**SAUDAÇÃO À PURA SENSIBILIDADE** - Manoel Ferreira


Pediram-me escrevesse algo de in-estimável beleza, romântica, sensível, con-templando a sensibilidade que me fora vocacionada desde toda a eternidade, con-templ-orando os dons e talentos que me foram doados para a criação dos desejos transcendentes, para as esperanças do inaudito, para os desejos do divino e do eterno serem realidades, serem húmus do belo e mágico, a arte de me “pôr em cena” diante de mim mesmo, alguns pormenores de minha espiritualidade serem verbos de outros tesouros do sonho, algumas nuanças de minha contingência serem fé e vontades de glória e júbilo. Quem o fizera não importa declinar-lhe o nome, conhecendo a pessoa intimamente, sei que se sentiria intimidada, pedira-me não citasse as suas palavras na íntegra, re-criasse-as ou não o fizesse, mesmo porque não se faz mister, não escrevo memorial ou testemunho de uma realidade, escrevo letras artísticas como se de luz fossem feitos os mistérios. Prometi-lhe que sim, iria tentar satisfazer os seus puros desejos, esforçar-me-ia ao máximo, merecer merecia e muito, até mais que eu próprio pudesse imaginar, daria tudo de mim para as letras serem de in-estimável beleza, românticas, sensíveis, satis-fizessem os seus sonhos e utopias, acima de tudo, os seus desejos de espiritualidade, esperaria o instante da iluminação, mas não criasse tantas expectativas, talvez não atingisse o devir, espírito das letras poéticas e literárias. Perdi-me tanto nos jogos de cinismos e ironias que me sobrou apenas a matéria da contingência, re-tornar à iluminação e à espiritualidade exige um tempo e novas experiências sensíveis e espirituais, exige outras sendas da silvestre floresta de meus sentimentos e emoções. Após a nossa con-versa, por dia inteiro estive suspenso entre a contingência e a transcendência, desejando imenso algo de suave, singelo, sublime se me re-velasse, pondo-me então a tecer as letras e as melodias de meus verbos espirituais, de minhas conjugações outras do sublime e puro fascínio do belo e da beleza. Só dia após é que se me anunciara o tema da pura sensibilidade, quando delineei as primeiras letras a serem construídas ao longo do tempo e dos sentimentos que se me re-velariam, embora tendo plena ciência das dificuldades, labutas.    
Não esperava de ninguém tal pedido, ainda mais com os sentimentos de prazer e alegria como fora feito, mesmo de uma amiga – a minha eterna paixão, o meu “amorzinho querido”, como às vezes lhe digo, deixando os êxtases todos perpassarem-me a alma, sentindo o carinho que tanto lhe dedico em todos os instantes de nossas vidas juntos, embora distantes, muito distantes, lembrando-me de nossos encontros e diá-logos, de seus olhares, da luz e brilho de seus olhos, de sentir as suas emoções ávidas de outros uni-versos da plen-itude e eterno - como ela, carinhosa, terna, solidária, compassiva, deseja-me sempre o que há de melhor neste mundo, há nas suas orações algumas a mim dedicadas, pedindo a Deus a minha proteção, amparo, iluminação nos caminhos das letras e da vida, envia-me livros cujos temas são a espiritualidade e a consciência, prometera-me em breve um livro de Thich Nhat Hahn, tendo já me presenteado alguns dele mesmo, reconhecia espiritual e sensivelmente os meus dons e talentos, seus sentimentos e emoções, lendo-me, elevavam-se ao espírito e às estrelas brilhantes, às luas todas, alimentava-se de esperanças e de sonhos, regava os seus verbos, esperando a carne do amor e da espiritualidade, e assim sentia a vida em toda a sua plen-itude e esplendor, sentia a presença de Deus em seu coração, amava-me ainda mais por lhe proporcionar momentos tão divinos, tão plenos de volúpias e êxtases. Quem não deseja que os amigos e íntimos não o amem inda mais devido às atitudes e ações? Eu desejo, faço todos os impossíveis para sê-lo, sou carente, preciso de afeto e carinho, preciso de amor, às vezes preciso re-nunciar-me das rebeldias e sarcasmos, de certas perspectivas de minha personalidade e caráter, faço-o sim com alegrias e felicidades. Senti-me orgulhoso e arrogante, era como se eu estivesse esperando estas considerações e reconhecimentos, se me sentisse carente deles, sabia escrever coisas lindas e belas. Quanta vez não dissera a mim próprio: “Descobrir as letras não é tão fácil como debulhar a espiga de milho. Escrever é permanente vigília”. Não sei escrevê-las, se assim nascem, cuido agradecer aos meus estados espirituais e de alma, aos sentimentos e emoções que se me a-nunciam, re-velam quando tomo da pena, e também, não há duvidar, das intenções e interesses que me habitam, estão latentes em mim dentro. A isto não chamo de “inspiração”, chamo de “iluminação”. O que a amiga lera de minhas letras de outrora nascera nesses instantes de iluminação.
Não serão letras de agradecimento à amiga por suas palavras tão carinhosas e gentis, tão ternas e suaves, massagearam-me o ego, são letras outras de beleza e romantismo, sinto que foram acumuladas por algum tempo em mim dentro, estão ansiosas por serem re-veladas. Re-velaram-se quando o pedido me fora feito, quando manifestou ainda mais profundamente a sua amizade e amor por mim. Dissera-me em silêncio, e só o silêncio de mim ouvira com perfeito carinho: “Espero a a-nunciação da iluminação para dedicar à amiga algumas letras suaves e ternas. Quê este desejo seja realização de seus sonhos!” O silêncio ouvira o meu coração: “assaz pássaro pousado na espera/em véspera de vôo para o reluz-ente azul”.
Estou sentado na minha própria “caverna”, calmo, tranqüilo sinto-me, o estado de alma é de leveza. Para que hei-de me ad-mirar? Para que hei-de louvar aos céus e às estrelas por este instante mágico e esplendoroso? Para que sentir-me extasiado? Este é o meu reino e o meu domínio; porém o que me pertence deve ser de todos, sem exceções de raça, credo, ideologias, durante essa manhã, de sol ameno, céu plenamente azul, e sendo agosto ventinho frio está presente, o que é bem agradável, estimo por me sensibilizar, por me sentimentalizar, o corpo e o espírito agradecem à natureza, durante a tarde, não sei como ela se re-velará – imagino, fantasio, sonho, mas é a realidade que desejo -,  creio irei sentir mais felicidade e alegria, creio estarei sentado na lua, sentindo no corpo o seu brilho e suas luzes, pois que me é consciente esse momento, o ser se faz na comunhão da consciência e sensibilidade. Sem essa arte nunca seria o que tende a fazer-se espírito o que há de real na vida. Sirvam-se os amigos, conhecidos, íntimos de minha terra-natal desta taça de vinho, não francês, não italiano, não português, mas de minha peculiar vinha, e seja a minha caverna o lugar de repouso das inseguranças, medos, dos problemas e dúvidas, esperanças de felicidade e alegria, fé no amor e no que há de mais divino e esplendoroso. Sejam bem-vindos aqui; segurança e prazer são as minhas primeiras oferendas, estendo a mão esquerda com alegria, a direita se encontra nas costas, não cruzadas, é que me coço. 
Questionamentos vêm-me à mente às centenas e milhares, sentindo-me confuso e perdido, não por serem muitos, a torneira da caixa dágua destrambelhou-se, a água jorra incessantemente, mas é porque não saberei respondê-los a todos de pleno e imediato, o que posso fazer é seguir as minhas veredas re-fletindo, colhendo respostas lá e acolá, vivendo-as e vivenciando-as, sentindo-lhes o doce gosto do prazer e do eterno, só isso. Apesar disso, entrego-me a dizer algumas palavras a respeito de alguns que julgo serem os mais importantes nesse instante.
Justifico e explico estas importâncias com o pedido de minha estimada e querida amiga, a intenção é saudar a pura sensibilidade e a inteligência de expressar e dizer com todas as dimensões de minha ternura e afeto, com o meu desejo de a humanidade encontrar as suas próprias veredas para o encontro da felicidade e paz, o ser de mim que se re-vela e se esconde a todo instante, e sempre, sempre alço vôos em sua busca, dizer isso com todas as imagens de meus desejos, esperanças e fé. Algum outro desejo seria tão nobre quanto esse? Haveria outro que revelasse espiritualidade elevada e contingência de sentimentos humanitários? Não tenho notícia de haver, pode ser que ao longo de outras experiências e vivências venha conhecer, sentindo ser mais importante que esse, significando com isso ser de uma pureza indescritível, um verdadeiro e puro cristal; pensara em “diamante”, mas não lhe atribuo nenhuma beleza, vejo nele dores e sofrimentos, vejo nele exploração e escravidão, vejo nele poder e desumanidade, vejo nele hipocrisias e aparências, enquanto que no cristal sinto as a-nunciações de beleza e esplendor, de outros horizontes e infinitos, do belo e do eterno, sinto as luzes e os brilhos de outros tempos e realidades.    
Como vencer o vazio somente na arquitetura? Difícil resposta, não? Andando a esmo pelas ruas do centro e na periferia, o que observo são os terrenos baldios, alguns cercados de arame farpado, outros amurados, alguns imensos, outros pequenos, o mais interessante é que há casas suntuosas ao redor, de fazerem inveja a Oscar Niemeyer, dizer ele, por exemplo: “Se Deus me houvesse dado a divinidade de meus dons, teria construído estas suntuosidades de casas. Mas estou feliz: realizei os dons contingentes que a mim foram dados”, árvores de folhas verdinhas nas calçadas, embora cheias de buracos em toda a extensão, sem exceção de ruas, avenidas e alamedas – o prefeito comprou o edifício do cinema, chamando a atenção da comunidade por sua preocupação com o patrimônio artístico, e até prometera que as películas cinematográficas re-tornariam com toda a beleza, mas se esqueceu de mandar reformar a calçada, os pés das pessoas sentiram o acinte às artes, elas não existem sem o conforto dos pés -,  o panorama é lindíssimo, imagino o esplendor num crepúsculo de inverno, em pleno verão de assar a carne já é esplendido e maravilhoso. Se fossem construídas casas residenciais ou comerciais nesses terrenos, o vazio desapareceria, o panorama seria de grande beleza. Falta então somente a arquitetura para embelezar as ruas, avenidas, a cidade inteira? Para mim, não. Para vencer o vazio faz-se mister ter a semente e o cio na construção da ternura, na artificialidade da esperança. 
Como manter a ternura num fio só de esperança? Como manter a esperança num fio só de ternura? Se alguma vez des-cobri céus serenos, nuvens azuis e brancas deslizando-se neles, correndo aos confins do infinito, às arribas de todos os horizontes, sobre mim voando com as minhas próprias asas no meu próprio céu, diante de algumas esperanças que se me a-nunciaram, pondo-me a tentar real-izá-las a todas, torná-las carne de mim, cobrindo os ossos que se encontravam nus, pude, com todos os esforços e persistências, acreditar no eterno e uni-versal, nada é fácil nesse mundo, tudo requer lutas e labutas; se nadei nalguns rios, em profundos lagos luminosos, sobretudo na Lagoa Santa Maria, de minha infância, brincando de saber fazê-lo, brincando de ser livre, brincando de ser peixe nos mergulhos, brincando de chegar à outra margem – há outro prazer mais delicioso que brincar ao sabor da infância, quando tudo é inocência e ingenuidade?; se a sabedoria alada da minha liberdade vem-me dizer: “Olha! Nem para cima, nem para baixo! Arremesse-se à roda, para diante, para os lados, para trás, leve como é! Não pense mais! Não fale mais! Não são as palavras criadas para os que são lerdos? Não são os sentidos dessas mesmas palavras criados para despertar aquele desejo do paraíso, que já é passado? Não mentem todas as palavras ao que é leve? Cante os seus cânticos de ternura! Recite as suas ternuras de esperanças! Declame as suas esperanças de ternura! Não fale mais”. Inspirado nessas palavras da sabedoria alada de minha liberdade é que me arrisco a responder como se pode manter a ternura num fio só de esperança. É crer que a planta mais pura vem nos pés de uma criança.

Para vencer o vazio,
faz-se mister
ter a semente e o cio
Na construção da ternura;

Para manter a ternura
Num fio só de esperança,
É crer que a planta mais pura
Vem nos pés de uma criança.

Recuso-me a dizer mais do que isto, pois poderia talvez agradar à Providência, apenas para experimentar-me, com o meu “eu” fazer experimentos, com a minha imaginação construir castelos de cristal, retirar-me este poder hoje mesmo e dá-lo a outro, que é uma doação inspirada na caridade e não um favor iluminado pelo altruísmo. Poderia talvez agradar à Providência deixar-me fazer o trabalho e atribuir em seguida a gratidão de meus contemporâneos, conterrâneos a um aprendiz de barbeiro, quem sabe àquele barbeiro de “Bons dias”, mesmo com toda a sua sabedoria e experiências contingentes, iniciante no exercício de escanhoar uma barba ou de cortar um cabelo à moda antiga, como se este fosse o autor. Isto não posso saber, disto não posso ter qualquer noção, não posso mesmo insinuar opinião ou ponto de vista. Sei apenas que tenho de me ater à minha sensibilidade ética e que não tenho nada, nada a exigir, mas me não devo exaltar senão pela minha relação ética com Deus.
Como virá a criança, por qual porta chegará? Por todos os portões da infância por onde passei, entrei, senti-me feliz, esbocei sorrisos, dei gargalhadas inocentes e ingênuas, dissera e ouvira palavras meigas, que me fizeram tergi-versar o olhar, con-templar os horizontes e infinitos distantes e longínquos, e no peito senti êxtases di-versos, desejos e vontades de muitos sonhos e realizações; por todas as hortas e jardins que há, onde sentir a presença da vida, onde sentir a vida. A criança correrá por onde tudo se expande, pela Casa Assassinada e por toda a Horta Grande...
Como fazer a subida, se o vento às vezes demora? Sinto-me grato ao meu destino eterno, que não me fustiga nem empurra e me deixa tempo para astúcias, perspicácias, pintar o sete com engenhosidade e arte, e ainda satirizar a metafísica das pulgas ou a metafísica da coceira provocada pelas pulgas; tanto que hoje subi a esta montanha não apenas para estar dentro de minha própria caverna, mas para pescar, nada pesquei, embora tenha gasto minutos incontáveis, num silêncio aterrador, só olhando a vegetação rasteira,  nela entrei, estou nela sentado, olhando para um calango lá fora que tem a cabecinha levantada e os raios de sol nela incidindo, quem dera não houvesse esquecido da filmadora, seria um grande espetáculo a ser filmado. Há quem esteja indagando: “Acaso já se viu um homem pescando em altas montanhas?” Mesmo que o que desejo aqui em cima seja loucura, é melhor que se lá embaixo me tornasse solene e pomposo e  me pusesse verde e amarelo à força de criar as leis eternas da Ordem e do Progresso, dormindo o sono sereno e suave no berço esplendido; cheio de ódio e raiva à força de esperar uma tempestade rugidora que surgisse da montanha e levasse essa bandeira que não carrego de modo algum, não é o meu estandarte. Como fazer a subida, se o vento às vezes demora, não é o questionamento que se me a-nunciou, à força de reflexão en passant não esteja desejando obter uma resposta efêmera? Sim. Esse é o questionamento. Pois bem... Para fazer essa subida, mister é ter para sempre erguida a confiança na aurora...
Meu amor tem tanto a ver com meu rumo, tem tanto a ser meu corpo em sua senda! Esse amor é travessia serena por mais desespero que eu abrigue. Para mim a confiança na aurora é musa, é o máximo, fascínio mesmo a ser descrito num murmúrio, achado precioso num poema, e um poema que não nasceu de mim, de minhas experiências e vivências, de meus sonhos do verbo se tornar carne, nasceu do singular e íntimo pedido de minha amada, querida e estimada amiga, nasceu das esperanças e fé de todos os homens, de toda a humanidade. Sem essa confiança na aurora, abominaria o verbo que se faz carne exatamente quando beijo-lhe a boca, beijo de língua, e me torna pleno, absoluto.
O singular ressonar da noite ouço, tamanho é o silêncio enluarado. Essa paz, aqui em minha caverna, deixa-me conturbado, pois, se re-flito, fico em alvoroço, se penso em lírios, nenúfares, begônias, crescem espinhos no meu canto vário. A canção que urdo mudo nas insônias. A sós comigo sofro angustiado, de nada me valerá fazer esforço, insistir, persistir, pois a memória impõe seu calabouço, se viajo em mim regresso algemado.            

Manoel Ferreira Neto.

(28 de janeiro de 2016)

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