#AFORISMO 149/CRIAR VIDA OU DIALÉCTICA DA MAIS ALTA POESIA?# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Outrora pensava que tudo o que se cria, in-venta-se é mentira deslavada,
e somente a consciência atormentada dos pecados e dos erros redime dos vícios.
Quem mente passa a vida se justificando, explicando-se.
Talvez isso de pensar o que se inventa é mentira esteja intrinsecamente
comungado, aderido à verdade de coroar com insucesso os meus méritos, quiçá
terminasse um dia me corrigindo. Viver errado sempre me atraiu em demasia.
Na minha impureza havia depositado a esperança de redenção nos adultos.
A necessidade de acreditar nas minhas posturas e condutas lícitas fazia com que
venerasse os grandes, que fizera à minha imagem, mas a uma imagem de mim enfim
purificada pela penitência do crescimento. Tinha muita consciência de ser
criança, o que explicava todos os meus graves defeitos, e pusera tanta fé em um
dia crescer.
Limitado nas montanhas de meu ser, meu horizonte inda não coincidia com
o do mundo. Estava preso ao solo, olhava para baixo. Detinha-me ainda diante
das aparências. Não existe percussão do passado no presente nem irradiação do
futuro. Há-de se criar vida ou dialéctica da alta poesia que supera as
antíteses em que o ser prosaico se deixa debater. Mister descobrir o tempo e o
espaço. Fechei, em torno a mim, círculos e sagradas fronteiras: cada vez menor
é o número dos que comigo sobem a montes cada vez mais altos, delineio
dialécticas cada vez mais herméticas. Prelúdio sou eu para melhores
executantes.
A minha arte está realizada: adivinha, nas almas que se elevam, o ponto
em que estão exaustas. Posso dizer tudo livremente e desabafar as minhas
razões. Criei vida, criei dialéctica da alta poesia. Deixei de coroar com
insucesso os meus méritos? Não os coroo com insucesso ou sucesso. Ninguém tem a
felicidade em partilha. Se nada na opulência, pode um homem crer-se mais que
outro favorecido pela sorte, mas não pode dizer-se feliz. Coroo-os com as
decisões e consequências das atitudes e ações. Se o caminhante é o próprio
caminho, restaria considerar e relacionar o poeta-transeunte e o poeta-poesia no
mesmo complexo, poesia como transporte e como caminho.
In-ventar deixou de ser mentira deslavada, tornou-se re-presentação de
um desejo de crescer, e crescer ser caminho para a consciência, consciência de
que nada redime nada senão o eu elevado à dialética da alta poesia.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE SETEMBRO DE 2017)
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