#AFORISMO 175/ALGUMAS FOLHAS DE GALHOS DISPERSOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Graça Fontis/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


EPÍGRAFE:


" - Nas arribas tem matagais?" - Graça Fontis


E vós, sensível e circunspecta, indagais se há matagais nas arribas! Nos matagais das arribas, auscultei sons de poemas que litteralizam o visível de sonhos inter-ditos do amor que não são lamúrias da carência, reclamações da solidão, choro compulsivo dos tremores e temores da morte, e para não transparecer a alma entupigaitada de tristezas, trazem no bojo palavras sensíveis, açucaradas, melosas, rimas que surpreendem a beleza do belo, quaisquer estesias que a passagem dos tempos foram cristalizando. Nos matagais das arribas, ouvi sons de silêncio que ritmavam e melodiavam os mistérios do coração que elevam os sentimentos aos auspícios do sublime e de lá não sentem o espírito flanando livre e se inspirando para outras conquistas da liberdade e do ser.


Alguns olhos, não diretamente, por a luz do sol ser intensa neste início de tarde, os raios fortes e amarelados, ofuscarem-lhes, mas de esguelha, vislumbram da superfície das águas límpidas o céu de nuvens brancas e azuis, a imensidão do universo. Não são olhos tristes, trazendo nas pupilas e retinas seus sofrimentos mais íntimos, suas dores incrustadas no peito, clamando pelas graças misericordiosas de Deus, possam eles contemplar as alegrias e contentamentos, mesmo que por um ínfimo minuto, mesmo que vistos pelas frinchas da eternidade, encobertas por algumas folhas de galhos dispersos.


Da superfície das águas limpidas
O céu de nuvens brancas
Tempo nublado, maresia
Frinchas da eternidade...


E vós, re-flexiva e meditativa, indagais se há matagais nas arribas! Nos matagais das arribas, vislumbrei os instantes-limites da angústia que abrem os leques para as inspirações, para a percepção de constelações atrás da lua cheia a conceberem nos lotes vagos da alma sonhos efêmeros que eternizam a fragilidade do ser e estar no mundo circundado das contingências da dor e do sofrimento. Nos matagais das arribas, con-templei as trevas das incertezas e dúvidas, e nelas senti profundo e abissalmente a presença do verbo que conjuga o in-fin-itivo da ec-sistência plena e absoluta nos ventos do tempo.


São olhos que brilham de felicidade, enfim sentem o que é isto de estarem realizando seus sonhos, ideais desejados, queridos, sonhados, esperados por todo o ímpeto e calor das entranhas e do coração, aliás surpresos por eles haverem superado o que era esperado.


Contemplando o céu de nuvens brancas, a imensidão do universo, agradecem as dádivas recebidas, um presente que nem sabem se merecem, se sentem merecedores, não sabem como explicar. Sentem-se orgulhosos por haverem compreendido que a proximidade e envolvimento com as águas, sentindo nos corações a continuidade simples e harmoniosa delas em direção ao mar, no absoluto das ondas e calmarias, restituiu-lhes a esperança necessária e essencial para a tradução e compreensão do mundo e da vida.


E vós, pensativa e dispersa, indagais se há matagais nas arribas! Nos matagais das arribas, aprendi não a sonorizar os sons de poemas, não a ritmar as notas de palavras chinfrins, de vernáculos fúteis, como nas prosas e versos que tremelicam de linguísticas e semânticas à cata de metafísica que envele as ipseidades e facticidades. Nos matagais das arribas, aprendi que à última flor do lácio, inculta e bela, não é permitida a mesmidade, há-de sempre re-criar-se, inventar-se, neologizar-se, se é que intenciona ser húmus e semente do tempo de eterno resplendor.


Interessante é que algumas horas antes, sentado à grama à beira deste mesmo rio de águas límpidas e nítidas, presenciei a vários rostos à superfície destas águas, expondo os mais variados sofrimentos, dores, conflitos, devido a inúmeras situações angustiantes e desesperadoras, eram rostos sem esperança, sem fé de as águas passando por debaixo deles, através deles, modificassem-lhes, tornando-lhes esperançosos, fazendo-lhes acreditar que, após as tempestades, as ondas furiosas e ressacadas do mar, as águas tranquilas refletem as esperanças do abismo e das profundidades.


E vós, alheia e distante, indagais se há matagais nas arribas! Se vós, diante destas todas dimensões de vossa alma, dispondes a este diálogo inter-dito de visíveis invisíveis do ser e do verbo, é que desejais alguma res dos re-versos desejos de a vida significar mais além do que simplesmente libertar-se de dogmas e preceitos, torná-la plena e eterna luz das peren-itudes.


De imediato à contemplação dos rostos à superfície das águas, levantei-me da grama e, caminhando com os braços cruzados às costas, com leveza e simplicidade, ousando até dar chutes nos gravetos e galhos miúdos ao longo do caminho-da-roça, de cabeça baixa, por me sentir em verdade triste e desconsolado por aquelas águas outrora serem sagradas para mim, refletirem os sonhos e esperanças da espiritualidade, do espírito da vida, da paz, da misericórdia, e, acima de tudo, da limpidez do sentimento de que o amor só vive de entregas e doações e, de repente, tudo se modificou, tudo se transformou, tornou-se imagens de melancolia, nostalgia, de sofrimentos, de que a humanidade empreende seus passos na escuridão, nas trevas, a luz à soleira dos ventos que chegam de leste e oeste é apenas um modo de continuar a andança, o que é sobremodo triste; o que contemplei foram rostos sofrimentos, olhos dispersos nas névoas de todos os séculos, na neblina de todas as décadas, na garoa de todos os milênios, clamando, clamando, e ninguém ouve o seu grito e pedido de misericórdia...


(**RIO DE JANEIRO**, 10 DE SETEMBRO DE 2017)


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