**VERSÍCULO DE SILÊNCIOS, CÂNTICO DE LUZES** - Manoel Ferreira


Meu Deus, o que se anuncia ao espírito, quando crio estas imagens, que me alegram e felicitam em demasia, que me extasiam, sou saltitâncias e prazeres, como se por momentos deixasse este lugar em que estou, fosse residir aquém e além de todas as aspirações, desejos, sonhos, são estes o que me definem, outorgam-me o caráter de homem, indivíduo, cidadão, são estes que revelam a minha existência neste mundo!...
Nunca entendi a razão de não con-sentir a vida oriente, guie, mostre, envie ao vir-a-ser, mande no ser. Não entendi, quis fazer isto por conta própria, quis mandar em mim. Nada consegui. A vida manda em mim. Estou-me entregue plenamente a ela. Todos os segundos e minutos são dela - posso até encontrar um tempo para alguém, entregando-me plenamente, mas o resto do tempo é da vida. O amor necessita a des-aprender a desejar o nós unilateral, deixar a vida voar, não lhe ceifar as asas. Deixe a vida voar por terras distantes.
Pudesse por inteiro compreender e entender o futuro que construo para mim, o que tenho vontade de realizar, possa olhar a terra, os sonhos e utopias que irão saciar as fomes e sedes que em mim perpassam os séculos e milênios, e que sigo em frente sem pressa, ao som de silêncios que executam a ópera. Não posso faze-lo, pouco é o conhecido por mim, e por isso mesmo é que sigo buscando traduzir, ao viés de ilusões e fantasias, ao in-verso de quimeras e sonhos, se assim posso dizer, mas que no inverno sou quem olha as montanhas e intui de por trás da neblina.
Por que de imediato se apresentou ao espírito que não me era possível continuar a registrar as palavras, nunca o fiz, e isso significa que as dificuldades são imensas e árduas, e resta nos lábios o desejo de outras palavras que ao menos possa justificar as ingenuidades e inocências de antes? Seria ridículo e risível se inscrevesse “talvez por estar retornando às origens, buscando me redimir de algo que nunca fui capaz de realizar, e só me resta daqui para frente buscar elucidar e transparecer à luz de esperanças e sonhos”, “quem sabe por a inspiração haver se anunciado de modo e estilo que não posso me afastar dela, mas articular o que mais tenho vontade de realizar”.
Deixo de lado estes estilos de me anunciar, e com todo o esforço e consideração, busco representar com sinceridade e fidelidade ao que se me manifesta bem profundo, para dizer que a intenção é de prosseguir, prolongar-me, criando, recriando as imagens, as cenas, as perspectivas, sei lá de que, não me interessa “escarafunchar”, como se diz na gíria, na linguagem popular, depende muito do olhar que se dirige ao horizonte no crepúsculo ou na alvorada.
Afastei-me da escrita, levantando e indo até ao mostruário de fotografias tiradas em épocas diferentes, fases diferentes, diante dessas e daquelas situações. O que significaria esta atitude se estou criando, buscando elucidar os silêncios e luzes que poeticamente me habitam, anunciar a orquestra de serras e águas que desfilam no íntimo?
Retorno-me à cadeira de balanço, pondo-me a ouvir música, uma linda balada que me balança na rede do tempo e das esperanças, estas que construí com as linhas de versículos e salmos de luzes, sei lá vindos de que lugar, acredito até que sejam estrelas que vão me seguindo ao longo de cada letra e palavra que escrevo e deixo irem transformando os sentimentos, elevando-me, con-templando a jornada a que me entreguei, sabendo de antemão e revezes que os caminhos serão infinitos, sem fim, mas que me alegram a cada passo dado.
Diria até que hoje me encontro em demasia extasiado, iluminado, inspirado, para estar a dizer tantas coisas, sinto como houvesse a torneira do tempo e dos sonhos, deixando a água fluir lenta e serenamente...
Se lesse agora, não saberia se entenderia e compreenderia, o que me impediria de terminar, de seguir livremente, de dar asas às quimeras e ilusões, estas que me dizem a todo momento que os indivíduos e homens podem com entrega descobrir que o desejo de amor só vive de entregas, embora isto tenha não sei quantas vezes dito, em outras palavras.
Não o faço. Prossigo ao som da música que ouço tocando, enquanto escrevo movimento o corpo em sentido de estar dançando, deixando as imagens se anunciarem profundamente, e tudo o que desejo é mergulhar nelas sem nada exigir, sem nada esperar, realizem-se através das palavras, estas possam realizar as imagens, em harmonia e sintonia.
Interrompi-me. Tempo para respirar e continuar. Não fora longo, não fora pouco. Buscava ainda mais inspirações e intuições para anunciar o versículo que insisto tanto que se faça verbo e se revele água que sacia as esperanças e utopias.
Verbo tornado água – poesia. Não tenho dúvidas, mas se revisito as imagens que me surgem ao espírito dos caminhos de Deus na humanidade só consigo pensar e sentir que Ele, se revelou a água, o Verbo que é se tornou o húmus de nossos silêncios.
Jovem, ouvindo estas músicas que ora ouço, satisfazia-me entre quadro paredes, inúmeros sonhos a visitarem-me, deixando-me suas sensações e intuições, hoje, ouvindo, são as intuições e sensações que me habitam e que busco tornar sonhos... Pudesse eu agora sair dançando e cantando pelas ruas da cidade, em passos de dança e de alegria, entoando os versículos de silêncios e luzes, fá-lo-ia em outro estilo que o da juventude.
Posso, entretanto, a partir das vivências e experiências ao longo destes anos todos após a juventude, sonhar com as fontes de águas a me saciarem a sede, a darem-me forças para prosseguir, e de olhos bem atentos vou armazenando no espírito e recriando em harmonia e sintonia com o que mais tenho vontade de fazer, de realizar: a vida ser a semente do in-finito, o amor ser o companheiro desta viagem.



Manoel Ferreira Neto.

(30 de janeiro de 2016)

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