#AFORISMO 859/ ABREM-SE OS VÁCUOS ANTES DE SE ABRIREM OS OLHOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Permeio o sentido obliterado e oblíquo da emoção com o significado e
sentido do sentimento. Na passagem do homem pelo tempo, o abismo apreendido
exige a sua postulação frente ao real. Atribuo a felicidade ao "habitamento"
das dimensões sensíveis na alma. As imagens retornam a encenar frente aos meus
olhos. Na minha consciência, tudo está muito translúcido; já nada consigo
sentir nela. A melancolia escorre pelos lábios oculares, morrendo e renascendo
na esteira do mundo. Ser todo coerência comigo mesmo. Em derredor, o silêncio,
sinto ainda a palpitação do coração, que não pode adormecer, tremer de delíquio
no horizonte. O silêncio atento indica as ausências por demais. O caminho que
segue ondula através do campo. Penso como seria possível desvencilhar-me desta
tenacidade, de seu ardor. Contemplo um instante do alto do ser resplandecente.
Submeto-me a uma ordem óbvia, mas o significado é desordenado, invertido,
despido de caracterização. Com a paz, como que se aflorou de frente de meus
sinceros desejos um mundo de misteriosas delícias, um vasto caminho de ternuras
e de esperanças um dia novo e desconhecido para mim, que me deixa a alma em
êxtase.
Tenho um rosto nítido e límpido. É que nas pequenas e ínfimas emoções
abrem-se os vácuos antes de se abrirem os olhos. Invadido pelo amor até às
entranhas. Descanso um pouco a vista no olhar sereno. Encho-me os sonhos de
amorosos enleios voluptuosos. A alma se me palpita de gozo e só o espírito se
me aniquila. Os próprios sentidos tomam parte na vergonhosa ingenuidade. O
íntimo entreabre-se um instante, compreendendo o alcance da felicidade e
orgulha-se de ter contribuído para com ele. A linha do eterno é o imortal
acumulado no horizonte. O sentimento de amor é um processo que sucede através
do tempo e por meio do qual a eternidade atinge a transcendência. Digo-me em
voz baixa sedutoras palavras de amor. A comoção enriquece-me o rosto com uma
austera polidez, retirada do profundo estudo da realidade humana. Não procuro enganar-me
- bem sei o que me espera!... Arrisco mesmo a súplica, cortando-me a palavra
com um olhar em que a tristeza lê a inutilidade na experiência dos fatos
essenciais da vida. Falta à presença a arte paciente, ou o querer decidido,
para produzir a forma que ela concebera em abstrato como a única digna, por
raridades especiais e exóticas, de encarnar as suas idéias. Caminhando em
silêncio, revolvo um sentimento que se me apresenta. Há sempre um quê de divino
e sagrado. Uma lágrima insiste em prolongar-se, nenhuma impaciência,
desenhando-lhe o acontecer pretensioso, numa tênue meiguice, impaciência,
desenhando-lhe o acontecer pretensioso, numa tênue meiguice, ao pousar no
infinito das emoções sentidas.
Umedece as esperanças de afetar grande tranqüilidade. A idéia de
escrever esta memória só hoje pela manhã é que veio a ocupar-me o espírito.
Para manter no mesmo grau de entusiasmo o enlevo de um amor complexo. Torno-me
moralmente inseparável por um tácito consórcio de absoluta confiança deste
tempo a olhar no espírito. Despejo-me até ao fundo em palavras de íntimos
segredos. Chega a parecer-me desonestidade. O coração se tem aberto por si
mesmo. Tudo pode extinguir-se, menos este sentimento, em toda a sua
individualidade, que me acompanha como uma qualidade inerente à vontade.
Nem pela idéia, nem pela forma, a ausência poderia legar e doar às
inteligências persuasão ou maravilha.
(#RIODEJANEIRO#, 13 DE JUNHO DE 2018)
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