#AFORISMO 145/ATENAS ATÉIA: VELHA CIDADE SEPULTADA EM SOLIDÕES# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO (Título criado em 02.07.2004. Revisado pela manhã e tarde em 02.09.2017).
Santa Piriquita de Pitibiriba!...
Isto é que são cebolas da Arábia Saudita
Às arribas de cavalitas
As poucochitas sementes da inaudita utopia
Da compl-etude, etern-itude de vazios e ventos.
O tempo (in)-vento-o. Onde posso (in)-ventar o tempo, dar-lhe outras
feições e semblantes, características e performances diferentes desse que fora
inventado quando a memória não pode mais abarcar? quando no espelho das
lembranças a imagem se reflete ausente? quando no sopro dos ventos os sons
ecoam presentes? quando os sibilos dos abismos ritmam os sussurros de vozes?
Existiria outro? Não me é dado saber, não me é sabido se existiria por estar
ouvindo músicas, desde que possa ver a luz, e esta irá terminar daqui a alguns
instantes, e tudo será nada, nada será desse momento, a não ser que de novo coloque
a música para ser executada, o tempo será outro diferente desse, não o
in-ventei, acontecera independente de minha vontade. O interesse é in-ventar o
tempo.
No interior, no interstício,
No âmago, no reduto da alma
O que traz o vento no sopro e no sibilo,
Dentro em si a passagem, a continuidade?
{In}-vento-o no meu sangue que percorre o corpo através de suas veias
desde os dedos dos pés até a cabeça, da cabeça aos dedos do pé, poderia ter
dito simplesmente "vice-versa.", inventei palavras para encher a
linguiça. É um tempo absoluto, o fulgor da eternidade. Por que tanto interesse
em in-ventar o tempo? O que me excita no sentido de o fazer? Não me é difícil
sabê-lo: é só olhar esta cidade à noite, quando se percebe que tudo está
sepultado em solidões, solidão nos becos, nas avenidas, nos locais de trabalho,
nos botequins, nas pracinhas, solidão nas igrejas e templos, solidão no
interior de todas as casas, solidão nos corações de todos os humanos, solidão
no sono de quem dorme.
A vida, nessa noite de inverno, entendo-a na iluminação do frio em que
me sinto, sinto-a nas retinas, sinto-o no corpo inteiro, e não desejo o que
quer seja para defendê-lo, ampará-lo. Entendo-a na iluminação em que me estou
vivendo, um estrangeiro que, após a paixão inesperada, viu-se envolvido inteiro
por ares inóspitos de tudo o que fora construído no passado, e nada hoje
conservado, preservado, sentimentos e emoções trancafiados nos subterrâneos de
outrora, a chave perdida para sempre.
É possível por isso que a todo o meu passado eu o esteja coordenando sem
saber, sem qualquer noção, eu o esteja re-criando sem saber, reinventando sem o
desejar, como se fosse ele inimaginável fora de como o estou vivendo. Fora do
frio, dessa noite de inverno, fora da iluminação dos postes públicos, das luzes
das casas e dos prédios que ameaçam a todo momento ruírem e em questão de
segundos tudo se tornar escombros de um tempo, trevas, escuridão nos lotes
vagos, terrenos baldios, becos sem saída, e nada mais existir hoje, restando
seguir alguma estrada à busca de um lugar onde tudo se anuncia, onde tudo é
apenas anunciação, revelação.
Premonição? Intuição?
Tudo isto é verdade. Se tenho tanta necessidade de inventar algo, só
posso pensar em duas possibilidades para explicar: primeiro, o tempo nunca
existiu; existiu, mas fora vivido por todos os homens de um único modo e
estilo, linguagem e atitudes, e a fixação fê-lo extinguir-se, nada mais
existindo dele. É verdade, porque a solidão é tão estúpida, medíocre,
mesquinha.
Tenho apenas para viver, e seria quase uma traição que eu faltasse ao
seu encontro, contar-lhe, sentado num tronco de árvore, à porta, o que
conseguira criar, in-ventar, o que conseguira realizar. Por isso, procuro-a
nesses escombros todos de todas as ilusões, orgulhos, empáfias, procuro-a em
toda a parte onde sei que me espera como uma palavra a dizer, um sentimento a
expressar com seriedade e honestidade.
O que se pode relembrar de Atenas Atéia não tem face nem nome, é a forma
oca, vazia de um limiar indistinto, pura anunciação de presença, obscuro alarme
de uma aparição. Num longe imaginado, passam os ventos em linha, os sibilos em
seqüência, massas de neblina deslizam sobre as ruas, becos, alamedas, prédios
abandonados, uma voz de espaço ressoa à minha atenção suspensa, às minha
intenções alevantadas.
O que é certo e imediato – ao menos, é o que consigo fantasiar, nessa
noite de inverno, sentado ao banquinho de pedra nessa praça, fonte luminosa
ligada, músicas, tão esquecida quanto qualquer outra existente, tão inexistente
quanto as calçadas ao longo de toda Atenas Atéia -, o que me vem à boca e tem
nome, o que é exato e imensurável, refugia-se na timidez da penumbra e do
silêncio, do rio e da solidão. A voz que me fala transcende o passado e o
futuro, vibra verticalmente desde as minhas raízes até aos limites do universo,
aí onde a lembrança é só pura expectativa despojada do seu contorno, é só pura
interrogação, retine e ressoa, desde as minhas origens até as sarapalhas do
in-finito.
Neste instante absoluto, conheço a vertigem da infinitude, o halo mais
distante da minha presença no mundo. Se houvesse alguém comigo aqui,
conversando, estando a dizer-lhe isto mesmo, poderia perguntar-me com todo o
direito e merecimento a razão de haver trocado o lugar de onde vim, onde tudo é
ainda anunciação, revelação, tudo fulgurando em aparições, tudo podendo ser
inventado e criado, por esta velha cidade sepultada em solidões, não saberia
dizer, e daí em diante não expressaria uma única palavra mais, o nó górdio
estaria estabelecido para sempre.
O que se pode recordar da indiferença às sinas, sagas dessa cidade
lembrada de preconceitos, poder... o que se pode recordar? Práticos-inertes. A
experiência de mim próprio, do inverossímil milagre do que sou, é
extraordinariamente difícil, e de si mesma miraculosa, mágica. Habita-me um
poder brutal de uma evidência fechada, de uma irredutível necessidade que me
vem deste sentir-me um indivíduo, uma inteireza sem traço de união, um absoluto
de presença que recusa a contingência, de um inefável desejo que, se me
patenteia as vaidades do inebriante, sinto-me lesado.
Que tempo intenciono in-ventar, criar? Que novas idéias, sonhos, utopias
quero contemplar? Para além das palavras, onde estará a palavra capaz de
identificar-lhes, mostrar as chamas do presente que se anunciam frescas e
suaves? Li em algum lugar sobre a palavra que brota do silêncio, que cresce
espontânea e livre. Re-colhi, acolhi, deixei o lido livre.
Quem sou? Posso res-ponder a questionamento, que tanto me exige a
autenticidade em confessar as dores e sofrimentos – palavras de um poeta, de um
sonhador, de um prosador da busca do verbo amar, do sentimento verdadeiro antes
de todas as palavras, de todas as expressões e linguagens, de todas as
inteligências integradas no sonho de união de todos os desejos, mas antes é
necessário e fundamental traduzir os sonhos, e talvez não o esteja traduzindo
neste momento, contudo dando-lhe um toque de sensibilidade, subjetividade, e
ninguém é capaz de reconhecer estes sentidos nas entrelinhas, insistindo em
seus pontos de vista, interesses e ideologias, húmus de mazelas, sêmens de
pitis.
Vellha cidade, não irei sepultar os sonhos e utopias trouxe em mim na
carne e no sangue, o que daria sentido à vida, não irei de modo algum, custe o
que custar não torno esta vida minha solidão, sepultando-a em sua terra,
coberta de pedras ou diamantes, e a iluminando a escuridão do cemitério, e nada
mais pelas ruas, somente as suas pedras, poeiras, e tudo mais esquecido num
sonho que construíram à custa da escravidão de muitos, e deixaram tornar-se
nada, escombros de um conhecimento da liberdade, de onde nada mais nascerá para
o gosto e o paladar de sonhadores, de artistas, de pessoas que desejam deixar
suas marcas, traços...
Atenas Atéia, não nasci de seu útero, não fora gerado por algum tempo,
mas sinto na carne a presença de seus sonhos. Nasci para o inverno e o
silêncio, acompanhados do sonho do verbo amar, do silêncio, e da solidão (que,
ora, coloco entre vírgulas não sendo preciso, e isto mostra o desconhecimento
das regras que esclarecem o sentido de todos os sentimentos...)...
Não termino os sentimentos, deixando nas entrelinhas o que hoje sou, um
viajante, e todas as terras são liames e junções de meu passado e de meu
presente, pois estas letras jamais serão apagadas...
Atenas Atéia!...
(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE SETEMBRO DE 2017)
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