**MERO VÍNCULO DE SENTIMENTOS** - Manoel Ferreira


Letras velhas, sons milenares, e as migalhas de pão seco, por caírem todas juntas no solo, antes que as pudessem segurar por um minuto mais, cairiam nas águas, fazendo o barulho que não consigo expressar em palavras, mesmo recorrendo a todas as intuições de poemas; ouço o cair de todas juntas no chão, disse antes “solo”, e isto não tem qualquer importância, imaginariamente que seja, quando os pingos de lágrimas enegrecem os caminhos de pedras, enternecem a areia da praia...
Seria isto, em verdade, o que estou buscando expressar desde a eternidade e até este minuto em que me vieram à mente idéias e sentimentos por os ter? (Fundamental para a compreensão o que é este mero vínculo de sentimentos que me afloram espontaneamente, por mais incrível que possa parecer, e todos os argumentos nada mais têm a dizer senão que é a verdade, incrível que, se me revelam o único mistério, este que sei lá o que é, rio-lhe nas faces, perguntando se é o único, que outro então lhe legaria este poder, de ser o único...
Os poetas dizem as estrelas brilham para velar o ossuário da terra... Digo, quem sabe até plagiando, encontrando outras palavras que conservem a idéia, o mero vínculo de sentimentos, dado ao sossego das folhas de árvore qualquer nas serras, brilha ao sol de minhas alegrias, embora um pouco contidas, por esperarem outras noites que virão, envolvendo-me como a visão nítida de letras quaisquer numa folha de papel, que fosse misteriosamente minha.
Para as almas insolentes e meigas como a minha o aceno gentil e educado, a voz inédita e implícita de todas as coisas nascem do silêncio. Não é de mim que as palavras não podem expressar o que desejo tanto, deixam-me um vazio na língua, a boca semi-aberta esperando algum som saindo da garganta, mesmo que som algum seja revelado, se assim posso dizer. Para que estar calado com vontade de gritar?
Mesmo quase o avesso, sois parte do que minh´alma almeja escolher como nova morada, imaginar, a pedido de minha intenção, o retrato-guardião do riso ingênuo. Queria eu uma caverna, igual à que as vaidades arraigadas sustentaram um mundo de idéias. As molduras na parede marcam o tempo suspenso no caos.
Às vezes, sinto-me perdido no meio de um sorriso. Não faço sucumbir a palavra ao fosso onde enterrei a carne.
O portão de entrada, se fechado está por cadeado, a porta de entrada, após subir quinze degraus, por chave, e eu tão aberto, cavaleiro da solidão, espero a noite e não haver escuridão – que idiotice esta, não há qualquer noite em que a escuridão não esteja presente, a escuridão é parte da noite. Eu no escuro nu do quarto, quando dormir quero sonhar a licitude da alegria e do júbilo. À procura da lua ou talvez de mim num piscar lento, boiando a luz do olvidamento de quem insisto em ser.
Não desejo versos no céu. Seria esquisito ler palavras nas alturas, dentro de formas diversas, escritas a gosto e estilo dos poetas, de rimas ou não. Com certeza, não levantaria mais os olhos à noite, fora de casa, não me seria possível ler uma palavra sequer. Ademais, sentir-me-ia perdido e confuso com a ausência das estrelas todas, a lua a iluminarem os cantos inúmeros do mundo, a velarem o ossuário da terra.
Não sigo à risca o silêncio que faz gritar as não-palavras da perdida sensatez, da vaidosa dignidade. Não sigo à risca, para explicar a dosagem conveniente, o desejo do sentimento de embaraçar os entremeios de uma ilusão, quimera, o mero vínculo de sentimentos. Medidas faltam para encontrar os extremos.Tenho procurado por mim, sem ousadia alguma em tecer quimeras, em ignorar que só saberei do dominó que vesti, noutros tempos diferentes a este em que me encontro agora, ouvindo o riso do vento diante de mim.
Gênio, nem pensar... Feliz demais para sê-lo. Nem é preciso que a História “capracheie” o registro de mim. Não julgo palavras inúteis esta que estou a falar comigo, enquanto sentado a uma mesa de barzinho, tomando uma cerveja e uma “branquinha”, e todos dizem que insano fiquei, esta seria o destino que os céus escolheram para mim, não houve como me furtar a esta triste condição. Não julgo inúteis nem as que digo nem as que me inspiraram o espelho e o raio de luz incidindo nele.
Escuto o riso da ampulheta, diante do tempo – o vento invade-me a voz que é sonho, desejo da mente que é imensidão. O espelho procura por mim, buscando aprimorar sem ousdia a imagem de mim – desço pela janela do que se tornou inevitável, como a taça que se estiola no cão e eu não quero ajuntar os pedaços. Não posso me escusar do que fiz de mim, noutros tempos a lucidez que preparava a consciência.
Conjugo no tempo o verbo no infinito da primeira pessoa. O espelho mostra o contorno de saudades, o bocejo de ansiedades que fizeram o retrato da noite. Driblo o tremor que avassala o sono engomado.
Qual a licitude dessas palavras? – não disse antes que eram letras velhas. Eu no amor que carrega o vento, na alegria que brinca de esconde-esconde no céu que mesmo perto fica tão longe... Eu subalterno do meu eu, às vezes inteligível. Sou também cobiça que busca inquietação no desajuste entre a metafísica que não angustia, apesar da dor, e cada sorriso matinal.
Qualquer mero vínculo de sentimentos é pedaço do vazio que o tempo sela na eternidade, inebriando um ponto vivo diante da imensidão, descobrindo que o efêmero é também do eterno.
Tudo será intervalo necessário a menos que os relógios interrompam os segundos acocorados no tempo, ignorado em sonhos, pasmado dos risos incondicionais que nas esculturas choram o amor eximido de enxergar a felicidade ingênua.
É a montagem da vida no papel que consome o verbo, ficando sempre a incógnita da intuição que vai completar a presença imponente que faz as voltas do tempo. No outono, antes de primavera outra, o olhar não intimidava nem retorcia no tempo conjugado do verbo, preenchendo o vazio das respostas às perguntas que perpassam o espelhar os projetos superpostos na indagação.
Verbalizo a verdade por traduzir presença. O rumor do silêncio começara a invadir o limitado ínterim do tiquetaque. Estava ocupando os espaços intercalados entre o tique e o taque.
Nasce uma ópera sem silêncio, preenchendo, dominando, ocupando o espaço que é por direito do rumor dos desejos e vontades atravancados no peito. Não adianta tapar os ouvidos. São os pingos da tempestade que caem nas telhas. Qual seria a infelicidade para quem julga compreender estas palavras velhas? Não sei. Algumas pessoas se afogam em rios de águas cristalinas? Estou tentando chegar à superfície.   

Manoel Ferreira Neto.

(27 de janeiro de 2016)

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