**LUZES E INVERSAS MIRÍADES - REVISADO** - Manoel Ferreira


Sinal de nada. Simbolo de efemer-idade. Signo de
vazio. Metáfora de nonadas e travessias. Vívida linearidade geometriza a noite que germina.
A toda a extensão da cerca de pedras, as colinas emergem a massa das sombras estéreis, das pálidas penumbras etéreas, erguem para o sol, lenta, quem sabe até serena e humilde, no fundo de noites de gênese, ficam imóveis, irradiadas de espaço e silêncio, havendo um ressoar do primeiro, como num mundo primordial.
Angustio-me até à vertigem. Será o amor um limite, será a verdade um limite, apenas a procura de um repouso que não há? Belo é o que se não conhece, o que se não conquistou, o que se não sabe, o que se não in-fin-itiva, o que se não trans-cende... Angustio-me até ao suor: “vós, alguém vivo em vós, ser estranho, fulgor estranho?”
As luzes que iluminaram a presença dos outros, dos que me precederam, eles a consumiram para si mesmos, no modo estranho de saberem que estavam vivos. Evidência de alegria final nos limites da condição. O nada inimaginável, a impensável destruição do absoluto que sei, quem sabe conheça, tendo mais bem sido se o conhecer viesse primeiro, o que não é indiferente e se me impõe como a única verdade que de mim irrompe, o que me afirma uma totalidade de ser, o que me define e é a própria realidade de estar sendo.
A memória dos deuses se me desfez como forma de um
refúgio, como modo de Katharsis, como estilo de sublimação, imagino seja num subterrâneo ou caverna, ou nada imagino, em verdade, de uma justificação, reinvento em mim o sonho de meu poder: criar, re-criar, inventar.

Aliás, amigo, a própria plenitude em alegria é comunicação de raízes – sabemo-la dos breves momentos em que nos visita ou nos dá essa ilusão, que, antes, ilusoriamente, sugeria-me quimera, o mundo inicial da minha aparição. Sei que a plenitude integra na sua origem um limiar de interrogações, a amargura profunda não é também uma aparição original?
Irredutível e necessário absurdo clarão que sou eu iluminando e iluminando-me. O que sou não tem limites no puro ato de estar sendo. Não sei ser útil mesmo sentindo, ser quotidiano, transparente, ter um destino entre os homens. O que me vem? Peculiar ofício de artesão! Se abro a palavra primeira que antecedeu o ofício, o que vejo nela dentro que me mostre o
porque de a pensar, sentir, quem sabe clame pela inspiração de ambas reunir num abraço. A vida no crochet de cada dia, enquanto o pensamento costura o instante peculiar de gozo.

Jamais consegui ser nada. Brusca frase que aos lábios vem, sem ser convidada, ao menos assim posso acreditar, poucochinho que seja, e assim manda os figurinos, que tenha conseguido, num átimo de segundo apenas, quase que ininteligível de todo.
O olho interior – sem ele, não me seria possível ler nas entrelinhas de sentimentos e emoções, intuições, utopias, e, acima de tudo, o verbo amar, resgatar e recuperar no fundo da memória o que me falta para sentir fundo a vida – transforma tudo e confere a cada coisa o complemento da beleza que me falta para que ela seja em verdade digna de agradar, de ser
apreciada, amada.

É também nessa fase, essencialmente voluptuosa e sensual, que se manifesta o amor pelas águas límpidas, correntes ou paradas, que se desenvolve de maneira surpreendente na embriaguez de alguns artistas. As águas fugidias, os jogos de água, as cascatas harmoniosas, a imensidão azul do mar, rolam, cantam, dormem, com uma beleza indizível.
A graça e suas seduções, a eloqüência e suas façanhas, todas essas idéias apresentam-se rapidamente como corretivos de uma feiúra indiscreta, mais tarde como consolos, finalmente como bajuladores perfeitos de um cetro imaginário.
Enfim, não sem esforço, sem luta, acompanhado de muitos sofrimentos e dores, posso então acreditar que a mais leve carícia, ternura, a mais inocente de todas, um aperto de mão, por exemplo, pode ter um valor multiplicado pelo estado atual da alma e dos sentidos e levá-los, quem sabe, e muito rapidamente, até essa síncope que considerada pelo comum dos mortais como o summum da felicidade.
A plenitude da vida atual inspira um orgulho desmedido. Voz em mim expressa interior, dizendo: “Tem você agora o direito de considerar-se como superior a todos os homens: ninguém sabe nem poderia entender tudo o que pensa e tudo o que sente”. Palavras gentis ditas em tom suave que me fazem recuar um pouco, analisar o fundo de seus ensinamentos, o valor que dentro trazem em si, e nada posso dizer senão: “Tenho agora o direito de sentir profundo e buscar realizar o espírito em comunhão com o quotidiano de todas as
ilusões, quimeras, sonhos que me habitam poeticamente”.

Fico muito surpreso ao ver grandes espaços desdobrarem-se na minha frente, do meu lado, por todos os lados; são rios
límpidos e paisagens verdejantes mirando-se em águas tranqüilas. Levantando os olhos, vejo um pôr-do-sol semelhante a um metal em fusão que esfria.

A princípio, rio de minha ilusão; mas quanto mais olho, mais a magia aumenta, mais ela toma vida, transparência e despótica realidade.
Uma nova preocupação, muito trivial e muito pueril, abate-se sobre mim. Lembro-me de repente que fora convidado para um jantar, uma reunião de homens sérios e importantes. Imagino-me no meio de uma multidão comportada e discreta, onde cada um é dono de si mesmo, obrigado a esconder cuidadosamente o estado do meu espírito de por baixo da luz das muitas
lâmpadas.

Manoel Ferreira Neto.
(30 de janeiro de 2016)

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