#AFORISMO 380/ POESIA DA VIDA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Tenho sentido à soleira da caverna em manhãs de neblina ensimesmando,
nublando o tempo, sou ninguém, excetuando uma sombra, de um jeito que me assombra, por vezes me surpreendem as suas formas ad-versas, por vezes me extasiam de suas cores diferenciadas, entre o claro e o escuro, e em nada ec-sisto como a treva fria, gélida.


Tenho "e--xis--tido" o que sinto faltar-me, uma angústia, uma tristeza, uma nostalgia, desconsolação da epiderme da alma, o ser de minha falha, que esterco metafísico os propósitos todos, que água de cisterna a aguar-lhes continuamente, ad-versamente ao sol-pôr do esforço e labuta, tornando-me dedicado ao fim para o sentido disto de "tenho "e-xis-tido", fim para o que isto me aproximou de si, vadio, sem andar, macunaíma acelerando o balanço da rede, olhos fechados em nada o que pensar, posto a um canto e ido sem que eu no "e--xis--tido" fosse, barco, nau sem mar.


Tenho ouvido no alto da colina,
Em dias de chuvinha fina,
A poesia, sentada de por baixo de oliveira frondosa,
Clamando às nuvens cinzentas
A beleza do belo de versos compostos
Com a sensibilidade da alma, com a intuição da esperança,
Com a percepção dos sonhos,
Com o sexto sentido das utopias,
Versos compostos com a estesia da Vida,
Re-clamando às nuvens escuras
O mistério do sentimento de prazer da liberdade "ec-sis-tida",
A palavra cumprida a rigor e critério.


Tenho "ec-sistido" o vento e o sol à soleira da choupana, andando pelo caminho das Estações a seguir e a olhar, ruído de chocalhos para além da curva, os meus pensamentos sente o crepúsculo entrado, as nuvens passam a mão por cima dos raios de luz, corre um silêncio alma a dentro, é o que deve ele estar nela, quando já pensa que "ec-siste", e as mãos colhem frutos sem a alma dar por isto. O "ec-sistido" que em mim passava, se "ec-sistisse" hoje, quiçá se lembrasse, talvez se re-cordasse de terem havido sentimentos que conheço melhor por dentro de que esse eu-mesmo que passa por aqui.


Tenho verbalizado ócios e ofícios, ofícios dos ócios, dos ócios aos ofícios, macunaíma de controvérsias de des-ânimos de pensar, espairecer as dores contundentes das perquirições e ausências de respostas, continuamente sentido que fui outro, que senti outro, que pensei outro, que cogitei o ergo sum. O que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.


Tenho presenciado nos terrenos baldios
Em noites de temperatura quente,
A poesia, contemplando a lua e as estrelas,
Rogando ao espaço, uni-verso, horizonte,
As metáforas sensíveis e abissais,
As metafísicas do nada e vazio
Eivadas de promessas do pleno, do sublime,
Que glorifiquem, jubilem desejos, vontades,
Volos, desejâncias, querências,
Do alvorecer plen-ificado de brilhos e cintilâncias
De tempos futurais, de tempos além, de tempos alhures.


Tenho estado nos becos sem saída ao lado da poesia, ombro a ombro, a ouvir-lhe dedilhar no seu violino a música, a que transcende o som da musicalidade, declamando a sua carência, solidão, pedindo à eternidade sons, ritmos, melodias, acordes de estrofes que templem o tempo de ideais, utopias da verdade, de chaves de ouro que velem as instâncias das idéias, pensamentos,
que revelem o ser do in-audito com o espírito dos inter-ditos da felicidade e da alegria.


Tenho estado nos botequins
Con-templando a poesia sentada no meio fio
Perscrutando os transeuntes, os carros passando,
Reclamando dos homens, dos poetas,
O coração pulsando de idílios, devaneios,
Fantasias, quimeras, sorrelfas,
Deixando lágrimas escorrerem livres
Na sua tecitura, tessitura,
Na sua estrutura, na sua forma,
De tristeza, desconsolo, abandono,
Levantando-se,
Seguindo o seu caminho de frontispício baixo,
Nalgum banco de pracinha pública
Estirará o seu corpo, dormirá o seu sono,
Sonhando o amanhecer
Quando será a Poesia da Vida.


(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE NOVEMBRO DE 2017)


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