**VIDA SEM PREFIXOS** - Manoel Ferreira


Pers evaeceram-se, olhar de esguelha para a lua, esvoaçaram-se, a alma agrilhoada aos percalços da con-tingência. Res abismou-se no mais profundo do vazio, sem lenço nem documento, vagando pelos becos das ciências ocultas. Retros erisaram-se nos idos do tempo, com uma mão na frente e outra atrás.
Sem quaisquer prefixos latinos ou gregos - resta aquele sono por algumas décadas, acreditando na benevolência da Língua, caso contrário, sono secular, milenar até que por alguma dádiva do tempo os prefixos voltem às palavras, assim podendo alçar meus longos voos. Sem prefixos não me é dado pronunciar única palavra, nem sinto que tenho boca, não emito nenhum som, a garganta me falta.
Último lácio de minhas viagens pelos uni-versos de todos os verbos, último lácio desvairado, tresloucado pelas pre-fundas do nada, pelos absintos das nonadas. Uai, "ab" é um pré-fixo... acaba de acontecer-me um "ato falho". Com a alma no buraco negro pela ausência dos prefixos, de repente, sem esperar, eis que me surge o "absinto" e "ab" é prefixo. Hurray... Mordo a língua para sentir que ela existe, o "ab"-de-sinto fê-la re-nascer, ressuscitar, rediviver. Preciso de outros prefixos, muitos milhares para tagarelar sem limites, viajar por lugares que nem Deus criou, bagunçar todos os coretos com chuvarada de prefixos nas palavras.
Faltem temas, faltem sufixos, mas não faltem prefixos. Não sou idéia, não sou imaginação fértil, não sou fantasia, nem mesmo sou nada, fantasma muito menos, alma penada ainda muito menos. A vida não me concebeu, gerou, deu a luz. Nem o coração me faz tanta falta, posso viver sem ele, mas não vivo sem prefixos.
Por vezes, a ausência de algo obriga a buscá-lo seja onde estiver, acaba-se assim mudando a vida. Esta ausência dos prefixos estavam me deixando desvairado, não é que criei algo novo, inédito.



Manoel Ferreira Neto.
(10 de fevereiro de 2016)


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