**A POESIA MORREU! - BALADA PROSAICA** - Manoel Ferreira


Epígrafe:



"O silêncio enclausurado rompe os limites da terra e retumbam no infinito ondas sonoras do coração em êxodo." (GRAÇA FONTIS)



Unicamente louco! Unicamente poeta!
Falando de iríasis, éritos, érisis, yalas, infinitivos, itudes, somente coisas coloridas, leveza do ser, falando apenas a partir de aparências de tolo, subindo por mentirosas pontes de palavras, por arcos-íris de falácias, entre falsos céus, vagueando, per-vagando, deslizando - unicamente louco! unicamente poeta!
A poesia morre, o tempo não explica, não justifica o porquê de seu renascimento aqui e ali. Em épocas remotas, a vida nasceu, jamais morreu, segue a sua jornada. É prosear a Vida na sua verdade: ser sincero, digno, honrado com o seu Ser, entregar-se à sua Re-velação em absoluto. Jogo a poesia aos pés do ipê amarelo que ensombrece o casebre, amanhã a prefeitura a re-colherá e jogará no terreno baldio.
Isso - pretendente da Verdade? Pretendente do Absoluto? Não calmo, hirto, liso, frio, não tranquilo, sereno, suave, tornado imagem, pilar de deuses, tornado perspectiva, tabernáculo de deuses, não erguido diante de templos, tendas, guardião da porta de um Deus. Não, em definitivo! Hostil às estátuas da virtude, às bandeiras da ética e da moral, em todo ermo mais no casebre do que em templos, cheio de capricho de gato selvagem a saltar por toda janela, amuradas, porteiras, cancelas - zás! para todo acaso, farejando em cada floresta virgem.
Nonadas de devaneios. Nada de idílios.
Vazios os espaços e sítios do pleno e in-finito.
Por que evasão de sentires, por que sublimar ilusões, fantasias?
Por que idealizar o eterno, se é fonte de in-verdade do tempo?
Por que acreditar a poesia desperta o vir-a-ser?
Nada dizer, não haver sentimento algum nas palavras que se escreve, é melhor do que dizer: "A minha amada poesia esplende esperanças, utopias e sonhos", sendo que ela não é amada, sim muleta para amenizar as dores e sofrimentos.
A poesia morreu.
Os poetas feneceram na miséria, jogados nas calçadas, nas sarjetas, nos becos sem saídas, no baldio das estradas, nos becos de boêmios, prostíbulos, cocainados, craqueados. Versos e estrofes não são mais compreendidos, entendidos. São unicamente palavras sem quaisquer realidades, tinta gasta à toa em imprimi-las, nas páginas brancas.
A pedra está ali no meio da rua, ao seu lado maço de cigarros vazio. O bêbado deitado na calçada, a cara suja de vômito, traficantes, bandidos planejando a morte dos policiais, o próximo assalto. Que poesia há nisto?
Os ilusionistas ainda competem entre si no sentido de quem poetizará com mais sensibilidade, subjetividade, re-velando sentimentos e emoções os mais absolutos, atingirão a eternidade, serão para sempre lidos e aplaudidos; ainda os que sentem inveja, ciúme, despeito por nem saberem desenhar uma letra, não saberão o que é sucesso, fama. Quê despautério! Uns e outros catando coquinhos no vazio, capinando quintais degustariam frutos saborosos.
A poesia morreu.
Restam frases de por baixo de frases. Orgulhos, vaidades, pernosticismos, o peito estufado, a cabeça erguida, os donos do mundo. Todos eles: NINGUÉM!... Enganam, tripudiam, falseiam com promessas de outro mundo que não este de con-tingências.
Sem lenço, sem documento, sem mochila nas costas, sem palavras no riste da língua, andando no mundo, trilhando as estradas, o coração à larga, a vida para vivê-la.
Proseio o vento, proseio as facticidades e ipseidades, escrevo o nada, tudo isto me basta para seguir a vida, e que a terra me seja leve. Nada de além, nada de céu, de inferno, de paraíso, nada de ressurreição, dogmas e preceitos mais velhos que a cidade de Braga, do tempo de Zagaia completamente nu perambulando à toa. Não ando em rebanho, dispenso a companhia das ovelhas, em zigue-zague passo entre os homens para não tocar-lhes. Não sou solitário, não me sinto só, não vivo sozinho. Vivo quem sou, sinto amor no peito e na alma pela companheira, dividimos o silêncio que nos habita o ser.
A poesia morreu.
Não estive presente no seu sepultamento. Soube dos acontecimentos na Cidade dos Pés juntos. Em primeira instância muitas lágrimas vertidas, misturadas a aplausos homéricos, desmaios, ambulância, compareceram os militares, muitos louvores, discursos, do mendigo, ao tenente, delegado, padres, advogados, prefeito, políticos de todos os naipes, tudo isto porque enterravam a poesia. Todo este espetáculo, até o esquife descer na sepultura, terra por cima, seis horas sob um sol incandescente das duas horas da tarde, só às seis horas, foi literalmente enterrada. Passei a con-templar de esguelha, soslaio, de banda os que se iludem dizendo serem poetas, outro mundo será edificado com os seus versos e estrofes, serão a poesia do novo tempo. Se assumissem o instinto que lhes habita solene, o instinto da vida, poderiam a si mesmos chamar homens, e homens construiriam a vida como ela é e não simulacros, aparências, com muita labuta con-templariam o Ser.
Aos poetas, à poesia, o meu aceno radical e irreversível. Sigo proseando as con-tingências. A terra me seja leve. Não me será dado retornar a andar pelas estradas, atravessando pontes, pinguelas, córregos. Cidadão das estradas, ando na orla marítima, ondas tocam-me pés e pernas, espalham-se na praia, ruas, avenidas, boêmios, jogadores, sinceros, caguinchos, honestos, e vou proseando a ec-sistência na terra.
Aqui estou sentado à soleira da porta, farejando o melhor ar, verdadeiramente ar de paraíso, ar leve e claro, ar bom como nunca caiu do céu, da lua, de uma árvore no topo de uma colina que só existe na minha imaginação, terá sido por acaso ou por petulância, pomposidade? como contam os velhos poetas. Semblante, fisionomia, face do que é.
Aos sonhadores, ilusionistas, fantasiosos o meu aceno, não friamente, desejo-lhes no fim do caminho a in-vestigação das trilhas percorridas, o que lhes ofereceram da verdade, pensem o pensamento, vejam a visão dos horizontes, tempo da Vida, decidam-se proseá-la
Mas eu, questionador, filósofo do nada e vazio, um andante, peregrino, não aceito gato por lebre, joio por trigo, bugalhos por alhos, pinguela por pinga na goela, ponho isto em questão, pois sou sertanejo. Sobrevoei uni-versos, horizontes, arribas, paisagens lindíssimas do infinito, sobrevoei mares, abismos, florestas, becos, cavernas, picos, montanhas, grutas, sobrevoei o mundo. Aqui estou aterrissando agora na areia da praia, quem quiser, dê-me a mão, vamos seguir juntos, quem não o quiser siga o seu caminho. Sobrevoei a morte, a destruição. Não há Verdade, há verdades e todas elas são estrelas de uma busca do Ser. Evasão, sublimação, fuga não levam a lugar algum, além do mais tripudiam com os homens, criam neles sorrelfas do vale de orquídeas brancas e lilases, sendo que existe o deserto a ser atravessado em todas as suas situações e circunstâncias peculiares.
Respirando esse ar belíssimo, pós chuva, com narinas dilatadas como taças, sem futuro, sem lembrança, sem lenço e documento, eis-me aqui sentado, lendo um livro de artista-plástica, pintora, tendo ornamentado o texto com tela de sua autoria, olho o ipê amarelo, como igual a palhaço de circo, ela se curva, se dobra e nos quadris se retorce.



Manoel Ferreira Neto
(*RIO DE JANEIRO*, 25 de novembro de 2016)


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