#AFORISMO 566/SENHORA FONTE DAS GRAÇAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Para que o silêncio ressurja, o olhar suspenso, a aflição dos espaços, a surdez absoluta da montanha, o intocável da noite se revelem, é necessário transpor o limiar do imediato e aceder às origens de mim, aí onde a consistência se dissolve e a eternidade se desprende da sucessão do tempo, e o meu olhar se descola da apreensão do ontem e do amanhã, das situações e circunstâncias que me algemaram ontem, que me libertarão amanhã. Suspensos os meus olhos, o meu ser, um arroubo alevanta-me, vertiginoso ergue-me e o espaço abre-se da comunidade de mim com o espaço sideral, o alarme e o augúrio, o sufocante mistério, a profundidade da noite.

                   Na mesma concha das mãos,
                             Con-templamos,
                               Vislumbramos,
                             Des-lumbramos,
                                A-lumbramos
                      as cores vivas da natureza,
                             e do ar o invisível,
                     inspirar nelas para construir
                               outras realidades,
                        considerar dádiva de viver.

                             A verdade é imagem
Nua,
Crua,
                             A imagem de pouca razão
Rota,
Baça,
                                   Às vezes enganação
Sufoca,
Condensa.


A imagem é pers-pectiva
Do olhar percuciente
Do que habita a intuição
Da verdade,
Do que reside na busca
Do ser
De sonhos e utopias,
Do que há nos recônditos
Da alma,
Do íntimo,
Delineada no desejo
De sua perfeição,
Liberta o coração
De suas algemas e correntes
De sentimentos de não.

                O abismo, onde tudo a pó se reduz,
           Tão fundo que nem o eco aí segue a sua lei,
                           Ante meus olhos serenos...

A voragem,
     Que não tem cimo e que nem sequer tem margem,
             Ali está, sombria, imensa; nada nela mexe.
                  Perdido no mundo infinito eu me sinto.

A verdade é eco sombrio
             Triste, sem razão,
             Alegre brio do viver,
             Do viver passageiro,
              Da morte eterna.


A vertigem
        Que não tem essência e tampouco possui centro
              Quiçá no limite das forças e dos poderes
                                 Haja-se aboletado
      Surpreso no mundo das contingências encontro-me
                            Indagando e perquirindo,
      Se em verdade superei as agilidades e habilidades
                          De ver-me, con-templar-me
                    Sob di-versos e ad-versos prismas,
                           Ou se suprassumi a vida,
                                  Ora, se me dá...
                 Quero-me vida, quero-me efêmero...

Do antiqüíssimo de mim, onde têm raiz todas as rosas de maravilha, todos os lírios de magia no branco de suas pétalas, todas as samambaias de puro verde, balançando à mercê do vento que passa, após o sibilo dele entre as montanhas, cujos odores são esperanças que amo, porque as sei fora de relação com o que há na vida, uma vontade estranha, oculta, e deliberada de verter lágrimas quentes e fáceis, talvez porque a alma é infinita e a vida, finita, talvez porque a fé é horizontal e a vontade dela, vertical, na uni-versalidade dos ponteiros do relógio que se movimentam lentamente, a-nunciando o porvir de outros amores e sonhos nas bordas do tempo, o vir-a-ser de outros projetos e objetivos a serem cumpridos para a continuidade da vida e a feitura do ser, no canto da coruja em madrugada alta, no voo do condor no pálido crepúsculo de uma apaixonante sexta-feira de quaresma, a querência dos verbos nos sonhos de fin-itude, nas utopias de eternidade, na cont-ingência da morte e do esquecimento.

Rompe, em claridade, o madrugar, dissolve na bruma o raio fugitivo e a natureza chora gotas de sereno cristalizadas, observo eu da sala de estar, olhos ensimesmados e questionadores, o tempo ensimesmado, e ainda penso como será o amanhã no aceno da memória; no picadeiro do sonho, raio de luz passeia nas ruas e avenidas, solto, brinca no jardim ensaiando cânticos na primavera noturna da ilusão, quiçá no outono do dia da verdade e do absoluto, em vigília a essência do olhar, o ser dos sentimentos que perpassam a vida em busca de evangelhos do amor e paz, em busca da EFEMERIDADE.

A compaixão surge na existência contínua, cíclica, com grandes fontes de alegria como a misericórdia, o que desejo é que ilumine a todos como tem iluminado a mim, e deito tranqüilo e sereno, sonho paraísos, sonho florestas silvestres, sonho sendas perdidas, sabendo que vós, Senhora FONTE DAS GRAÇAS, estais junto a mim em todo instante.

(**RIO DE JANEIRO**, 31 DE JANEIRO DE 2018)





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