**SEMANA //Blog **BO-TEKO DE POESIAS** - 18-24 DE NOVEMBRO DE 2016** - Manoel Ferreira


**CAMINHO DE SABEDORIA PARA A FELICIDADE - ROUSSEAU**



Há momento em que é preciso dizer sim, é inteligente e sensível fazê-lo – re-vela conhecimento, sabedoria, visão profunda das coisas do mundo, da vida. Há momento em que é mister dizer não. Parece óbvio, contudo nem sempre as coisas funcionam desse modo. Alguns se habituam, aceitam o jogo de cartas marcadas, entregam-se às circunstâncias e situações, a servidão se torna voluntária. Dizem sim, quando é necessário dizer não, vice-versa, tudo por conta dos interesses os mais espúrios. La Boétie, em seu famoso livro O discurso da servidão voluntária, página 14, diz-nos que:



Para adquirir o bem que querem, os audaciosos não temem o perigo, os avisados não rejeitam a dor; os covardes e embotados não sabem suportar o mal nem recobrar o bem, limitam-se a aspirá-los e a virtude de sua pretensão lhe é tirada por sua covardia; por natureza, fica o desejo de obtê-lo.



Quem admite a servidão como justificativa para viver em sociedade, para se relacionar com os outros, de-monstra, nada mais, nada menos, a falta de encanto pela vida, ausência de personalidade e caráter. Conforme Locke (1632-1704), no Segundo tratado sobre o governo civil, cabe ao governante construir e fazer do poder um instrumento para garantir aos povos os direitos naturais, como direito á vida, à felicidade, à propriedade, etc. Isto significa, de acordo com esta idéia, que todos nascemos iguais, sem valores ou idéias pré-concebidas. Ah, liberdade: os sistemas políticos, os modelos de estado, o poder religioso, problemas culturais te deixaram amordaçada mesmo. O que fazer? Existe alguma saída? Há condições de re-verter essa realidade, ou estamos condenados à escravidão eterna e absoluta?
O que diríamos da imensa injustiça social, da não liberdade de pensamento e de expressão? Um poder vai e outro vem, mas o desejo, o desejo de liberdade, a busca da fraternidade e o sonho de igualdade continuam nos ideais, nos sonhos dos homens, da humanidade. Sonhos de uma sociedade, de homens que viveram no século XVII e XVIII na Inglaterra, Holanda e França, deram continuação a um desenvolvimento intelectual ocorrido desde a Renascença e que privilegiava a liberdade política e econômica.
Os propagadores da luz e do conhecimento acreditavam no poder da Razão. E aqui não há modo de não nos lembrarmos de René Descartes (1596-1650), sobretudo, na sua tese de que é preciso duvidar de tudo, não aceitar a obviedade das coisas que se nos apresentam. A partir da Dúvida metódica, racional, pode-se chegar à compreensão, até mesmo de Deus. Aqui a razão se torna soberana e pertencente a um sujeito. No Iluminismo, encontra-se a razão como a única capaz de fazer-nos chegar ao conhecimento; a exaltação do indivíduo como senhor de si, arauto da liberdade e de igual direito perante a lei; e, mesmo não se excluindo a crença em Deus, o movimento não deixa de ter frente à Igreja Católica uma postura eminentemente crítica.
Segundo o racionalista de Descartes, para quem não há coisa mais distribuída entre os homens do que o bom senso ou a razão, luz natural. O racionalismo procura edificar todo o conhecimento filosófico e científico sobre idéias claras e distintas e dentro do espírito das matemáticas. Como se pode inferir, tanto para empiristas quanto para racionalistas, a verdade é obra do homem e tem por evidência a experiência ou a razão. Se o homem elaborar um método adequado, indutivo ou dedutivo, solucionará os problemas, deixando de viver como outrora em um mundo misterioso.
Entendendo que a razão teria a obrigação de iluminar as mentes e con-duzir a humanidade ao progresso e à felicidade, o Iluminismo investe nas ações do homem contra a preguiça, a hipocrisia – Machado de Assis diz: “a hipocrisia não tem um leito de flores no regaço de minha alma” -, abomina o comodismo, deseja ardentemente que o homem seja o sujeito da sua própria história, conduza a carroça histórica por si própria, com força, determinação. Kant (1724-1804) define o iluminismo como



(...) a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. Menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem”. Imagine uma possua um livro a lhe dizer o que deve ou não ser feito. Que tenha alguém a decidir por ele, a fazer orações por ele e que o encaminhe ao Céu, perdoe seus pecados. Que sujeito é este? Simplesmente um dependente, e sendo assim, não se pode dizer ser ele “sujeito”.



No próprio texto de Kant, encontramos o “Sapere aude!”, (“tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento!”) este é o lema do Iluminismo. Fazer uso da razão em todos os campos, em todos os níveis, situações e circunstâncias, significa, para os iluministas, não limitar o poder, a capacidade, o desejo de crescimento do homem dentro de uma sociedade que avança. Há um progresso sem volta. Os ensinamentos do passado, apresentados como verdadeiros, não são os únicos. A proposta iluminista de homem como cidadão, como conseqüência o mundo é a sua pátria, descarta o privilégio que outrora foi dado a uma religião, raça, classe social.
A relevância da tese iluminista está na concepção de que o saber não é reservado como privilégio de uma elite eclesiástica, de um governo absolutista, de uma sociedade fechada, mas instrumento de melhoramento e progresso para todos. Ao homem é legado o direito do bem supremo, a liberdade de pensamento. É o homem saindo, através dos seus próprios esforços, de sua razão, de sua consciência, de sua visão-de-mundo, de um estado opaco, vazio, supersticioso, para um estado de exaltação sob as luzes da razão. Na história da humanidade isso é um ganho esplendoroso, magnífico, fantástico.
Será mesmo que a razão é o único meio à nossa dis-posição para conhecer a realidade? A fé no progresso e no futuro, anunciada pelos iluministas, passa pelo enaltecimento do sujeito e da racionalidade, nas descobertas da ciência e no método experimental? Rousseau (1712-1778) não está convencido desta tese. Diferentemente de outros iluministas, ele vê em todo este movimento ocorrido no século XVIII, qualquer coisa de demasiadamente negativa, destinada a aumentar sempre mais a desigualdade entre os homens. Ele sintetiza este conceito na idéia do “bom selvagem”, não corrompido pela tradição e que com a razão pode chegar a uma concepção de Deus mais pura e verdadeira do que aquela apresentada pelas religiões.
A crítica de Jean-Jacques Rousseau alcança a burguesia e a propriedade privada. No Discurso sobre a origem da desigualdade ele coloca:



O primeiro que cercou um terno, advertindo: ´Este é meu´ e encontrando gente muito simples que acreditou, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. (...) tivesse gritado a seus semelhantes: não escutem este impostor; vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos, que a terra não é de ninguém.



Diz Rousseau que é mister ter cuidado com o progresso que anuncia porque este pode ser a degeneração de uma primitiva e perfeita natureza humana portadora de uma genuína vitalidade. O cuidado com a exaltação da individualidade deve ser perene, eterna, porque acima dos interesses individuais, vistos como tendência ao egoísmo, deve se colocar a vontade geral justa. Portanto, o melhor modo para viver em sociedade é o contrato social.
O discurso de Rousseau logo se difundiu pela Europa e América. Foi o primeiro a dizer não à forma que os intelectuais iluministas estavam dando ao movimento. O homem não é só racionalidade. É preciso olhar para os tempos passados e enxergar os valores daquele hipotético homem no estado de natureza que, segundo Rousseau, deveria servir de exemplo para definir a natureza mesma do homem. O homem livre que o filósofo Iluminista nos deseja falar é este:



(...) constituído, de todos os dons sobrenaturais que ele pode receber e de todas as faculdades artificiais que ele só pode adquirir por meio de progressos muito longos, considerando-o, numa palavra tal como deve saído das mãos da natureza, vejo um animal menos forte do que uns, menos ágil do que outros, mas, em conjunto, organizado de modo mais vantajoso do que os demais “ (ROUSSEAU, 1997, P. 57-58).



A alma humana, segundo Rousseau, moldada em uma vivência onde impera a desigualdade, perde seu fulgor, entrega-se às paixões e leva à destruição. Deus teria feito o homem bom. A arte, a especulação, o desejo incontrolável de autoconhecimento o corrompeu. O que não quer dizer que o homem não deva se conhecer, ao contrário, Rousseau tinha fé e profunda crença na máxima “conheça-te a ti mesmo”. O que de fato parece quer dizer, é que o homem civilizado acaba por ignorar-se e se perde em conceitos metafísicos que, em suma, não compreende.
O pensamento de Rousseau culmina com um ideal de homem livre de paixões, que procura perpetuar a sua espécie, valorizando um modo de vida que não prejudique aos semelhantes, dessa forma a paz reinaria e, ignorante em especulações epistemológicas profundas, on homem caminharia para a perfeita condição existencial, criaria naturalmente interesses individuais que seriam comuns também aos interesses coletivos. A sociedade não pode retroagir ao seu estado primeiro, contudo pode ser transformada, moldada.
Assim, a natureza humana admite correções que tragam harmonia entre os homens. Essas mudanças estariam à nossa disposição, e estando em nossas mãos elas podem ser tanto para o aperfeiçoamento do homem, da sociedade, como também podem ser para a nossa definitiva destruição. Isto implica a liberdade de escolha que é imanente ao próprio homem. E é exatamente por estar implícito no sujeito agente que Rousseau luta veemente contra um poder absolutista, dessa forma quando diz que todas as decisões políticas deve ser frutos da vontade geral, subentende-se que para o filósofo, povo e soberano deveriam ser um só.
Face a esse conceito, como ficaria uma sociedade onde todos os indivíduos tivessem voz? Como celebrar um contrato onde seria satisfatório a todos? Se o povo é que conclama as normas que regulamentam a economia, a ética, a moral de seu povo, como fica a situação subjetiva de cada indivíduo? Seria possível todos terem desejos comuns? Não. Por isso o Contrato Social. Perfazendo o caminho de um lógica comum, seria assim: o todo é maior que as partes, isso diz de uma consciência social onde a vontade individual é digerida na vontade geral sob prerrogativas de lei, cujo mantenedor é o Estado.
Para Rousseau, o homem tem uma consciência íntima que o guia, ou pode guiar, ao caminho do bem, da honestidade, da igualdade, tornando-o humano e solidário. Por isso, ele tinha fé na condição natural, na espontaneidade da criança.
Nada há que dramatiza mais do que mexer nos padrões estabelecidos. Por uma questão de lógica aristotélica, entende-se, sem dúvida, que isso incomodou a elite. Rousseau foi censurado por escolher e viver um modo filosófico de religião natural, principalmente por contrapor e rejeitar alguns aspectos da religião revelada. Para Rousseau a nossa consciência moral será o nosso primeiro juiz. Será o primeiro, pelo fato de que haverá um segundo juízo, que é a justiça divina a atribuir, a cada um, benefícios e recompensas de acordo com a vida moral louvável que tenha vivido.
Bem como julgará por mal àquele que poderia, através da sua consciência, ter pautado sua vida em torno da virtude, mas a pautou em tornou em torno das paixões, o que, segundo ele, é a voz do corpo. Em sua essência o homem é bom, mas por pressões externas degenerou-se e abraçou o mal, devido a uma desvirtuação provocada pelo meio social. Dessa forma, a única alternativa que resta é que o homem ouça a sua consciência para evitar os maus hábitos, e isso é possível estabelecendo o contrato social, compreendido agora em termos de consciência moral, de abnegação da sua vontade em favor do coletivo.
Na concepção do filósofo, podemos dizer que o caminho da sã consciência moral passa por uma estrada de mão dupla. O homem obedece apenas a si mesmo e assim fará o bem. Fará o bem porque tem em si mesmo o ideal de bem porque tem em si mesmo o ideal de bem para todos e não para si. E Rousseau não tomava esses princípios por utopia. Ao contrário, acreditava que é o caminho para alcançar a liberdade do eu-interior, que será amparado pelas leis que criou, já que o eu faz parte do coletivo elegeu as leis.
Assim, a consciência tem a função de equalizar os homens na ordem e na igualdade. Esse homem em questão é possuidor de plena liberdade. Forçando um pouco o texto, podemos dizer que, para Rousseau, surge uma coação de dentro para fora, de si para o todo, desprezando-a, estará desprezando a própria existência. Para o filósofo, o homem, negligenciando a voz da própria consciência, contrai invariavelmente a mais legítima manifestação da escravidão social e torna-se refém da elite, que é comprometida com uma ortodoxia destituída de qualquer compromisso cívico e de solidariedade social.
O século XVIII foi marcado pela efervescência política, cultural, religiosa, social, econômica. A Europa estava com formas de governo diferentes e era preciso respeitar estas diferenças. O modelo inglês não se adaptava à França, muito menos à Itália; e vice-versa. Todas estas tensões apresentam notoriedades próprias do Iluminismo: o triunfo da fria razão e do mecanicismo, o ver o universo como uma grande máquina; a liberdade do indivíduo frente ao poder dominador e o afastamento de vez em relação ao poder religioso.
Com as idéias de Rousseau, não podemos afirmar, dizer que se trata de um rompimento com o Iluminismo, mas do nascer do sentimento: com a Nova Eloísa se apresenta a favor de um amor romântico e passional contra a razão prática apresentada pela tradição; é mister deixar triunfar a natureza e o amor. A mulher não é mais, apenas, aquela que acompanha o crescimento da criança, lava, passa, cozinha, cuida do marido, mas tem o seu valor em si.
A felicidade do homem não pode ser privada, cerceada, vivida egoisticamente, não. O mesmo acontece com a liberdade. Ambas devem circundar o ambiente, a sociedade, as pessoas com as quais convivemos, elas exigem a co-respondência. A pessoa de verdade livre e feliz existe quando respeita a sua natureza. Neste momento, Rousseau apresenta o Emílio, um livro que retrata uma singular relação entre uma criança e seu preceptor. O filósofo, com a sua proposta, quer dar dignidade e valor, primeiro à criança, e, mais tarde, ao homem.
O movimento Iluminista sempre quis dizer para o homem: é impossível a infelicidade pura e constante. É mister entender que o excesso de desejo sobre nossas capacidade é a medida da infelicidade. A ausência dos desejos e dos sentimentos – o doutor Paulo César Lopes em sua dissertação de mestrado diz que a vida é desejo, é vontade, e nós seguindo a sua idéia acrescentamos: desejo e vontade de Vida, de Liberdade, de Conhecimento, de sermos quem somos em nós mesmos – é mais vegetação que vida: sempre ouvimos alguém dizer de alguém: “Aquele ali não vive, vegeta no mundo”, atrás desta fala está que sem desejo e vontade de Vida nada somos no mundo. A sabedoria consiste em comparar em cada campo o desejo à possibilidade, a vontade de con-templar a verdade, e por isso a felicidade não é feita senão por homem iluminado e virtuoso.



Manoel Ferreira Neto
(*RIO DE JANEIRO*, 23 de novembro de 2016)


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