**COSTELINHA DE RATO À BANANA - REVISADO** - Manoel Ferreira


Bons dias!



Culinária é arte, das mais complexas, vale ressaltar, exige bastante criatividade e a´apreço na feitura dos pratos, o mais difícil é agradar a todos os gostos e paladares.
Há dias o meu cozinheiro, estando sentado à poltrona da cozinha, fumando, acende um cigarro na "bita" do outro, verdadeira chaminé, esperando a pizza assar no fogão, vira um rato grande, gordo, uma barriga daquelas – fosse um homem, teria de desabotoar a camisa até no peito, a fim de poder respirar normalmente, desabotoar do último, de baixo para cima, para a barriga não arrancar os botões -, saindo de debaixo da geladeira, correndo para debaixo do fogão. Nada esperou, pôs-se a capturar o bicho, o que não foi difícil. Matou, abriu. Arranjou um prato inusitado, costelinha de rato à banana, naquele dia mesmo fora ao Mercado Municipal e comprara deliciosas caturras; Chamou-me no escritório para degustar a sua nova criatividade na culinária, o que o censurei asperamente, desde quando se come rato, e que sandice era aquela de banana frita ao redor da costelinha, por acaso havia ficado doido, maluco, louco varrido, esquizofrênico, psicopata, esquizóide, neurastênico. Sorria cheio de piedade. E disse-me, com um tom que jamais me há de esquecer: "- Você fala mal deste prato, porque não conhece a contribuição política na culinária."
Espantado, perguntei o que era isto de “contribuição política na culinária”. Explicou-me com todas as letras os últimos acontecimentos políticos, como a banana foi parar na emissora de rádio, num dia de grande temporal, a enxurrada levava carros, numa entrevista das mais polêmicas – correra ao seu aposento, trazendo-me um “pedacito” de jornal com uma matéria intitulada Banana à moda de Machado de Assis, que um cronista fizera questão de escrever acerca deste fato, o que não pude conter, caindo na gargalhada -, como o político se viu envolvido numa teia de aranha inextrincável com um discurso na tribuna envolvendo o rato. Não ficou nem a beleza do discurso, apareceram os inconvenientes, a palavra “rato” fora censurada na ata por determinação da autoridade superior daquela egrégia casa.
Por falar em discurso, na câmara, o orador refere-se a documentos que traz, e, se lhe não convém lê-los, declara com esta simplicidade: "- Não os leio, para não fatigar a câmara, mas incluí-los-ei no meu discurso." No discurso feito, o orador não pensou ser inconveniente dizer a palavra rato: “Espero que as pessoas não saiam correndo daqui como ratos”. A boa regra é que o discurso de um orador pertence-lhe; que ele pode fazer dele o que melhor lhe apetecer, o que quiser, trocá-lo, ampliá-lo ou amenizá-lo. Lá pode meter o que quiser, documento, cem documentos, cartas particulares, o Apocalipse, ou as beleza arquitetônicas da Grécia. Se a constituição garante a propriedade das minhas calças, que estão fora de mim, como não há de garantir a propriedade do meu pensamento, a minha liberdade de expressão? Não é que seja mau ter um lugar na câmara. Tomara eu lá estar. Não posso; não entram ali caixeiros-viajantes. Poetas entram, com a condição de deixar a poesia. Votar ou poetar. Vota-se em prosa, qualquer que seja, prosa simples, ruim prosa, prosa filosófica-teológica, boa prosa, bela prosa, magnífica prosa, e até sem prosa nenhuma. O político não trocou, ampliou ou amenizou, achou por bem rasgar os verbos, soltar as frangas, descascar os pescos, sem qualquer pejo ou senso ético e moral.
Talvez houvesse sido melhor disparar um desaforo deslavado do que usar essa palavra tão negativa, depreciativa. Um parlamentar de espingarda na mão, há alguns que têm soco-inglês na pasta, ninguém ainda o concebe nem admite. Tome o meu conselho, leitor, caso você seja também político: “Dispare uns documentos, lidos de fio a pavio, mas guarde a palavra “rato” para outras ocasiões mais convenientes; guarde a espingarda para caçar no mato, ou atirar à-toa, no fundo do sítio, da fazenda, da chácara; não carregue soco-inglês na pasta, é proibido por lei. Assim, você será mui considerado por todos, um político de fibra e brios”.
Não estava sabendo destes episódios, quase não paro em casa, sou caixeiro-viajante. Fora deste episódio que ninguém haverá de esquecer em nossa comunidade que ele tirou a idéia do prato. Não sou pessoa que negligencie, negue, recuse a verdade das coisas - em termos de contar a verdade das coisas, o meu cozinheiro é realmente sincero e honesto –, quando as vejo bem ajustadas. Com efeito, o prato de meu cozinheiro estava mesmo bem ajustado à patetice do político, não poderia ele ser mais criativo.
Sentamo-nos à mesa, comemos saltitantes e risonhos a cada dentada na carne do rato, na banana. Estava delicioso. Enquanto comia, pensava num título bastante apimentado para uma crônica, conversaria com algum editor no sentido de publicar, pagaria o quanto fosse, mas não podia de jeito algum deixar de contribuir com a literatura, um artigo que seria lido por toda a comunidade, artigo que chegaria à posteridade com a frescura da própria cor do orador, quando pronunciara a palavra “rato”, vermelho como as chamas do inferno, como o fizera o meu cozinheiro no prato. Memórias de um rato para troças remotas, era muito comprido, não alcançaria os meus projetos.
Passamos a tarde inteira, meu cozinheiro e eu, conversando, trocando idéias sobre a matéria que tinha em mente escrever. Chegamos a anotar numa folha de papel ofício uns vinte títulos. Escolhemos este Costelinha de rato à banana, por estar bem ajustado às circunstâncias e situações, às mensagens filosóficas e políticas a todos aqueles que pleiteiam um assento bem confortável nalguma cadeira da câmara ou da prefeitura.
E, reparando bem, nesta altura do artigo escrito, tendo levado já quarenta minutos, está aqui o remédio a um dos males que afligem o regime parlamentar: o abuso da palavra, do poder. Não é fácil, mas é possível.
Sou assim; não gosto de ver abusos da palavra, do poder, censuras injustas e prefiro os métodos científicos. Meu Deus! Como estou poético! As belas imagens saem-me da boca já feitas, à moda da fotografia instantânea.



Manoel Ferreira Neto.

(29 de janeiro de 2016)

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