ANA JÚLIA MACHADO PINTORA ESCRITORA E CRÍTICA LITERÁRIA POETIZA O TEXTO /**FILOSOFIA DO VERBO DE SONHOS**/ - PROJETO #INTERCÂMBIO CULTURAL E INTELECTUAL#




Post-Scriptum:


Estivera pensando quão interessante seria se uma crítica comentasse uma obra duas vezes, em tempos diferentes. Se se lê uma obra hoje e daqui a duas semanas lê-la novamente os sentimentos, emoções e a interpretação serão diferentes.


Ana Júlia Machado realizou isto com primor. Em 2016, ela poetizou o texto FILOSOFIA DO VERBO DE SONHOS(este que agora publico), em 2017, novamente, ela fez uma análise prosaica desta mesma hora(publicado ontem).


Pode-se sentir com transparência dois sentimentos e análises diferentes.


Manoel Ferreira Neto


FILOSOFIA DO VERBO DE SONHOS
Manoel Ferreira Neto


Amigo Manoel, este texto é belíssimo e aqui insiro a arte do poeta ou escritor, que pode abranger imensas. Pois ele é um grande criador em todas as temáticas e em homenagem ao grande escritor e poeta vou deixar-lhe este meu trabalho concluído há pouco. Acho que também se encaixa aqui...o sonhador...o pintor, os jardins e o tempo. Adorei, Arte…


Ser vate ou escritor….
É ser um enorme criador
Não é meramente redigir
É provar na sua tez a comoção
E nacarar a folha com a seiva da alma
Redigir com um plumbagina sem pigmentação
Os verbos que só a afeição assimila
Aparentar que não se flagela com a querença
Compreendendo que o seu físico dele provém


É ser ebanista
Esculpir nas tábuas os seus poemas
Fabricar uma embarcação para o marinheiro
Para singrarem juntos em oceanos problemáticos


É ser horticultor
Amanhar em cada poema um bem-me-quer
Gerar do seu vergel o cativeiro da querença
Almiscarar com as ramagens o documento do seus versos
Soltando uma fragrância díspar em cada raiar


É jamais recear ser satirizado
Honrar ainda quem já o enjeitou
Perceber que em um tempo conseguirá ser relembrado
Por quem em ser jamais o abraçou
Mas que pela sua inspiração ficou enamorado


Ser vate ou escritor
É ser imortal, um poeta e um escritor jamais sucumbe
Pois a poesia nos vasos sanguíneos eternamente circula-lhe


Ana Júlia Machado.


#FILOSOFIA DO VERBO DE SONHOS#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


A cena é de uma fazenda situada num vale, a treze quilômetros de qualquer cidade, seja ela agradável de se viver, seja como a maioria, um inferninho com todas as suas letras. Não é um vale muito grande, apenas três quilômetros de extensão e dois quartos de quilômetro de largura. Sua principal característica é que todas as famílias ali residentes formam uma comunidade familiar, dessas que todos conhecemos e são mais ou menos interessantes. As montanhas são montanhas reais, com aproximadamente dois a três mil pés de altura, e a choupana é uma verdadeira choupana, não (como a de um autor de imaginação fértil, que deseja ilustrá-la, ornamentá-la de poesia-pensante, respirando fundo e escutando o velho e orgulhoso som do seu coração. Eu sou, eu sou, eu sou) uma choupana com garagem para dois carros de passeio.


Deixemos que ela seja uma choupana azul, re-coberta de trepadeiras floridas, assim escolhidas por ter uma sucessão de flores em suas paredes, que se incrustam pelas janelas durante todos os meses da primavera, verão e outono – começando pelas rosas de maio e terminando com jasmins de setembro. Façamos, contudo, que não seja primavera, nem verão e nem outono – mas inverno, e do mais severo e radical. Esse é um dos principais pontos na ciência da paz e da tranquilidade, na filosofia do verbo de sonhos da volúpia e da liberdade. E fico sobremaneira surpreso – atrás da surpresa não há senão a surpresa a surpreender-se a si própria – ao ver as pessoas não se aperceberem disso e considerarem motivo de exaltação e júbilo, de alegria e excitação, de contentamento e exultação, quando o inverno se vai, ou, quando estiver se aproximando, esperar que não seja tão severo, apenas um friozinho agradável para despertar um sono mais tranquilo, eivado de a-nunciações de verdades outras que ampliam a visão onírica do sonho, a alimentação mais saudável e gostosa. Eu, ao revés disso, peço todos os anos que caia geada, tempestades que os céus possam nos oferecer. Certamente, todos conhecem o inusitado prazer e satisfação de uma lareira no inverno, velas às cinco horas da tarde, acompanhadas de um chá com pães de queijo, quentes tapetes, uma bela mão para servi-lo, janelas fechadas, as cortinas caindo em amplos drapeados sobre o chão, enquanto o vento e a chuva estão enfurecidos lá fora...


A vida passada misturou-se-me com a futura – há uma conversa múltipla e ambígua, e qualquer coisa indivisível que a atravessa em zigue-zague e é a minha voz. E houve no meio do salão de fumo, na choupana, um ruído, onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de paciência (e, de repente, a vida fica muito mais extensa, tão extensa que tudo atrás fica lendário. Lendário?! É um termo estúpido).


Todos estes detalhes são de uma noite de inverno, numa choupana, numa fazenda situada no vale, que deve ser familiar a todos quantos nasceram em regiões altas. É evidente que muitas destas ternuras, delicadezas, como os sorvetes tomados por uma criança, pedem uma temperatura muito baixa para serem produzidas: existem frutas que não podem amadurecer sem uma tempestade. Até me dou muito bem com a chuva, desde que chova a cântaros, pois alguma parte de minha natureza faz com que eu tenha necessidade disso, do contrário sinto-me enfastiado, uma ojeriza sem qualquer medida e peso, sinto-me enganado, tripudiado: já que serei obrigado a gastar dinheiro no inverno, com carvão, velas e muitos outros artigos que faltam até mesmo a um cavalheiro, quero pelo menos que seja um bom inverno. Quero um inverno londrino para os meus bolsos, ou um russo, um carioca, onde cada homem divide com o vento norte a propriedade de suas orelhas. Em verdade, sou tão epicureu nessa questão que não consigo saborear plenamente uma noite de inverno se já passou há muito a noite de São João – a noite de São João é a mais longa do ano – e o tempo começa a degenerar a caminho das aparências da primavera. Não, o inverno deveria estar separado, por densas paredes de noites escuras, de toda luz e brilho do sol. Das últimas semanas de setembro, precisamente a semana de 25 em diante, até o dia de Natal, assim é a estação da alegria e da satisfação. Pois o chá, seja em que estação for, apesar de ridicularizado por aqueles cuja sensibilidade é naturalmente grosseira, ou se tornaram assim por beberem vinho e não serem sensíveis a um estimulante tão refinado, será sempre a bebida do intelectual.


Não há qualquer necessidade de sentir-me confuso, perder a cabeça, sentir-me solitário, aliás, sou homem feliz por esquecer as horas todas. Acalmo-me, bebo um copo d´água, bebo-o lentamente, aprendo a respirar, a dominar as emoções, a alumbrar as dimensões dos sentimentos. Sento-me por um segundo, olho, ao redor, a serra das águias através da janela, expulso a nostalgia, que já não tem direito algum de persistir, desfio as palavras, uma a uma, semeio música entre elas. Com a terra à sola dos pés, eu, o rebelde que se recusa a ser reduzido à condição de alienado, resolvo os problemas cotidianos e, depois de tudo, contemplo, do alto, as serras, que conheço desde o chão até os menores detalhes. Sento-me perto das estrelas e estendo os braços como se pudesse tocá-las. Miro o céu, de um lado ao outro, de uma nuvem à outra, com o olhar repleto de luz, o corpo relaxado, a cabeça leve. Salmodio preces que na verdade são pedidos precisos, destinados a facilitar o acerto de uma desavença ou a dispensar um pouco mais de felicidade ou riqueza a algum homem necessitado. Aqui, ignoro a própria santidade que não evangeliza, sim proscreve com os dez mandamentos da heresia. Minha felicidade é tão simples. Não sofro muito com minha condição.


Posso imaginar uma choupana com janelas abertas para um campo a perder de vista, um jardim florido, para um horizonte acolhedor, para casas onde a felicidade seja constante, ou pelo menos haja a serenidade dos que sentem orgulho de si mesmos, os que se ocupam em perseverar no melhor de si.


Paro de sonhar acordado. Jogo as palavras nas dobras de meu diário e depois fecho. O papel fica impregnado do cheiro de incenso. Morte ao cheiro de incenso, que queimo tanto nas festividades quanto nos funerais. A morte finge enviar-me para bem longe dentro de mim mesmo, mas, se me faço vislumbrar novamente os dias iluminados da vida, é para melhor poder cobrir-me de terra e trevas.


Mas agora, para afastar-me das descrições longas demais, apresentarei um pintor e lhe darei instruções para que acabe o quadro que comecei a pintar. Os pintores não gostam de choupanas azuis, a não ser que estejam sobremaneira gastas pelo passar do tempo; mas, como o leitor já sabe que estamos numa noite de inverno, os serviços do pintor serão necessários para o interior da choupana.
Manoel Ferreira Neto
(11 DE JUNHO DE 2016)


(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE JUNHO DE 2018)


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