#AFORISMO 219/PREÂMBULO DA DESCRIÇÃO FILOSÓFICA DAS RARIDADES# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Que é o odor agradável e sensível da esperança, sonho, utopia, sorrelfa, quimera das nostalgias que confeteiam da arte de tecer as saudades melancólicas e ensimesmadas de salpicos e sarapalhas regenciais da perfectu-itude do amor-caritas nas ad-versidades e div-ersidades do "come, pequena suja, come chocolate, olha que não existe outra metafísica no mundo senão comer chocolate", eis o fingimento, eis a farsa, eis o ethos do son, poesia e identificação do ethos da música, do acorde do violão do boêmio que canta o lírico das linguísticas!..


Que figuram as orquídeas da Alegria Breve? Únicas flores neste árido terreno do meu coração, circundado por um vale habitado de abismos. Mister agora um raio que as anime e lhes conserve o perpétuo viço. Se a vida pudesse ser eternamente orquídeas da Alegria breve, provável seria que o coração adquirisse a paz almejada. Verbos defectivos ornamentam seus ideais de sombras e hiatos, conjugando as situações, circunstâncias com os pronomes de re-versos sujeitos, dores e sofrimentos são sentimentos inerentes à condição humana... Joguetes da imaginação, propensão às fantasias cor-de-rosa. O mais inocente de todos os sorrisos serve de base a um castelo de vento, uma expressão qualquer, simples cortesia de sala, afigura-se cheia de mil promessas de futuro. As tempestades do ar importam mais que as tempestades da vida. Cai chuva fina e constante, que houvera inicializado pouco antes dos primeiros albores da manhã. Que importa a melancolia da natureza, se habita n´alma fonte de inefáveis alegrias?


Eis que eu próprio me torno o mito mais radioso e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou. Poder-se-ia acreditar que há no mundo um verdadeiro azul, um verdadeiro vermelho, um verdadeiro odor de amêndoa ou de violeta. Logo os retenhamos um instante sequer, este sentimento de conforto e segurança é substituído por um profundo mal estar: as cores, os sabores, os odores nunca são verdadeiros, nunca são simplesmente eles mesmos e nada mais que eles mesmos. O verbo do presente ilumina-me, numina-me para outros efêmeros que re-velarão eidos, essência, cerne do vazio, e só este pode re-colher, a-colher o múltiplo, absoluto, divino, que nada mais são que húmus para outras contemplações do há-de ser. Não seria de bom tom viver as in-verdades com grande amor e paixão? Quê tristeza: impossível para a felicidade plena, impossível para as in-verdades perenes.


Debruço-me sobre cada segundo, tento esgotá-lo; nada se passa que não capte, não fixe para sempre em mim, nada, nem os ruídos da rua, nem a claridade titubeante do amanhecer; e no entanto o minuto se esgota e não o retenho, estimo que passe. Ritual para o alvorecer ser feliz, para a felicidade ser plena no espírito do verbo sonhar, diria estar louco, varrido, doido de pedra, pois que homem algum é vocacionado à plen-itude de felicidade, não saberia con-viver com ela; cerimonial de futilidades e picuínhas para os pensamentos não cochilarem, a natureza está melancólica, chove miúdo continuamente, alfim carece de lhes dar sentido, significado, em mim perpassam certas pasmaceiras, nada há que esquente os pensamentos, chameje as idéias, tudo se escorra escorreitamente, ouça sons, sinta sabores.


Há quem acredite piamente comer chocolate é a única metafísica, a absoluta, mas em verdade, em verdade, se é que se possa afirmar seja a que frutos lega, fazer dos pensamentos vinhos em dias chuvosos, para degustar o sabor imaginário da luz - sonhara há anos que descia lentamente os degraus de uma escada em espiral, e quando terminaram os degraus senti que me seguravam e enfiaram uma luz em minha boca, acordei, sentindo-me sem fôlego. O vinho é um convite para os prazeres do mergulho nos subterrâneos do espírito. Meu passado onírico é agora tarde demais? Arrependimento estoico mantém erecta a minha cabeça. Meu sorriso cristaliza a sala em silêncio, e mesmo os ruídos que vem do imenso terreno baldio que leva ao topo do morro, de onde se vê uma nesga do mar, escorrem do lado de fora do silêncio.


O fato de uma pintura de época, um casal refestelando-se no leito, selvagens e suaves, olhos pensativos, esse pintura real não me desmente, só faz é revelar uma fantasmagórica estranha: ter nascido é cheio de indagações a fazer, perquirições a responder. Adormecera tão logo realizada a visão da pintura de época, não me re-corda se houvera algum sonho; indubitável é que acordara pensando nesta manhã chuvosa se há arte em tecer as saudades melancólicas e ensimesmadas de salpicos e sarapalhas regenciais?


(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE SETEMBRO DE 2017)


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