#AFORISMO 396/PROSA DE POESIA A QUALQUER TOQUE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Dias de verão.
Horas de suor.
Madrugadas de mormaço.
Lugar em tédio deixado.
De tudo, sentimento vivido.
De nada, re-versa emoção de lácias dialécticas,
Latinas contra-dicções nas marolas dos desejos,
De vazio, in-versa sensação de egrégias des-razões.
De nonada, per-versa intuição dos nonsenses.
A re-núncia encontrada em nós desta liberdade.


Olhar de frente as coisas lineares
Re-nascidas nas veias oblíquas
As coisas verticais,
Re-feitas no sangue obtuso.
Olhar de baixo para cima as coisas ridículas.
Re-feitas de brilho e resplendor.
Gosto do Nada
Assim, assado,
Subjuntivado, gerundiado
Participiado.
Amo o Vazio,
Frio, esguio,
Escorregadio.
Sou fã da Nonada
Declinada, recitada
Declamada,
Preterizada,
A-nunciada
Olhar de esguelha as coisas visíveis
Re-criadas de sonhos, utopias.


Vem a imagem de que necessito
Re-tornar à sombra de uma árvore,
A cabeça sobre sua raiz,
E olhei para cima,
Um vazio sem limites,
Mas esta lembrança permaneceu
Em mim desde sempre,
Embora não tenha sentido ou intuído antes.


Fazenda.
Era tarde,
O sol queimava o corpo a qualquer toque,
Um calor infernal,
Fui lá eu sentar-me por baixo de uma árvore,
Para descansar à sua sombra,
Fora quando senti um vazio enorme,
E quando desejei ter ao meu lado todos os homens,
De qualquer credo ou raça,
Vi-me caçador do in-audivel, in-visível,
Inter-dível
A terra sugere levantar-se, o céu descer.
As estrelas deslizarem no espaço até caírem.
A lua re-colher seu brilho, esconder-se.
O verão vai chocar guinchos cerimoniosos nas vertigens.
Trans-corre-se ambíguo.
Ab-surdo plúmbeo e clorificado.
Oscila entre sombras, tédio, obscurecimento.
O duplo trans-corre-se.
Oscila entre o pessimismo, nostalgia, paz.
Somos miséria, desgraça,
Somos pobreza de espírito, esquizóides da alma.
A liberdade, luz estrídula: presente e futuro.
Presente mesquinho,
Medíocre, vivido insuportavelmente.
Não vislumbro nele senão estranho e inexplicável
Mostruário de paixões e desejos reprimidos,
De tradições e idéias maquinais,
Neuras ec-sistenciais,
´Coses con-tingenciais,
Tudo mal misturado e ao acaso
No rosto débil e lustroso de um homem
Que orça pelos cinquenta e seis anos,
Tão irresoluto e indeciso agora como o fora na mocidade.


Com certeza, houve modificações, mas metamorfose alguma.
Nada além que irresolução e indecisão.
Que inventário maravilhoso!
O conhecimento da beleza incumbe-se em ir construindo-se.
A afeição transbordante de calor.
Passo pelo tempo, conhecendo.
E nada vem do chão, e nada vem do abismo,
E nada vem da terra,
Não fora Sócrates quem disse,
“Homem, conhece-te a ti mesmo...”?
A imortalidade viva e perspicaz de ternura.


Se aqui, “ad absurdum”, o conhecimento da beleza
Torna-se ainda mais doloroso,
Empresa de longo fôlego.
Se lá, “ad infinitum”, o conhecimento da beleza
Será apenas idéias de mim.


Só eu sei o que isto significa.
Estar à procura de uma realização,
Não sabendo onde se encontra:
A ausência de compreensão e entendimento.
É muito mais profundo.
Resta-me agora a tarefa mais difícil,
Mas também a mais necessária:
Falar-vos brevemente a meu respeito
Sem pudor nem vergonha,
Sem meias palavras, sem omissões, sem in-verdades,
A fim de dar consistência ao pouco que exponho
Aos senhores até agora.


Porque vos poderia ter sido exposto por qualquer outra pessoa, mas, para ad-quirir um mínimo de valor, deve estar, por assim dizer, encarnado em uma experiência concreta vivida. Melhor dizendo, é preciso mostrar que foi “pago”, porque não foi gratuito, nem muito menos substituível ou suplantável, ou seja, anônimo e anódino.


(**RIO DE JANEIRO**, 19 DE NOVEMBRO DE 2017)


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