coração reclama ao reverso,
                               são as sombras e luzes,
                                    cenário cinéreo,
                                enigmas e mistérios
                                são os esplendores
                     que lhe faz pulsar de alegria e júbilo.

Desejo da verdade, redenção, ressurreição. Utopias do eterno. Silêncios do Infinito. O íntimo possa iluminar-me. Intuição de que há muito a ser revelado, de que há mistérios sedentos de serem latinizados, rituais famintos de serem lacizados, flor do lácio. Símbolo e re-presentação do sonho da harmonia entre a Vida, as palavras, entre a vontade do sublime e graça, cheia de sonhos e necessidade de paz, sin-cronia entre o Ser-no-mundo,

                                         as
                                    semânticas
                                         da
                                 labuta do verbo
                                             e
                                            do
                                           ser.

Ah, esta vocação do sublime tomou-me por inteiro! Lembrou-me haver sentido frio e vento perpassarem-me a coluna vertebral. Ainda sinto miríades de sensações nos lábios semi-molhados, a língua inerte na boca. Os olhos senti-os faiscarem. Creio que desejei fossem habitar o que percebera e intuíra verdadeiro, pleno de compaixão e misericórdia.

Nem todos estão predestinados a terem a oportunidade, o privilégio, a chance de criar a sua própria personalidade, a maioria permanece numa cópia, num plágio de gestos e esgares, pose de autoretrato de um tipo de personalidade, sem nunca chegarem à experiência de se tornarem indivíduo com identidade própria.

Ideal ético da "superação da compaixão" no pensamento só pode ser re-velado mediante exame cuidadoso de toda a gama de posições. A compaixão é mera paixão, útil apenas aos desprovidos de razão e que, por isso, precisam de alguma emoção a fim de serem compelidos a ajudar os demais. Compaixão é pouco mais do que sentimentalismo imaturo.


Re-vezes, re-versos não são feitos nem de mangofa nem de narcisismo - é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos a virtude ...

Bato à porta. Abre-se. Entro e sento-me. Luz oblíqua, indireta, fragmenta-se nos cálices de champagne sobre a mesa, em estilhaços de vidro que brilham imenso, música romântica no ar. Ubíquos os ideais que anunciam florar-se aos raios das idéias e utopias. A um canto bebo Seager´s com rodela de limão na borda, gelo, num cálice delicado, esforço-me por alinhar as mãos finas com... O cálice tinha um pé fino como estilete.

Sem o desejar, sou quem quebra limites, esperanças, os vários ancoradouros que, com esmerada paciência, tinha estabelecido no decorrer da infância, no per-curso da juventude, sativando a inspiração, alucinações, através das orações, histórias recontadas da Bíblia. Não creio seja inútil preparar-me para a morte, como se pudesse acontecer agora à busca da pequena choupana de paredes azuis, criada no espírito, símbolo da espiritualidade que deseja renovar-se. Sinto que a qualquer instante, ela está por acontecer. E não vou poder sentir-lhe o sabor, degustá-la! Mesmo que a vida se prolongue por anos, não creio esteja maduro para enfrentar a travessia serena da passagem. Isto acontece com os seres que despertaram para a Graça, Misericórdia.


Que me falais? Dizeis-me? Tudo tem de ser criado. Sou triste, tenho dó enorme de mim. É dó tortuoso, cheio de truques, ciladas, tramóias, tripúdios, jogo o pôquer das intempéries e glórias, aposto no prazer de dobrar os naipes da vitória. Parte de mim para Vós, para os Vossos olhos sem sono, fundo, sem insônia; dá a volta através deles por todo o passado vazio, regressando a mim.

Medito, Senhora, sobre o processo da morte de modo a aprofundar o conhecimento do espírito. Sim, devo bem refletir sobre a velhice, morte, pois serão elas a mostrar-me o significado. Tornar-me-ei forte, determinado a mudar o bendito fruto do ventre.

                         Renascer é inevitável.
            Único estado a permitir realizar o despertar
                              de pecados, culpas,
                                     pecadilhos.
             O raio almíscar, gelatinoso de nada,
             esvoaçante nas dobras de cortina adocicada:
                            alçar vôo no tudo, nada,
                           imensidão de brisa serena.
              Bailarina passando no fundo dilacerante
                              de asas e sussurros,
                            de leve brisa de silêncio.
                                    Inesquecível
                            Gemido na noite plena.
                       O raio purpúreo, fosforescente nos
                            Abismos, travessias flutuantes,
                       Seduz o olhar que ad-mira e con-templa
                                 As venezianas do infinitivo
                                                 verbo
                             Do Espírito a conjugar o eterno.


O que desabrocha, floresce e dá frutos, sorrindo ao Sol, universo, é a semente que se tornou árvore, é a semântica das orquídeas que se tornou inestimável beleza, é a linguística do beija-flor e a flor no momento em que o pássaro suga-lhe o néctar, é a metafísica da lâmina do machado e o tronco da árvore a ser declinado, a perfeita síntese. Pode triunfar porque o húmus, fecundo, lhe deu os nutrientes. Triunfa a águia por abrir caminho para frente.

Algo é mexido em profundidade, como se mão entrasse em mim, movendo sentimentos que preferia nas gavetas, na biblioteca entre os livros, na existência entre as intempéries, o olhar compadecido diante da janela, cujo vidro não reflete imagens; alguém de pé, empurrando com a esquerda a cortina. Assim parado, querendo não estar.
Em silêncio, desejando ouvir vozes...
Com todas as lâmpadas da casa
Acesas e ainda faltando luz.


O tempo é de salvação. De não estar sozinho. De sentir o Vosso aconchego. De escutar Vossa voz, capaz de deter o mal, interromper os processos de destruição da vida, dissenção das con-ting-ências. A vida, festa; nela os convidados estão felizes e riem do prazer que sentem - não é para chorar, é para ser feliz, sentir a vocação da felicidade, não é para sorrir e rir, é para sentir o prazer da alegria efêmera e eterna. Haverá alguém quem estende a mão, voz que responderá com carinho, socorrendo nas solidões e carências.
É próprio do espírito sentir e experimentar dentro de si, como ressonância, todos os seres e o Ser. Lamento nada poder dizer-Vos, Senhora de Amor e Entrega, rejubilante, porque o amor que age, comparado com o contemplativo, é algo de cruel e atemorizante. O amor contemplativo tem sede de realização imediata, atenção geral. Chega-se a ponto de dar a vida, com a condição de que não dure muito tempo, tudo acabe rapidamente, como no picadeiro, sob os olhares e elogios. O amor atuante são o trabalho e o domínio de si, e para alguns, toda uma ciência, a todo instante entrega-se, ensaia outras doações, à busca de revelar-se, id-ent-ificar-se, para muitos uma filosofia.

Talvez, “Homem Sublime”, todas e quaisquer felicidades, prazeres, exultações, tudo quanto haja de risível, sejam, por mim, apreendidos, transformando silêncios, vozes, totalidade dos sonhos e objetivos, dores, sofrimentos, prazeres e delícias... Todo o Bem e todo o Mal que me habitam... Tudo isto - a fonte do rio dos fados, ouvindo-lhe o anseio, desejo, sonho, coro de muitas e serenas vozes, cessando de unir a alma a determinado som que inda desconheço, sibilo que, entre serras, manuscreve o pórtico partido para o Impossível.

Palavra a mais e começo a sentir
                                         tudo ser criação;
                a síntese das experiências transformou-se                         em poesia,
construiu a essência da comunicação com Deus,
                    com a Humanidade
- aquela esperança de, subitâneo,
perder-me em todos os sonhos aí,
sedentos de realização.
Os rios sagrados remontam á nascente, à fonte
os homens tramam pérfidas conspirações,
performam fétidas traições,
e a fé nos deuses já não tem raízes
nos corações
o pudor levanta vôo aos céus.

“Homem Sublime”, entendo a existência ser Caminho de Luz nas Trevas, Caminhos do Campo, aproximação, distanciamento, toda dor seja no tempo, pertença-lhe, do modo mesmo das angústias, tristezas, com que os homens nos afligimos, ajoelhamo-nos e rogamos a Deus compaixão e solidariedade!...

Metáforas às nonadas do re-nascer,
tudo ser beleza e resplendor
antítese das éritas re-cord-ações de idos instantes pretéritos
arte de viver.
Apenas floresce alicerçada num íntimo entendimento
entre o ser humano e aquilo que
objectivamente o rodeia,
quiçá subjetivando o que circunda
de ideais, utopiasa
tese das presentes quimeras
Esse ambiente envolvente não de ser belo,
singular
ou sequer encantador. ...

Com-preendo os tempos des-ocultem valores profundos.

Ah, este desejo de a Vida coincidir com a Irmanação!


(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE JANEIRO DE 2018)

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