#AFORISMO 548/ESSÊNCIAS DA REBELDIA E INSOLÊNCIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Ao caríssimo, Flayton Albino:


Respondo-vos a vossa missiva, em princípio eivada de todos os verbos da diplomacia, que deram origem àquele movimento dos lábios, riso amarelo, mostrando aquela dúvida metódica das intenções, não se estes verbos tinham regências, se con-jugavam as idéias, pensamentos, sentimentos, mas o motivo real e patenteado para a diplomacia. Não negligencio o lácio de excelência da linguagem e do estilo, Português deveras escorreito, merecendo até um "quadro" para ser exposto em todos os cantos, recantos do mundo, para as pessoas con-templarem o que é isto escrever uma missiva com tanta pompa.


O segundo parágrafo, de início, a pergunta capital se re-vela límpida, transparente: "Você não tem companheiros, amigos?" Em contra-pergunta: "O que muda se tenho companheiros, amigos? Acaso serei outro a vossos olhos, sensibilidade?" Respondo-vos com aquela galhardia que me é peculiar, res-posta que traz em sua algibeira as essências da rebeldia, insolência, e que me enquadram com perfeição na moldura da irreverência plena. Res-pondo-vos: "O companheiro, a companhia que tenho é o outro de mim que escreve. É o companheiro, amigo fiel e leal que translucida as idéias, pensamentos, explicita os sentimentos e emoções, elucida os sonhos e utopias em mim residentes." Creio não vos satisfazerdes com tais palavras e com a autenticidade delas, mesmo as endossando, por esperardes outra bem ad-versa a esta. Aliás, nas vossas entre-linhas está evidente quereis des-afiar-me no sentido de ter coragem suficiente para mostrar a minha inconsciência, as razões de minhas irreverências, insolências, rebeldias, sendo objeto de análise e interpretação da Psicologia, as mazelas que omito, escondo, venha ela jogar-me na sarjeta mais imunda, fétida.


Caríssimo amigo, não lego crédito às verdades da Psicologia, se ela possui alguma, são teorias, ensaios, chegar a uma verdade dela só o tempo pode realizar, embora as dúvidas continuem ec-sistindo. A alma humana jamais será abarcada em sua totalidade, plenitude, haverá sempre perguntas, indagações. Uma dimensão de minha inconsciência presenteio-vos: desde a decisão de reverter o quadro de ser só, apresentei-me aos amigos e companheiros como um indivíduo que se sentia inferior, era um fracassado, frustrado na vida, a relação se presentificou, e eles sempre se sentiram superiores, eram a verdade de suas visões-de-mundo.


Tive amigos, companheiros com quem convivi por algum tempo, por anos, mas me incomodava algo que não desejava verbalizar naqueles pretéritos. Há tempo para todas as coisas, apesar do lugar-comum deste dizer. Chegaria o instante da verbalização. Chegara com efeito. Desde tenra infância, sentia-me feliz, contente, alegre, satisfeito no meu canto, recanto. O ser só me encantava. Passaram-se alguns anos, desejei re-verter este quadro, enchafurdei-me inteiro nas relações. O coração já não pulsava espontâneo e livremente, tornou-se comedido, minh´alma vertia lágrimas pujantes, estava negligenciando-a, jogava fora o que de mim era a verdade, ser só, trocava os pés pelas mãos.


Diante de uma certa circunstância e situação, prontifiquei-me a estender a mão a alguém, pensando: "Já que nada posso realizar, então ajudo a este amigo. Não dizem que a felicidade do amigo é a minha felicidade." Mas a consciência disto se manifestou, quando disse a mim próprio: "Não sou inferior nem superior. Sou eu diante de mim. Ponho a mochila nas costas." Para compreenderdes bem, imaginai-vos convivendo com alguém cujo orgulho da raça, da estirpe, da laia habita o Olimpo dos Deuses, aos olhos de todos, de um povo, não apenas dos próprios, ainda com este complexo de inferioridade. O orgulho intensifica-se a cada passo, o complexo aumenta a cada milímetro de terra. Que venham os psicólogos e psicologistas analisarem isto!...!...!... Psicanalistas e terapeutas já colocaram as verdades em minhas mãos feita concha.


Aliás, esta vossa pergunta: "Não gosta dos homens, por que então esta farsa, falsidade, hipocrisia em dizendo que escreve para os homens, para a humanidade?" Verdade verdadeira: não gosto mesmo dos homens, da humanidade, simplesmente devido às suas farsas, falsidades, hipocrisias, comportamentos e atitudes espúrias, suas mazelas e pitis. Mas isto não impede que escreva para eles, que revele no espelho a imagem deles, diga-lhes de certos princípios morais e éticos. A natureza humana é de todos, cada um com as suas cositas. A minha natureza humana tive de conhecê-la, quisesse ser livre, quisesse fazer-me no mundo, vivo-a com toda empáfia e embófia. E quando vos disse que o meu único companheiro, amigo que tenho é o outro de mim que escreve, intentei dizer que este companheiro joga as minhas cartas sobre a mesa, com os naipes bem nítidos, puxa-me as orelhas, dá-me coças homéricas, mas entendo-lhe as razões, quer-me diferente, deseja que eu pense, reflita, medite sobre as blandícias, mostre-as claras e transparentes, não apenas nas escrituras, mas no quotidiano das coisas, objetos, homens.


Dizia-vos dos amigos e companheiros que tive. Tive-os, nada pode negar, são as sombras que me acompanham, como tantas outras. Mas, no tempo que se patenteara, simplesmente me afastei solenemente deles, deixei-os no passado. Ser só é a minha verdade, e o único companheiro, amigo que tenho é o outro de mim que escreve. A amizade e o companheirismo existem sob infinitos prismas de afeição, afeto, carinho. Não sinto qualquer necessidade de vos declinar os poucos amigos e companheiros, dentro do prisma que con-templo sobre as dimensões das relações humanas. Posso afiançar-vos que esta amizade e companheirismo se fundamentam no ser de mim só.


Envio-vos uma imagem perfeita para a ocasião. Duas águias voaram por anos uma ao lado da outra, num instante uma delas mudou sua trajetória, seguiu outros rumos e direções. Com efeito, arrojado que sou não ad-mito o que era chamado por todos os séculos e milênios de amizade.


Sem mais para o momento, subscrevo-me, enviando-vos os meus cumprimentos. Vossa missiva fora "supimpa" para verbalizar solenemente o que faltava para concretizar e solidificar o "ser só" de mim.


(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE JANEIRO DE 2018)


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