#AFORISMO 144/VÉU DE MISTÉRIOS E ENIGMAS# - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Solidão não é problema,
Aliás,
Solene e suntuosa
Liberdade
Sentir e pensar o destino;
Solidão é liberdade...
... Porque venho com freqüência mergulhando no silêncio, conversando com
alguém, dizendo de minhas emoções e sentimentos e sensações mais ardentes, a
eternidade se faz com a fé e a esperança, enquanto cofio o bigode, amarelado
pela nicotina, não me refiro aos muitos cabelos brancos por isto não ser do
início da velhice, da senilidade, mas o que mais importa se a calvície e os
cabelos brancos foram-me legados devido a tantas inquietudes e indecisões.
Ergo os olhos para mim com uma sabedoria compadecida. Posso sentir
obscuramente uma presença, uma “pessoa”. Quando distingue os meus passos,
alvoroça-se, murmura palavras com a voz rouca, em tom baixo. Aproximando-me,
ergue-se, levanta a cabeça, acaba por se deitar com os braços em cima do
travesseiro, a cabeça enfiada neles, a respiração comedida.
Ampliando as emoções, olhos umedecidos tornam-se difusos, adquirindo
nítidos sintomas de opúsculo, findadas as preces e os tributos, matracas e
rituais, odes e homenagens, renuncio às cátedras, aos cargos, às funções, e
parto à procura de novos horizontes.
Pretendo evitar constrangimentos maiores, preferindo ir desacompanhado à
estação, porém todos apelos se tornam inúteis, querem acompanhar-me até a
imagem do trem desaparecer no horizonte. A única nota destoante deste episódio
é ver quem gosta de mim exibir semblante abatido, demonstrando aparência de
saudades, quando é que estarei de volta, quando venho dizer do silêncio.
Todavia, respeito os desígnios divinos, Deus(?) na sua infinita sabedoria
permitiu-me a graça, entregou-me em mãos os dons e os talentos, faço jus de
incorporar-lhes, o silêncio se mostra inteligível e uma sabedoria.
Não tenho coragem de entender a morte ser o vazio, se antes não me
sentir excitado a completar, a dizer que o vazio é a calma eterna. Tanta vez,
inúmeras, em verdade, desde toda a eternidade, ouço alguém se referir a alguém
íntimo, saudoso, que descanse em paz. Quiçá dissesse: "Descanse em paz
todos com quem houve alguma relação, trocamos algumas palavrinhas...", mas
que sentido isso teria? Quaisquer. Descansar com júbilo e esplendor é só
possível com a calma eterna. São palavras que arranco de mim, enfio a mão no
interior, encontrava-se em seu canto. A distância das palavras e dos
sentimentos. Compreendo.
Vivo horas cheias de uma imperfeição vazia e tão perfeitas, por isso
mesmo tão diagonais à certeza retangular da vida, tão obtusas às dúvidas
triangulares das contingências. São horas caídas nesse mundo de outro mundo
mais cheio de orgulho de ter mais desmanteladas angústias.
Se pudesse ser sarcástico a ponto de me imaginar rindo, riria, sem
dúvida, de me imaginar vivo, de me conceituar "ser humano". Vivo
horas impossíveis , cheias de ser eu... e isto porque sei, com toda a carne de
minha carne, que não sou uma realidade.
Que horas, ó companheiro de minha solidão, que horas de desassossego
feliz, horas de cinza de espírito, dias de saudade espacial, séculos interiores
de paisagem externa. Nada vale a pena, ó meu amor longínquo, senão o saber como
é suave saber que nada vale a pena, que as vozes simuladas em quimeras merecem
o olhar aberto, os ouvidos atentos às coisas que existem.
Definir solidão
Para quê?
Vive-se-lhe, sente-se-lhe.
Quem nasce por mim?
Quem vive por mim?
Quem morre por mim?
Sou quem!...
Por medo de enlaçar uma figura fugidia, acompanho o travo da ausência.
Quem nasce é ainda nada. Mas quem morre é a infinitesimal aparição, é a
plenitude, a pura necessidade de ser. Um só é perfeição, só se realiza até aos
tímidos abanos de mãos mútuos, aparentando ares decepcionados com a distância,
registram constrangimentos. Prouvesse as fontes ressoassem, acredito
deixar-me-ia mergulhar em suas águas, quiçá em suas profundezas patenteasse o
espanto. Num evidente contraste com o ideal da limpidez, da translucidez, da
trans-parência das formas desenhadas em nitidez e equilíbrio sobre o fundo da
luminosa profundidade onde se desenvolvem os mais puros sentimentos, emoções,
inauditos, mistérios, enigmas. Ò ousadia simples de um mortal que se atreve a
prosseguir viagem. Varro dos olhos o profundo sono e ponho-me de pé, o trem
começa a partir... Que a férula se me não sustente nas mãos frágeis e
singelas!...
Acredito, agora inteirado destas aflições pessoais, tenha aquilatado a
dimensão do dilema. O certo é, o inconsciente não consegue libertar de suas
teias sinuosas, libertar-se da insana idéia fixa de desejar a sua libertação,
de se revelar em sua pureza, sem estratégias, sem atalhos, supunha, caso
incorresse na ousadia de dizer alguma coisa muita íntima, verdadeira, seria
obrigado a traduzi-lo ou mesmo elaborar as devidas digníssimas senhoras
dúvidas, as devidas correções, relevações. Sendo assim, espero, tenha
compreendido a razão de atitudes intempestivas.
Deveras arrependido, abjurando a estupidez cometida, repriso os apelos
de escusas. Se é que se possa dizer tais palavras sejam de todo verdadeiras, se
o toque sutil nelas não as tenha tornado mais luminosas às raízes da
espiritualidade, além do cinismo nelas existentes, tenha aquilatado a dimensão
do dilema. Homens se eternizam numa rotatividade de vida perfeita, nascem,
crescem, renascem, e há reprises dos apelos de escusas, diante de uma ação
ininteligível, tendo-se de se explicar, de se esclarecer, às vezes, tendo de
reconhecerem não haver argumentos, o dilema continua em direção a todos os
ventos rápidos e suaves, suficientes apenas para suprirem as necessidades
básicas da natureza.
O sol brilha todos os dias. As chuvas acontecem esparsas. Todas as
árvores produzem frutos e folhas, as flores do ipê amarelo tapetando a rua de
solo árido e poeira.
(**RIO DE JANEIRO**, 01 DE SETEMBRO DE 2017)
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