#AFORISMO 421/QUIÇÁ POSSA EU PRÓPRIO ENTENDER A PROFUNDIDADE DE SABOR!# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Qual a razão do desejo de me extasiar com a estesia?
Por que tanta volúpia
em estesiar o fogo que
me toma?,
descubro inúmeros detritos no coração, a infância: inicia o empreendimento de a dissolver, não é o suficiente, contudo: já não posso esconder de mim próprio que invento a cada instante sentimentos e emoções que me podem aproximar da sensibilidade tão desejada, às vezes se me anunciando ser ela o sublime que me aproxime do belo, este sim é o que me excita, faz-me sentir extasiado.


Hoje,
após longos anos,
longos anos,
sentir o gosto de apanhar
um caju,
chupar-lhe, o gosto da infância.
Escondi-me da estrada
que devia seguir, realizar,
o sabor de caju armazenei na memória,
quem sabe um dia,
volte a sentir-lhe!
De volta {à} natureza...


Estaria interessado em responder a questão apresentada desde o intróito ou procuro outra vez mergulhar em mim dentro desejando seja capaz de ser verdadeiro e real, isso é o que irrita impressas as palavras outros sentidos são encontrados, o que alegra por contribuir com a busca, mas a partir do instante em que sou criado e recriado, invento-me, entristece-me sobremodo por assim conhecer apenas a imaginação fértil, criação, através de estilo e linguagem.


Quanto menos memória tinha a humanidade,
tanto mais de espantar:
era o aspecto de seus costumes
o rigor das leis penais
permite apreciar especialmente
as dificuldades que ela experimentou
antes de si fazer senhora
do esquecimento
e para manter presentes na memória
dos escravos das paixões e dos desejos
algumas exigências primitivas da vida social


Não estou preocupado em descobrir o modo como superar estes problemas irresolvíveis, creio que por falta de explicação, difícil viver sem ela, não aprofundaram neles. Nem responder a questão com categoria e sabedoria estou, apenas não há o que fazer senão registrar palavras no papel, que serão lidas por alguns, aí começando as polêmicas, os entendimentos e compreensões que são difíceis de estabelecer. Se desejar desaparecer como uma águia, faço-o num piscar de olho. Ouço músicas, enquanto escrevo, sendo agora onze e cinquenta e oito da noite, faz-me enlouquecer, mas quando retorno ao que está-ai, lembra-me a luz da lua incidindo na lagoa de bosque faz saber o que é amar.


O peso das velhas misérias, as enfermidades; não podendo ser tudo, sou quem hoje se lança numa orgulhosa busca, para fazer ver a todos que recebo as minhas determinações de dentro e, consentindo que coisas bem íntimas sejam reveladas, não há o que temer, sou o único responsável por elas, a mim devo explicações, sou quem se afasta das “badalações” – confesso não haver encontrado outro termo adequado para mostrar as relações, as conversas fiadas, os disses-que-me-disse, as fofoquinhas, as considerações muito sérias e responsáveis, os compromissos imprescindíveis – ou, pelo menos, ausento-me de estar no meio das pessoas, participando de todos os momentos, deixando aos hábitos e costumes que os outros me fizeram adquirir o cuidado de assegurar a posição vertical, as funções naturais e sociais do meu corpo.


Sentando-me à mesa de bares, restaurantes, botequins, lugares mais agradáveis que existem, não dou atenção para ninguém, as conversas, ouço músicas, leio ou garatujo palavras no guardanapo, nas orelhas dos livros. Isso durante o dia.
Sou quem, com toda a liberdade, decide, como São João da Cruz, mas sem misticismo, nunca fazer nada para “nada ser em nada”, livremente.


Procuro, por vezes, no passado, uma série de re-cordações, a fim de, com elas, criar-me, estabelecer uma história, mas encontro-me longínquo e minha existência insufla-se de memórias.


Olhar penetrante, talvez reconheça
hoje no homem
vestígios de ferozes alegrias.


Acabo de isso compreender numa conversa com a companheira, dizendo-lhe as palavras existem para que brinquemos com ela, citando ela uma passagem de Sabedoria, da Bíblia, que ora não me lembro delas. Apercebo-me de que o desejo mais íntimo saí do coração pelas mãos e que estou já empenhado num empreendimento, as palavras de ontem, hoje, mês passado, se reúnam, organizem-se, para me refletirem o novo rosto, rosto inteirado de si, rosto em átimo de instante sempre inusitado, que estou a desfazer pela palavra para poder um dia fazer por atos, esta destruição me cria, sou quem o determina irreversivelmente, que me transformo pouco a pouco nesse ser incomparável e qualquer um de nós somos para nós mesmos durante o sono dos nossos Fantasmas; finalmente “mergulhei”, condenei-me, faça o que fizer, a não ter mais trampolim algum a não ser eu próprio.


O itinerário propício
para encontrar a alma é afastá-la
mais possível de mim,
não deixando a razão interferir,
e a trajetória irrepreensível
para enfastiar, pela mesmidade,
oh, inspiração do inédito,
onde estás, em que gruta
tu te escondes?
é abrir a cortina da janela
decifrando, recitando versos...
Embora orgulho do reconhecimento da linguagem e estilo originários, individuais, originais, isso por amigos haverem dito, convencido, persuadido, antes a busca era apenas de perder-me em quem sou, descobrindo-me outro, o utensílio que posso usar é somente o hoje, o que em mim dentro anda.


Há tantos “eus” a imaginação de uma parca luz noturna não poderá avaliar, tantos. Aí, inicia a busca eterna, sendo que ainda não serei eu. Ainda bem seja assim: o que faria com as palavras em mim dentro?


Nada.
Inúteis seriam..


(**RIO DE JANEIRO**, 28 DE NOVEMBRO DE 2017)


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