#AFORISMO 86O/ SÓ EU E A LUZ DO DIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Afaste de mim verbos que lavam as luxúrias todas, tropéis de desejos,
ânsia de ir para o céu só para curtir o além, pecar mais na terra, os passos da
paixão que jazem inertes na solidão. Afaste de mim a erudição das
con-tingências que gerenciam os pretéritos devaneios do ser à soleira do nada
concebendo sondas para outras utopias do nunca re-vestido de jamais. Afaste de
mim o dia da capacidade universal de se cor-res-ponder e completar-se, que
sobrevive à consciência. O mistério tende a travar de angústia o exílio das
palavras.
Luz breve, que ec-sistas, onde? fugidio indício que me a-nuncie o meu
lugar na vida... que proscreva o meu livre-arbítrio uni-versalmente... Silêncio
efêmero que me sussurre o pensamento que pense o pensar... Solidão solícita que
murmure o sino que tange, o som que perde. As nuvens brancas espelham-se em
miríades de re-flexos, multíplice alegria, trêmula, sinais nulos, irrita e
anula, os meus olhos tremem, as extremidades sacolejam.
À janela do meu vazio, eu!...
Nítido nulo horizonte linear. Imperceptível une-se ao azul do céu,
in-fin-itude ab-soluta in-eks-sistente, na linha in-eks-sistente da separação
que os une. A vida toda está aí. Os meus olhos passam por tudo, mortos que
falais ainda, vozes nítidas e absurdas no ar, imóveis instantes de outrora...
À varanda de minhas fantasias, quimeras, sentado num banco de mármore,
as rosas no jardim des-abrochando viçosas e ternas, manhã de novo dia,
estendendo-me além das metafísicas da esperança e da fé, da teoria do
conhecimento dos verbos e dos projectos, tentando encontrar um lugar no
auspício de uma montanha, olhando o panorama do mundo, os olhos perdiam-se na
frincha das folhas de um flamboyant do outro lado da rua, o in-finito se
mostrando inteiro, nítido nulo o horizonte e já frio, um deus crescia dentro de
mim... - ah, pretéritas lembranças e re-cordações de manhãs da infância, da
juventude! Estava só, tão cheio de meu nada. No ponto nulo que separava a
vigília que se esgotara e a que re-nascia... Mas agora, à distância destes
anos, ou à distância nula da morte, agora tudo se amassa em encantamento ou em
indiferença ou em absurdo - agora a rua está deserta.
Afastar-me no trote desértico, na algazarra do cavalo marchador em ruas
de pedra.
Só eu e a luz do dia, só eu e os raios incandescentes do sol. Uma
alegria nula. Indício fala no limiar das origens. Fulcro, certeza fora de mim,
por mim escolhida, mas ec-sistindo na realidade, conferido com ela,
ordenando-a, fixa e apesar de tudo mutável, limite máximo da minha direção, do
meu impulso cego e absurdo.
Travessia do dia e noite, o sono que me vem revelar o desejo de sonhos
que se manifestam em imagens.
Evidente... A simbiose entre o sujeito que transita e o objeto
transitado, ao ponto que já não se sabe quem é o conteúdo, quem o continente.
De Ubi sunt ao ad ubi. Elegia transitiva. Qualquer travessia é mágica . Viagem,
idéia de viajar ao processo de Ser no caminho do trajeto interior, secreto no
indivíduo.
As janelas de guilhotina, de todas as casas, mesmo aquelas em que
ninguém mais habita, estão fechadas, e aquelas que, desabitadas, pela ação do
tempo, estão caindo, restam apenas escombros, por dentro conduzem inerente à
vontade à Cruz do Cruzeiro que mostra à cidade a redenção e ressurreição, e
isto é alcançado com o retorno ao amor que fecunda e gera a compaixão e
misericórdia. A palavra é o espírito da vida. Iluminação, Amor, Deus,
Misericórdia, Nous, Theos, Ágape, Inner, Assunção, Numinoso. Creio que diante
de tantas dimensões divinas e humanas, a vida está cheia de inevitável dose de
solidão.
... eis a magia da liberdade que é a solidão à hora de nascer...
(#RIODEJANEIRO#, 13 DE JUNHO DE 2018)
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